Translate

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

EM QUE ACREDITO




Não vou expor aqui  o meu credo pessoal. Tecerei algumas considerações sobre os motivos que nos levam a crer em algo.  As conclusões deixo ao leitor.
Tomo por base o relato de Asne (Hosna) Seierstad sobre a sua experiência como correspondente de uma rádio norueguesa durante a guerra do Iraque. Ela estava em Bagdá fazendo a cobertura do conflito. Chegou na capital iraquiana um pouco antes, ficou durante e permaneceu um pouco depois dos ataques americanos.
Segundo ela nas coletivas à imprensa, durante os ataques, o Ministro da Informação, o porta-voz do presidente do Iraque, sempre reforçava que as forças invasoras estavam sendo derrotadas pelo exército do seu país. Falava de helicópteros inimigos tirados de circulação, de blindados americanos sendo destruídos, de soldados americanos estirados sem vida no deserto e de nenhuma baixa no exercito iraquiano. Na sua fala o exército iraquiano estava em vantagem e o inimigo, em constante retirada e tendo baixas sucessivas.
Os noticiários internacionais, por sua vez, enfatizavam o avanço das tropas americanas, anunciavam a aproximação do desfecho final com vitória para as forcas aliadas, noticiavam a tomada da capital.
Em quem o povo acreditava? Qual a notícia que corria de boca em boca pelas ruas de Bagdá?
Em conversa com a sua interprete, e através dela,  Asne procurava saber o que o povo pensava, em qual noticia acreditava. As pessoas sempre mostravam profunda convicção  de que o ministro dizia a verdade, que o exército iraquiano daria uma lição aos americanos e, especialmente,  no presidente Bush que eles tanto odiavam.
 Pessoas esclarecidas, universitárias, estavam convictas de que o exército aliado se perderia no deserto e as forças iraquianas o derrotariam.
Para elas era mais confortador pensar que não seriam importunadas pelo invasor e as mentiras do Ministro da Informação lhes trazia esse conforto. A incerteza do que ocorreria se o país fosse invadido reforçava a necessidade de uma vitória iraquiana. Portanto, elas criam no que lhes trazia conforto.
 Um amigo da interprete, que desertou e trouxe a notícia das derrotas iraquianas no deserto, não teve crédito. Ninguém  queria crer nisso. Essa noticia não lhes falava ao coração.
Não há racionalidade na crença, há apenas sentimentos.
Soares-Vieira (2012, p.70-71) em sua tese afirma que crenças são “ideias, opiniões e pressupostos”. Crenças são filtros, diz ainda a autora.
Crenças são filtros que nos protegem temporariamente ou que nos proporcionam fugas da realidade. Crenças servem também para “explicar” o que não é explicável pela ciência. Explicam o que eu gostaria que fosse e por isso, segundo Soares-Vieira, as crenças são mutáveis.
A crença traz euforia. Seierstad (Asne) (2007, p. 273-274) conta que suicidas iemenitas se candidataram a servir no exército iraquiano e chegaram clamando: “a vitória é sua Saddan”. “Viemos para derrotar o inimigo da humanidade: os Estados Unidos [...] vamos esmagá-los”.
Dizemos que os povos mais desenvolvidos economicamente são secularizados. Pergunto: são secularizados ou racionais? Por terem suas necessidades básicas  supridas, podem escolher em que acreditar, podem  filtrar as informações críveis das não críveis, as racionais  das voltadas para o sentimento.
Os povos que vivem próximos da linha da pobreza, com poucas perspectivas de sucesso econômico, são mais crentes. Eles precisam de conforto, precisam de sonhos, necessitam acreditar em algo para a autossustentação.
Nessas condições a crença é produto da necessidade.
Antonio Sales                                                profesales@hotmail.com
Nova Andradina, 24 de  fevereiro de 2013.

Referências:
SEIERSTAD, Asne.  101 dias em Bagdá. Rio de Janeiro. Record, 2007.
SOARES-VIEIRA, Azenaide Abreu. Integração de tecnologias e webtecnologias no ensino de língua inglesa: concepções teóricas, crenças e interação na prática docente.  São José do Rio Preto, SP: 2012 (Tese de doutorado em Linguística Aplicada apresentada à  Universidade Estadual Paulista.  Instituto de  Biociências, Letras e Ciências Exatas).

