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sábado, 30 de agosto de 2014

AS IGREJAS TÊM INIMIGOS OU INIMIZADES?




Hoje troquei "dois dedos de prosa" com um psiquiatra evangélico. Iniciei a conversa falando sobre a atual condição humana, suas dores difusas, suas incertezas, seu estresse provocado pela falta de tempo para "manipular" e "digerir" tanta informação.  Ele discorreu rapidamente sobre diagnósticos e terapias praticados  atualmente. Citou o modelo americano de diagnóstico e terapia que vem exercendo influência no mundo psiquiátrico. Falou sobre problemas comportamentais presentes na sociedade, que são provocados por uma educação doméstica mal conduzida, e que tornam o sujeito inapto para a vida social.
Falou ainda sobre os dilemas pessoais, familiares e "religiosos" existentes na atualidade e  destacou um fato que ainda não tinha me dado conta. A sociedade americana se mantém unida graças aos inimigos. Quando o patriotismo começa a arrefecer e as discórdias internam se tornam uma ameaça, aparece um inimigo (pessoa, sistema ou coisa) que os une novamente em defesa da pátria ou do sistema americano.  Temos como exemplos recentes: Kadafi, bin Laden, Sadan Hussein, Vietnã, Talibã, al-Qaeda, etc.
São inimigos reais do sistema americano, da democracia, enfim do estilo de vida ocidental.  Inimigos que precisam ser combatidos e a sociedade americana se une para combatê-los.
A essas alturas intervi dizendo que as igrejas também criam inimigos para unir os seus membros, mas ele corrigiu: não temos inimigos, criamos inimizades.
Inimigo é uma pessoa, uma coisa ou um sistema que ameaça ( a saúde, a nossa família, a pátria, a nossa crença, a propriedade, a economia, etc.) o nosso bem-estar, a nossa  segurança.
As igrejas no Brasil não têm inimigos, por isso elegem inimizades. Atualmente o  catolicismo já não é mais uma ameaça aos evangélicos, mas ainda é atacado por esses como forma de dizer que os seu membros fizeram um boa escolha em migrar para a nova religião. O espiritismo, em todas as suas formas de culto, em nada impede a propagação do evangelho ou a expansão do cristianismo. No entanto, recebe ataques severos por parte de pregadores evangélicos. Não são inimigos, são inimizades que criamos.
Em algumas igrejas tradicionais, a moda é demonizada como um inimigo fatal. O que se observa, porém, é que a moda continua a sua marcha, a igreja prossegue com o seu culto e a família mantém o seu ritmo. Isto é, um não interfere no outro, mas o ataque persiste em comunidades mais carentes intelectualmente. Os ignorantes e os que se sentem incapazes de lidar com as diferenças, continuam atacando a moda, o "mundo", a ciência, a música, etc.
As inimizades unem os evangélicos de uma certa denominação. Unem-se para combater esses "inimigos", dragões hipotéticos, que ameaçam a "existência" (isto é, o estado de ignorância) das igrejas. Abrir os olhos para enxergar a não existência de perigo, é admitir ter aprendido e vivido uma falsidade e isso é doloroso.
Mas o psiquiatra concluiu a sua fala dizendo que o que realmente vem mantendo unido os membros de uma igreja são dois sentimentos: o medo e o sentimento de culpa.
 O sentimento de culpa carrega em si um pouco de amor e um pouco de ódio. O amor leva-os a dedicarem um pouco  de atenção ao outro e o ódio, por sua vez, produz um novo sentimento de culpa e com isso o ciclo é alimentado e a união se mantém.
O outro sentimento, que os une, é o medo. Medo dos inimigos fictícios fabricados pelos pregadores. Inimigos que, por serem simples inimizades, não podem ser atacados diretamente, não podem ser denunciados ao Estado ou acionados judicialmente, portanto, imbatíveis e que continuarão  a alimentar o medo. É dessa forma que nos unimos, é dessa forma que a igreja se mantém, é dessa forma que continuamos participando dos cultos e próximos uns dos outros.
Antonio Sales                             profesales@hotmail.com
Campo Grande, 30 de agosto de 2014.

