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domingo, 27 de abril de 2014

ALMAS SALVAS E MENTES CATIVAS

 As igrejas estão ávidas, investem recursos humanos e financeiros, para ganhar almas. Muitos programas televisivos têm essa finalidade, muitos sermões destacam a necessidade da membresia conduzir almas a Cristo e muitos pastores se dizem comissionados por Deus para esse trabalho.
A ceifa de que falou Jesus aos discípulos, após conversar com a mulher Samaritana ((Jo 4:35), significa para essa liderança de mente fechada apenas conduzir pessoas ao batismo. E batizar é apenas fazer prosélitos, engrossar as fileiras da igreja e, por extensão, “salvar almas”. Na realidade, o “salvar almas”, muitas vezes, aparece no discurso apenas para mascarar a verdadeira intenção que é aumentar o número de membros e garantir a manutenção financeira do trabalho. Existe interesse político e financeiro em jogo, embora muitas igrejas não saibam usar esse poder. Algumas fazem "bom" uso dele, mas muitas, não. Muitas são como o boi "amansado" que desconhece o poder que tem. Ele trabalha arduamente sob o jugo em troca de mais trabalho e, muitas vezes, nem do açougue é protegido. Muitas igreja procedem dessa forma porque nem sequer se mobilizam para influenciar na política preparando os seus membros  para essa empreitada.
O que me preocupa é que as igrejas que se dizem preocupadas em salvas almas, nada fazem para salvas as mentes dos seus membros. "Salvam" a alma e aprisionam a mente. Aprisionam a mente porque direcionam a leitura a um único gênero, "censuram" com adjetivos depreciadores outras fontes de informação, limitam a liberdade de expressão dos que ousam pensar fora dos parâmetros estipulados pela instituição e consideram que a única atividade digna de um cristão é dedicar-se a “ganhar almas”.
As artes são desestimuladas porque, segundo eles, são expressões de um pensamento mundano, secular, incrédulo. O artista, por ser livre, incomoda e o seu trabalho é recebido com adjetivos depreciadores. O estudo da filosofia é visto como perigoso e há certo endeusamento da área da saúde como forma de dizer que o corpo vale mais do que a mente; que a saúde física, isto é, a ausência de dor é preferível aos conflitos existenciais que se instalam na mente do estudioso de outras áreas. Corpo são e mente cativa eis a receita para formar um bom boi de carga, puxador de arados e carretas.
Dessa forma, não há estímulo ao crescimento intelectual, isto é, não há preocupação com a salvação da mente. O tornar-se pessoa não é estimulado, apenas o tornar-se ovelha. A submissão à orientação externa é estimulada e a capacidade de orientar-se fica prejudicada.
Não há estímulo aos relacionamentos humanos onde a amizade é o foco principal e o respeito ao outro onde as suas ideias, seu modo de ser, estão presentes. Preferem o heterônomo ao autônomo, o cativo ao livre. “Salvam” a alma e aprisionam a mente.
Antonio Sales
Campo Grande, 06 de abril de 2014


domingo, 13 de abril de 2014

O JOVEM RICO: UMA LIÇÃO A SER APRENDIDA

O relato sintético dos evangelhos nem sempre permite vislumbrar o contexto onde os diálogos e os milagres aconteceram. Alguns relatos são interpretados sob diversas perspectivas e é numa delas que faço a leitura do relato do encontro de Jesus com o Jovem Rico ( Mt  19:16-22)
O texto discorre sobre o encontro de Jesus com um jovem que herdou ou construiu uma grande fortuna e estava incomodado com alguma coisa relacionada com essa fortuna ou com a forma como se relacionava com ela. Não sabemos ao certo o que lhe incomodava, mas podemos conjecturar. Levanto aqui algumas hipóteses:
Primeira hipótese: a riqueza foi obtida ilicitamente, por ele ou por seu genitor, e ver o sofrimento ao redor o incomodava. Conviver com as pessoas prejudicadas por ele lhe trazia incômodo;
Segunda hipótese: a riqueza era legítima, mas as pessoas o olhavam como tendo explorado. Olhavam-no como sendo dono de uma riqueza que não lhe pertencia e sabemos que, por vezes, boatos incomodam tanto quanto os fatos. Ele precisa de algum apoio de alguém e foi buscar em Jesus, o Mestre Popular.
Terceira hipótese: a riqueza era legítima e não havia boatos, mas havia o incomodo de não ter sido ele o produtor dos bens. Há pessoas que se incomodam com fato de herdar uma fortuna e não saber o que fazer com elas.
De qualquer forma ele necessitava de aprovação interior e exterior. Era uma pessoa sensível às opiniões e buscava convencer-se de que tudo o que possuía era legítimo. Precisava sentir que tudo estava bem com ele. Para conseguir isso ele mergulhou de corpo e alma no cumprimento dos preceitos religiosos, seguindo rigorosamente o ritual que lhe era recomendado. No entanto, como era de esperar, o ritual religioso em si mesmo é vazio. Ele não preenche o vazio de nenhuma alma aflita. 
O jovem permaneceu inseguro e buscou a aprovação de Jesus. O medo de perder a vida eterna, isto é, de que a falta de aprovação humana resulta em perda de vida eterna, e até mesmo do prazer de viver esta vida, levou-o a procurar essa aprovação por parte do Mestre que reunia multidões. Ao perguntar sobre o que devia fazer para ser bom, isto é, para herdar a vida plena, ele queria, na realidade, saber o que fazer para sentir-se bem, para ser aceito. Ele queria ouvir alguém dizendo que estava bem.
Jesus ironizou mandando-o fazer o que já fazia. O mestre sabia que a recomendação de guardar os mandamentos não supriria o que faltava ao jovem e queria apenas que ele confessasse a insuficiência do legalismo. Queria ouvi-lo dizer que o ritual não produzia resultados. Outros precisavam saber disso e precisavam ouvir da boca de quem experimentou o fracasso do ritual religioso para suprir as necessidades humanas.
Esse episódio faz lembrar a anedota de um palhaço que fazia a todos sorrir, mas era profundamente triste. Ao procurar um terapeuta, que nada sabia a seu respeito, este o recomendou que assistisse a um espetáculo de tal palhaço e desfrutasse de boas gargalhadas provocadas por ele. O sujeito, ao ouvir a recomendação, entristeceu-se mais ainda e disse: “a sua recomendação indica que o meu caso é sem esperança porque aquele palhaço sou eu”.
Quando Jesus recomendou ao jovem que guardasse os mandamentos este pensou: não resolve porque isso eu já tenho feito sem resultados. Jesus usou então uma metáfora ao recomendar que vendesse todos os bens  e desse aos pobres. A mensagem do mestre foi: despoje-se de todas as ideias preconcebidas, abandone o apego ao legalismo, desça do pedestal de uma pessoa que quer ser apreciada por todos e assuma a vida que eu levo. O problema do jovem não era a riqueza, era como ele se sentia.
A vida de Jesus era sem pretensão de aprovação por parte dos homens, sem apego ao cumprimento da lei como forma de agradar a quem quer que seja, desprovida de apego a elogios, bajulações ou qualquer coisa que equivalha. 
Essa é a grande lição a ser aprendida: viva de modo correto sem esperar aprovação de quem quer que seja. 
Antonio Sales

Nova Andradina, 22 de fevereiro de 2014.