MENSAGENS SOBRE ANSIEDADE



Fico um pouco decepcionado com algumas mensagens que circulam pela internet, via e-mail, com o objetivo de aplicar  as palavras de Jesus  (Mt 6:31) sobre a  ansiedade.  Os autores pensam em produzir calma, trazer paz aos leitores, mas na realidade os confundem mais. Alguns textos são uma afronta à inteligência humana.
  O último que recebi e que provocou  estas reflexões  tem por título “você não tem que se preocupar”.  Os argumentos apresentados são: “nenhum pássaro pensou em construir mais ninhos do que o seu vizinho, nenhuma raposa ficou triste por ter apenas uma toca para se esconder, nenhum cão perdeu o sono por não ter osso reservado para o outro dia”. Os argumentos seguem essa linha de raciocínio sempre comparando homens com animais.
É nessa comparação que erram. Seres humanos e animais vivem de forma diferente, têm necessidades diferentes, sentem diferentemente e se relacionam entre si de forma diferente. Homens e animais “pensam” a vida de forma diferente. É verdade que um cão não perde o sono por não ter um osso reservado para o dia seguinte, mas também não perde o sono porque o seu filho está com fome, com cólica ou com a perna quebrada. Ele também não perde o sono porque a sua fêmea dorme na chuva ou está em trabalho de um complicado parto.
Uma raposa não fica triste por ter apenas uma toca, mas também não fica triste porque o seu filho já adulto foi morto por um predador e não planeja construir uma prisão para tirar esse predador de circulação. Ela nem pensa em constituir um tribunal para julgar as agressões que a sua família sofre ou um hospital para socorrer raposinhas feridas.
Um pássaro não pensa em construir mais ninhos do que o vizinho, mas também não pensa em acolher esse vizinho quando ele  estiver doente. Não pensa em abrigar os filhos desse vizinho se ele for morto por algum predador.
É por isso que eu entendo que comparar seres humanos com animais carece de sentido e até me parece que significa desvalorizar a inteligência humana e desqualificar os nossos sentimentos humanitários.
Viver um dia de cada vez, isto é sem qualquer ansiedade, é bom em alguns aspectos, mas tem as suas restrições. Não devemos nos preocupar com o que não depende de nós, com o que não é objeto de escolha. Por exemplo: não devo me preocupar se sou mais velho ou mais novo do que você. Não escolhi a data do meu nascimento. Não devo me preocupar se sou branco, negro ou indígena. Não me foi permitido  escolher a etnia. Não devo me preocupar se meus antepassados eram doutos ou ignorantes, pobres ou abastados, pois, não me foi permitido escolher a família na qual nasci.  No entanto, tenho que me preocupar com o que faço com as oportunidades que tenho. Aproveitá-las ou não é escolha minha.
Tenho que me preocupar com o bem-estar do meu filho, da minha esposa, do meu irmão, dos meus pais, dos meus semelhantes. Por causa dessa responsabilidade tenho que me preocupar com a qualidade da minha casa, em pagar seguro, em me preparar para ser útil em uma das áreas que a sociedade espera que eu seja.
Uma pessoa não deve se preocupar ou viver ansiosa porque perdeu uma das pernas em um acidente (ela não escolheu ser acidentada), mas deve se preocupar em evitar que outros passem pela mesma experiência.
É seguindo esse raciocínio que entendo que essas mensagens que me mandam pela internet servem muito bem para abarrotar a minha caixa de entrada e produzir reflexões como essa. Fora isso é pura inutilidade.
Os animais se mantêm calmos diante dos problemas da vida por confiança em Deus ou por alheamento em relação ao problema?
Antonio Sales     profesales@hotmail.com
Nova Andradina, 24 de fevereiro de 2013.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

PÉS DE BARRO




Há uma profecia bíblica em que um reino é simbolizado pelos pés de uma estátua. Esses pés são em parte de ferro e em parte de barro e está registrado no  livro do profeta Daniel (Dn 2: 33). Trata-se de um sonho do profeta em que Deus lhe mostrou o futuro dos reinos terrestres e o próprio mensageiro celeste se encarregou  de esclarecer que o barro simbolizava fragilidade (Dn 2:42).
É nessa perspectiva que uso a expressão. Tem pés de barro quem é frágil.
Ao falar em pés de barro faço uma referência ao pensamento do escritor Frederick Buechner, um pastor evangélico e romancista.  Seus personagens têm pés de barro, segundo ele, porque são seres humanos como nós, com dúvidas, preconceitos, depressão, desejo sexual, fome, raiva e outras "virtudes" mais. Segundo ele, os crentes conservadores perguntam por que, como pastor, ele não cria personagens mais puros, menos tendenciosos,  com menos propensão  para  pecar? Por que focalizar em seus romances exatamente as fraquezas humanas? Buechner responde que escreve sobre o ser humano que conhece e este tem pés de barro.
Escrever sobre um ser humano puro é utopia. Dizer que é possível o ser humano se despojar dos seus preconceitos, dos seus temores, dos seus desejos e das suas necessidades é falar de um ser humano irreal.
Quem defende  que o ser humano consegue despojar-se do eu é hipócrita.
O ser humano consegue um certo controle sobre os seus instintos por causa da pressão social, por causa da vigilância constante da lei e dos olhares atentos dos outros. Uns têm mais dificuldades em algumas áreas e menos em outras, mas todos  têm contínua luta para não permitir que os instintos tomem conta.
 Falar que um ser humano consegue se aproximar de Deus é excesso de ousadia.
É possível que ela permita Deus se aproximar dele, que não fuja esbaforido quando a divindade se aproximar e que aceite um chamado, mas é Deus que vem ao homem (Jo 6:70; 15:16). O ser humano consegue desejar ser bom, mas tem dificuldade para exercer a bondade, de viver uma vida de dedicação ao outro  por méritos próprios.
Os autores cristãos começam os seus textos pela conclusão, isto é, pensam no final, na perfeição humana, na ausência de problemas e depois começam produzir o texto direcionado para esse fim. Eles não escrevem sobre a trajetória da vida de um ser humano com suas lutas, suas dúvidas, suas dores. Em seus escritos não há espaço para a graça.
Tenho pés de barro e você?


