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sexta-feira, 29 de junho de 2012

COMPROMETENDO O FUTURO?


Por força de trabalho e outras atividades comunitárias convivi muito tempo com uma pessoa que tinha um comportamento intelectual,  diríamos, exótico para os padrões esperados.
Tinha pretensões de alta intelectualidade e quase sempre discordava de tudo que era proposto ou que existia. Sempre dizia ter uma ideia melhor, mais consistente, mais coerente, mais aplicável. Quando solicitada a expor a sua ideia prometia que iria escrevê-la, colocar no papel detalhadamente.
Acontece que acompanhei o seu trabalho por quase trinta anos e vi apenas um texto seu  escrito durante todo esse tempo. Foi publicado no jornal da comunidade.  Esse texto foi imediatamente questionado por outro e ele não teve coragem ou competência para defender.
Muitas (inúmeras) vezes, quando cobrado dizia: um dia eu vou fazer.
Em uma das últimas vezes que estive  com ele já estava impaciente e não me lembro se disse ou se por respeito aos presentes só pensei em dizer-lhe o seguinte: " vejo que você já está com a eternidade comprometida. Já tem mais de quinhentos textos esperando para serem produzidos e, como em todo esse tempo produziu só um, suponho que gaste trintas anos em cada texto. Se multiplicarmos quinhentos por trinta anos lá se vão alguns milênios".
É possível que tenha sido apenas um pensamento que por não ter sido expresso ainda me incomoda.
Esse é um caso à parte. Mas conhecemos muitos que deixam muitas tarefas ( visitas a parentes e amigos, passeios com a família, aquisição da casa própria, abandonar um vício, etc.) para  serem cumpridas depois da aposentadoria.
Comprometem a aposentadoria e quando veem que não conseguem cumprir todas as promessas ( e as cobranças chegam)  essas pessoas entram em depressão e morrem.
Aprendi com essas  pessoas a não comprometer o meu futuro. Faço cada dia o que tem que  ser  feito a cada dia. Pago  as minhas contas no vencimento. Não faço prestações contando com o ganho futuro. Faço prestações curtas somente quando preço à vista é o mesmo do preço à prestação. E, quase sempre,  tenho o dinheiro para pagar a qualquer momento.
Insisto que não comprometo o meu futuro.
Quero encarar cada novo dia como um novo homem. Livre  de amarras, livre  para fazer  novos compromissos.
Estaria sendo exigente demais? Talvez, mas sou feliz assim.
Creio na eternidade, mas não a comprometo e nem conto com ela. Para mim "basta a cada dia o seu próprio mal".
Bem, mas se  não comprometo o futuro significa que não sou um homens de ação ou que sou um pessimista? Ao contrário. Não o comprometo, mas sou comprometido com ele. Sou um homem que crê no futuro, que investe no futuro, que  acredita que a nova geração merece o meu serviço, o meu investimento. Sou um homem que pensa em deixar herança (embora diminuta) para os filhos  e netos e um legado para as próximas gerações.
Creio no futuro, mas não o comprometo. Minha eternidade será toda livre.
Sou livre a cada dia, livre a cada amanhecer.
 Nova Andradina, 29 de junho de 2012.
 Antonio Sales      profesales@hotmail.com

sábado, 16 de junho de 2012

A TEORIA DA ANULAÇÃO



“Ê preciso se anular para contar com Deus. É preciso que o eu seja anulado, que deixemos de lutar por nós mesmos, para que Deus aja em nosso favor.”  Esse discurso hipócrita é a nota tônica de alguns sermões que ouço.
Ele é o ponto central de vários pagadores evangélicos. Suponho  que dizem isso com base  em um Salmo  onde se diz: Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus; serei exaltado entre as nações; serei exaltado sobre a terra” (Sl 46:10). Ou quem sabe tomem por base alguma experiência ou passagem particular da Bíblia. Na realidade não sei de onde tiram essa ideia. Uma leitura cuidadosa da Bíblia nos revela o contrário.
Na Bíblia vemos o tempo todo Deus valorizando os que agem, os que atuam. Deus chamou um Paulo ousado para segui-Lo, um Davi guerreiro para salvar Israel dos filisteus e depois liderar  o povo e valorizou a capacidade intelectual de Daniel. Moisés era manso, mas não nulo. Isto é, era paciente para o com povo, mas não se anulou. A Bíblia louva  os 400 valentes de Davi (2 Sm 23), e não há valente nulo
Por que toda essa retórica da autoanulação que temos hoje?
Tenho uma hipótese, mas meu filho me apresentou outra. Fico com as duas. Elas não são mutuamente exclusivas. Podem conviver lado a lado e até se sobreporem.
Minha hipótese é que o pregador se apoia na anulação para não preparar o sermão. É cômodo falar qualquer coisa, fazer uma miscelânea, preencher o tempo com nada e os ouvidos do povo com mediocridades e ainda sugerir  que Deus fez por ele. É cômodo gastar tempo na internet ou na TV (apesar de hipocritamente muitos os condenarem) e não ler, não pensar no significado do que vai falar, na mensagem que vai transmitir. É por isso que ouvimos sermões medíocres. O triste é que são feitos em nome de Deus.
Deus deve ficar com vergonha do que se fala em Seu nome  nas igrejas.
O “músico” que não quer  estudar teoria musical e discutir filosofia de música, se apoia nesta teoria da anulação para justificar a sua mediocridade e seu discurso ultrapassado.
Sabe-se que a salvação é de graça, mas o alimento diário não. A educação (escola) é de graça, mas o aprendizado não. O perdão nos é fornecidos de graça, mas a mudança do caráter não. Mudança de caráter, conhecimento, alimento, qualidade de vida e de sermão, são frutos de esforço, de reflexão, de discussão com outros, de muito trabalho. São frutos da não autoanulação.
Devemos subjugar a vaidade, não o esforço para melhorar. Devemos anular a hipocrisia, não o esforço  para viver dignamente. Devemos anular a concupiscência, não  o esforço  para ser honesto e viver conforme as regras da moral.  Devemos anular a nulidade, não o estudo e o esforço.
Hipótese do meu filho:
Como ninguém sabe o que se está falando, ou tem coragem de ousar, todos ficam copiando um do outro. Ele contou-me já ter visto isso acontecer. Ouve um sermão onde algumas asneiras são ditas e poucos dias depois, alguém que estava presente prega um sermão repetindo o mesmo pensamento e até as mesmas palavras.
Como disse há pouco, fico com as duas hipóteses. Fico triste, mas fico  com ambas.
É tão ilógico o que ouço nos sermões que concordo com uma amiga paranaense quando ela disse que naquele dia tinha ouvido um sermão para lobos sendo pregado em um aprisco de ovelhas.  Diante da minha expressão interrogativa ela explicou: estávamos na igreja como gente humilde, sincera, em busca de uma palavra de conforto e o pregador nos atacou como se fôssemos uma matilha de lobos selvagens.
Sonho com pregadores mais competentes e menos hipócritas. Que condenem somente aquilo que não praticam e que não vivam buscando desculpas para não fazer melhor.
Nova Andradina, 20 de maio de 2012.
Antonio Sales  profesales@hotmail.com