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

ORAR PELA PAZ



Hoje, enquanto trabalhava, ouvia um programa televisivo. Não sei o nome do
Programa e também não me preocupei em identificar a emissora. Ouvia um grupo de religiosos conversando com jovens e falando sobre a paz. Um deles disse que o líder deles havia recomendado que rezassem pela paz do mundo.
Enquanto me perguntava se a guerra e a opressão se resolvem com oração ele explicou que não estava falando das guerras, mas da paz interior. Nova pergunta brotou em minha mente: como resolver o problema da falta de paz interior dos outros pela oração?
Vou tentar resolver as minhas questões. Se não entendi o que ele disse vou, pelo menos, tentar explicar o que me inquietou em cada momento da sua fala.
Embora a palavra guerra já traz em si o potencial de me causar calafrios e torcer para eliminada do vocabulário humano, tenho que admitir que ela, por vezes, é necessária. Hanah Arendt, uma respeitada socióloga, afirmou que uma guerra nem sempre é declarada com o desejo de matar ou de oprimir, mas de conter uma opressão ou fazer cessar uma matança. Pode ser um tratamento de choque em um opressor que vem provocando prejuízos incalculáveis em uma população. Uma rebeldia pode ser necessária para deter a marcha de um ditador cruel. Muitas vidas podem ser ceifadas para que outros, que vierem depois tenham paz. Sei que é triste pensar assim, sei que nos causa mal-estar essa condição humana, mas sei também que isso já é suficiente para nos convencer que a oração não tem poder de fazer cessar as guerras.
Se pudesse fazer cessar a guerra, poderia ter evitado que a guerra fosse desencadeada ou se tornasse necessária .  Para fazer cessar uma guerra é preciso fazer algo mais do que orar, rezar, implorar. Na realidade, nem sei dizer tudo o que deve ser feito nesses casos, mas sei que orar é pouco demais. Orar é delegar a Deus o que nos cabe fazer. Pode nos levar a cruzar os braços e deixar que o outro sofra enquanto dormimos de consciência tranquila. É certo que não podemos resolver os problemas do mundo, mas podemos criar consciência nos que sofrem e motivá-los a lutar pelos seus direitos.
E sobre a paz interior? Como é conseguida?
A paz interior é resultado do perdão, da liberdade interior, da infusão da graça na sua vida. Não se tem paz sentindo culpa por não ter conseguido ajudar o outro, por não ter acertado nas tentativas de fazer o bem ou por não ter conseguido evangelizar. Por outro lado, a paz dos braços cruzados pode anestesiar a consciência moral, amordaçar a voz dos que poderiam clamar em favor do outro.
Quando a paz interior provém da liberdade, do alívio do sentimento de culpa, da consciência do dever cumprido, da aceitação das próprias limitações, então a pessoa faz mais do que orar. Ela faz o que o meu amigo Genival Mota faz: cria o projeto de vida para ajudar jovens a construir o seu próprio currículo. Faz como o professor Marcos: cria o projeto sonhar para tirar jovens o mundo das drogas. Faz como o meu amigo Arnaldo Rodrigues e outros que coordenam os grupos de amor exigente.
Orar é bom é deve e ser cultivado, mas é pouco.
Antonio Sales                              profesales@ hotmail.com
Nova Andradina, 18 de agosto de 2014.

domingo, 17 de agosto de 2014

O QUANTO DEUS ME AMA?

A dupla de cantores evangélicos tradicionais entoava o hino: “oh!, se soubesses o quanto te  ama, o buscarias com fervor [...] ”. A música ouvida há décadas ainda soa em meus ouvidos. A beleza da melodia e a harmonia das vozes estão gravadas em minha memória auditiva.
Ainda este ano fui a uma igreja neopentecostal acompanhando parentes. Fui como observador, aprendiz e parente. O tema da noite foi oportuno. O pregador  tomou por base a cura de um paralítico (Mc 2:1-12) e a certa altura pronunciou a frase “quanto o Senhor me ama”. Lembrei-me da música e comecei a pensar: quanto o Senhor me ama? É possível dimensionar e avaliar o amor de Deus por mim?
 Quando paro para pensar na dimensão do amor de Deus por mim tenho dificuldades para extrapolar as minhas necessidades e valor próprio. Quando pergunto a mim mesmo “quanto Deus me ama?” posso responder conforme o meu valor próprio:
me ama muito, me ama pouco ou não me ama. Se penso que é impossível alguém me amar, penso que Ele não me ama ou ama pouco. Se minha autoestima está baixa, sinto-me desprezado por Ele, indigno do Seu amor. Sinto a finitude do Seu amor muito próxima.
O jovem desprovido de autoestima chegou ao CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social) de uma cidade para ser socializado por mau comportamento. Foi direto ao ponto: “meu pai me abandonou quando eu era pequeno. Minha mãe me colocou num abrigo e lá me chamavam desdenhosamente de preto. Sou um sujeito não amável, ninguém me quer, sou desprezível”.
Imagino que se um dos técnicos do CREAS tivesse se arriscado a aconselhá-lo a busca uma igreja ele teria dito: “para que quê? Deus não me ama!”.
Penso que é assim que funciona. Quando estou com a autoestima baixa então penso: “Deus não me ama. Ninguém ama alguém sem valor como eu”.
Por outro lado se estou bem, sinto-me digno do Seu amor e proclamo a magnitude infinita da Sua capacidade de amar. Uma pessoa com autoestima boa sente-se valorizado pelos familiares e, consequentemente, amado por Deus.
Quando tenho boa autoestima, mas estou passando por momentos difíceis de ordem externa sinto que tenho valor próprio, mas com necessidades. Nesse caso, o Seu amor tem a dimensão das minhas necessidades e respondo: “Ele me ama tanto quanto eu necessito de amor”.
Em momentos assim vejo Nele o ressuscitador de sonhos, Aquele que me tira para fora do sepulcro que me detém por muitos dias no torpor da morte. Se não quero sair então Ele me mantém no sepulcro.
 Para que sair? Pergunto. Tenho algo a oferecer, minha ressurreição trará benefícios a quem?
Naquela noite o pregador afirmou também que quando alguém quer ou necessita ele se submete a qualquer tipo de desconforto (Mc 2:1-12), acredita no que lhe dizem, aceita as propostas, cumpre as ordens. Foi o caso de paralítico. Ele tinha amor-próprio e acreditou que o pregador itinerante se incomodaria com ele. Apesar de doente ele tinha autoestima boa.
Há momentos na vida que nos tornamos iguais aos ídolos (Sl 115: 8) que têm olhos, mas não veem. Por vezes necessitamos ser carregados (Mc 2), que alguém   dê  voltas e busque subterfúgios para nos trazer de volta. Quando estamos carregados de pensamentos de derrota, nos tornamos surdos aos apelos do amor e cegos às suas manifestações.
É possível ver a nossa fé, em Deus  e em nós mesmos, pelas atitudes, é possível saber o quanto aceitamos o amor de Deus pelo nosso discurso a respeito de nós mesmos, disse o pregador.
Nesse dia também aprendi que o religioso deixa o doente, doente e o pecador com seus pecados porque ele quer que as pessoas fiquem perto dele, não quer as pessoas livres. Jesus disse ao paralítico perdoados estão os  seus pecados e vai ( não fique para que não se contamine com os outros).
Tenho percebido que muitas igrejas procuram fazer com os membros se sintam sempre culpados como forma de mantê-los prisioneiros do sistema. A liberdade intelectual e a ausência de culpa dos adeptos não estão nos seus planos.  
Antonio Sales                                profesales@hotmail.com
Araranguá -SC,  julho de 2014.