Antonio Sales               profesales@hotmail.com
Nova Andradina, 21 de fevereiro de 2013.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

QUANDO A VERTIGEM É BEM VINDA



Muito interessante o que Milan Kundera escreve sobre o assunto. Sua obra de ficção "a insustentável leveza do ser" narra o caso de Tereza, uma mulher que passou a sentir prazer na vertigem, isto é, passou a ter prazer em cair. Cair aqui tem sentido amplo abrangendo também a frouxidão moral.
Parece estranho pensar que alguém tenha prazer em cair, mas, após a leitura de  Kundera comecei a pensar que em minha trajetória, muitas vezes, também  desejei cair.
Teresa teve uma vida dolorosa marcada pela culpa de ter nascido. Era uma filha não planejada e, por essa razão,  não foi bem aceita pela mãe que viu-se obrigada a casar com o cafajeste que a engravidou porque ninguém quis fazer o aborto.
Ao separar do marido que lhe traia frequentemente viu-se obrigada a casar com outro do mesmo tipo, para dar sustento à filha. Teresa era culpada desses dissabores da mãe. Esta a impediu de prosseguir nos estudos e teve que trabalhar desde cedo para se redimir da culpa de ter vindo ao mundo em condições tão desfavoráveis.   Sonhava ser alguém mais do que uma simples garçonete que servia de gracejos para os bêbados onde trabalhava, mas a vida parecia conspirar contra ela. Aos dezenove anos conheceu um médico divorciado, e não menos mulherengo do que seu pai, e que viera tomar lanche no bar certo dia.
Arriscou tudo na vida para começar uma vida nova com ele na expectativa de superar as dificuldades enfrentadas até então.
Muitos anos depois, após se convencer de que o marido lhe seria sempre infiel, por mais que o vigiasse e por mais que o amasse, decidiu ter vertigens.
Suas quedas não eram apenas físicas como forma de ter um pouco de atenção do marido e dos outros, mas também quedas no ideal, fraquezas no desejo de superar o passado. Passou até mesmo  a desejar ser preterida, servir de cafetina para o marido, como forma de assumir as sua impotência, o seu fracasso, a sua falta de prestígio.
Surpreendeu o próprio marido, que não conseguiu entender a atitude da mulher, quando lhe fez a nova proposta. Surpreendeu os amigos e até as concorrentes com a sua atitude bizarra. Não sei ainda o fim da estória, mas já há o que pensar.
Toda pessoa tem os seus limites, tem um peso máximo de fardo que consegue suportar.  Mesmo as pessoas mais obstinadas, têm momentos de crises e de vontade de desistir. Quando todos os sonhos se reduzem a nada, quando todos os esforços se mostram inúteis, a vertigem passa a ser desejada e a queda planejada.  Ocorre o abandono dos ideais, o sepultamento do próprio ser.
Alguém disse que a vantagem de morrer após alguns meses de sofrimento é que nessas circunstâncias a morte é desejada por todos, inclusive pelo moribundo. É a vertigem desejada.
Em locais (países ou lares) onde predomina o regime  autoritário a população cede espaço às arbitrariedades e até as justificam.
Certo professor que trabalhava há longa data com alunos dos anos iniciais, já não suportando mais a indisciplina da garotada, sempre que alguma algarraza surgia na sala, dizia: "tenho pressão alta e a qualquer momento posso desmaiar com essa gritaria. Se eu morrer é culpa de vocês". Após tantos anos de insucesso profissional ele via na possibilidade de um desmaio a sua redenção e, talvez, uma espécie de vingança contra os indisciplinados alunos.
Pessoas abusadas desde a infância podem se tornar submissas e não somente aceitar, mas até desejar, a ação do abusador. Violentam a si próprias e aceitam a condição de caídas.
Aqui há muito sobre o que pensar.
Antonio Sales  profesales@hotmail.com
Nova Andradina, 03 de fevereiro de 2013.