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quinta-feira, 26 de setembro de 2013

A CABEÇA E O CORPO



Recentemente adquiri o livro “ELA em minha vida: o difícil caminho do calvário”. É a biografia de José Newton de Souza Paz. Este homem nascido em 1962 viveu, por  mais de  quarenta  anos uma vida normal, como todos os homens:  lutou, sonhou, constituiu família e realizou tantos outros sonhos. Um dia do ano de 2006, ao executar um serviço manual, sentiu que a força da mão lhe faltara. Exames médicos  detectaram que estava afetado pela Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), uma doença, ainda sem causa definida. ELA faz com que o cérebro vá, pouco a pouco, perdendo o controle sobre os músculos que se tornam rígidos. O processo não é tão lento como gostaríamos que fosse e, em 2013 quando eu o vi, somente o movimento dos olhos estava sob controle do cérebro e, quase imperceptivelmente, o canto da boca.
Zé Newton respira e se alimenta por meio de tubos e depende de cuidados constantes e especiais de sua família que se mantém ao seu lado.
Sentimos uma sensação de mal-estar ao nos aproximarmos dele. Temos a impressão de ele não sente e não pensa. Seu semblante "petrificado", pela falta de movimentos, nos ilude com sentimentos de que ele está alheio ao que se passa ao redor.
Sua família, carinhosamente, cuida dele em todos os detalhes proporcionando-lhe o máximo de conforto que pode, mesmo assim imagino que sua vida não seja nada fácil.
Ele, porém, não desistiu de viver e um amigo nosso, professor e pesquisador, resolveu ajudá-lo nessa tarefa. O Professor Anailton Gama, que aprendi a respeitar pela competência profissional e compromisso com o outro, sendo entendido em “Informática Assistiva” providenciou-lhe um computador e um programa que, através do webcam, capta o momento dos olhos direcionados para um teclado instalado na tela do computador e permite que Zé Newton escreva a sua história e se conecte com o mundo.
 O livro que tenho é resultado dessa parceria. O Zé Newton narrava os fatos, expressava os sentimentos e o Anailton dava forma ao texto.
 No dia do lançamento conheci o Zé Newton que expressava os seus sentimentos através das lágrimas que escorriam pelo rosto e que eram gentilmente enxugadas pela esposa.
O corpo do Zé Newton não reage mais, mas ele está vivo e bem vivo. Ele ainda presta serviço produzindo arte no seu computador adaptado. Está vivo porque não desistiu de viver.
Conhecemos outros casos. Sabemos de pessoas com lesão cerebral, cujos membros se movem desordenadamente e cuja fala é dificultada e quase ininteligível, mas que vivem intensamente a vida, pensando, sentindo e amando. Essas pessoas, quando lhes damos oportunidade (e agora com a “informática assistiva” as oportunidades se ampliaram) mostram o potencial do seu cérebro que, apesar de lesionado, não perdeu o vigor.
Pérolas de sabedoria e lições de vida borbulham nesses cérebros presos em um corpo que não obedece. O corpo pode ser inerte ou desordenado mas desde que o cérebro tenha ordem e esteja ativo não é um caso perdido.
Nesses casos, tudo que nos resta fazer é proporcionar o máximo de conforto ou o mínimo de sofrimento ao corpo dessas pessoas, respeitar os seus sentimentos e estender-lhes a mão (humana, financeira e tecnológica) para que realizem os seus sonhos. Nossa função é dar apoio ao corpo uma vez que o cérebro está bem.
Valorizar esses cérebros prodigiosos, presos em corpos frágeis, consiste em apoiar o corpo, alimentar o corpo, diminuir as dores do corpo e ampliar as possibilidades do corpo.
Por que escrevo isso?
Por que, segundo Paulo (1Co 12:27), a igreja é o corpo de Cristo. Se Cristo é a “Cabeça da Igreja” e, se pressupomos que Ele está em ordem, a nossa função é apoiar o corpo e não chicoteá-lo.
Valorizar esse cérebro prodigioso é apoiar o “corpo” (Mt 25:31-43), potencializar o “corpo” com instruções adequadas, evitar fazer o “corpo” sofrer com reprimendas desnecessárias, não exigir que o “corpo” faça o que não pode fazer.
Penso que temos desrespeitado a Cristo, “Cabeça da Igreja”, com a nossa exigência exagerada, intolerância com os mais fracos e agressividade discursiva.

Antonio Sales       profesales@hotmail.com
Nova Andradina, 27 de julho de 2013

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

COISAS QUE NÃO SE VEEM




Foi o apóstolo Paulo quem enfrentou diretamente o problema de explicar como se comportar diante de uma batida de porta na cara (ver www.apontandocaminhos.blogspot.com) ao escrever aos coríntios (2Co 4).
Para ele o mais importante não era compreender as frustrações da vida, mas enfrenta-las com a mesma coragem de Jó. Paulo sentia o corpo tremer (se corromper) diante das dificuldades encontradas  e diante das ausências divinas. Sentia o espinho espetar a sua carne e entendia que teria que tirar forças da fraqueza.
Os problemas passam, são temporais, se enfrentados com força, com determinação. Se a fé não vacila e o sujeito não se acomoda, se o sujeito entende o silêncio divino como uma “ordem” para marchar, a recompensa virá, disse Paulo.
Na realidade o que Paulo estava dizendo é que não adianta ficar perguntando “por quê?”, mas perguntar como “posso superar isso?”. Quais os recursos que estão disponíveis para a superação do problema?
Creio que a sociedade secular entendeu melhor essa proposta de Paulo, que acredito ser divina, do que comunidade de crentes. A sociedade secular encarou o câncer como algo a ser vencido (estamos quase chegando nesse ponto) enquanto a comunidade de crentes se contenta em perguntar “até quando Senhor?”. A sociedade secular entendeu que a violência doméstica se resolve com ações afirmativas, enquanto os crentes se ajoelham (revelando a sua impotência) para orar diante a da vítima. A sociedade secular criou a Lei “Maria da Penha” e a Delegacia da Mulher enquanto os religiosos oravam.
Talvez alguém possa dizer que tudo isso foi realizado em reposta à oração. Em parte pode ser verdade. Algum filho viu os pais orando e resolver agir. Algum pregador anunciou uma oração em favor das vítimas e alguém, em contrapartida, resolveu anunciar uma ação.
A oração tem o seu valor, mas não pode ser usada como um substituto da ação. Deve ser usada como complemento e como instrumento de mobilização. Paula deixa claro que Deus silencia para que transformemos a nossa fraqueza em força.

Antonio Sales    profesales@hotmail.com
Campo grande, 13 de setembro de 2013.

domingo, 8 de setembro de 2013

MÃE COMO PROFISSÃO?



Em texto anterior expressei a minha opinião sobre a não profissionalização das lides do lar. Disse que apesar de estarmos vivendo em um tempo de muito conhecimento técnico e científico as tarefas domésticas ainda continuam sendo executadas empiricamente, com base na tradição.
Faz-se hoje o mesmo que se fazia no tempo dos nossos avós ou ainda dos avós desses. Ainda não se exige qualificação profissional para ser dona de casa. Temos cursos para cozinheira de restaurantes, lavandeira de lavanderias e esperamos que as empresas do ramo contratem profissionais com cursos específicos. Mas na hora de nos casarmos, de construirmos a nossa família, não exigimos que o cônjuge tenha cursos sobre como economizar água nas lavadoras domésticas, energia ao passar roupa e que saiba utilizar sobras de comida. Não exigimos que tenha aprendido a cozinhar, conservar roupas e alimentos, preparar alimentos específicos para algumas dietas. Em alguns casos quem fica para cuidar da casa é o menos qualificado. As pessoas contratadas para cuidar da nossa casa são as menos preparadas por serem as mais baratas. Algumas mulheres quando começam preparar o enxoval se afastam da escola como se não precisassem de mais informação.
 Parece que cuidar de filhos não seja coisa tão séria para algumas pessoas que planejam constituir família. Contratamos pessoas com boa experiência e cursos para cuidar de bezerros, mas para cuidar de filhos, não.
O que temos visto é que para o homem, ao se candidatar para o matrimônio, espera-se que esteja trabalhando ou se preparando adequadamente para isso. Para a mulher, que normalmente vai cuidar da casa, não há essa exigência. Não há nem mesmo a exigência de que tenha feito algum curso sobre educação de crianças.
Conversava, casualmente, com um amigo sobre as creches. Ele revelou a sua admiração pelo trabalho que ali é realizado, pelo cuidado que as mulheres que trabalham nas creches têm para com as crianças. Seu filho é atendido em uma delas e ele já esteve lá várias vezes para ver como funciona.  A diferença que percebeu no seu filho desde que começou a ser atendido é significativa. Houve progresso rápido na fala, na autonomia e na coordenação motora.
Algumas pessoas defendem ardentemente que as crianças devam ficar com as mães nos primeiros anos de vida. A mãe é a melhor professora, dizem elas, porque educa com amor e carinho. Elas não dizem nada sobre as mães que não receberam e não recebem carinho. Mulheres que são frutos de uma família sem afeto, marcada pela agressividade, que se não receberem preparo e atenção dificilmente educarão com carinho. Mulheres que se tornam mães de filhos gerados por pais agressivos são impacientes. Quem não está bem consigo mesmo dificilmente tratará o outro com carinho.
Além desses senões há ações que necessitam ser executadas por profissionais para adquirir maior eficiência. A saúde é um bom exemplo. Quanto mais especializado o profissional melhor no resultado esperado no tratamento e os riscos de erros diminuem. Por que a educação deve continuar nas mãos de leigos?  Além de profissionalizar a educação das crianças é necessário profissionalizar a missão de mãe.

Nova Andradina, 08/09/2013.
Antonio Sales              profesales@hotmail.com