 


domingo, 10 de agosto de 2014

CRER EM JESUS

No livro dos atos dos apóstolos (At 16:9-31) encontramos o relato de Paulo e Silas na prisão em Filipos. Naquela noite, mesmo estando prisioneiros e com os pés no tronco, resolveram cantar. Resolveram mostrar que eram superiores ao que se passava e proclamar as virtudes do Cristo ressurreto, isto é, a superioridade da vida cristã conforme preconizada pelo próprio Jesus. Uma vida que sobrepujava, em qualidade moral, àquela vivida pelos não-cristãos do seu tempo e contexto geográfico. Acreditavam que o evangelho tinha poder transformador e atuava no caráter das pessoas de modo a torná-las mais sóbrias, mais prudentes, tolerantes, respeitosas e conscientes da sua condição.
Naquela noite eles cantaram. Cantaram esses valores com tanto entusiasmo que o céu se moveu em favor deles. Receberam apoio do alto para solidificar a divulgação das qualidades morais que defendiam. Houve um terremoto e eles foram soltos. O mais importante, porém,  é que também o carcereiro foi libertado. Naquela noite ele creu em Jesus. 
Mas o que significa crer em Jesus?
Penso que crer significa primeiramente confiar no que Ele disse. Confiar que os Seus ensinamentos são aplicáveis à vida. Essa confiança abrirá a nossa mente para aceitar o Sua projeto de humanidade. Esse projeto inclui a não separação da vida em compartimentos separados como fazemos hoje. Separamos a vida espiritual da vida material. Uma é vivida na igreja e a outra no trabalho, na família, nos esportes e na escola. A vida espiritual é celestial, voltada para um futuro distante ou post-mortem (como se a vida fosse um projeto futuro, irrealizável agora) e a vida material que é a vida aqui e agora. A vida, nessa perspectiva, consiste num projeto de felicidade adiado, uma perene irrealização, um constante adiar das perspectivas.
A vida espiritual insiste na harmonia com a divindade, no sonho de uma transformação do presente estado de coisas ( falta de educação, mau caráter, uso de drogas) num passe de mágica, sem esforço próprio. A vida material consiste numa vida de pesares, sem realizações, sem chances de felicidade, um constante contratempo contra o qual não vale a pena lutar.
Dessa forma o cristão moderno passa a vida esperando viver e destinado a falhar porque adia as realizações. Esse viver dicotômico nos limita e infelicita porque vivemos uma contradição constante: amamos o mundo com as suas oportunidades, mas precisamos odiá-lo por ser o oposto de Deus; desfrutamos a vida, mas não podemos sentir prazer para não perder o interesse pelas coisas eternas; apreciamos ter amigos e estar com eles, mas não podemos nos apegar para que nos afastem das coisas celestiais.
Essa dicotomia não estava prevista no evangelho pregado por Paulo e Silas. Para eles as vidas espiritual e material se misturavam, estavam imbricadas de modo que o cristão viveria aqui e agora realizando, sonhando e novamente realizando, sendo feliz e buscando mais felicidade, amando e investindo no amor.
Como cidadão deveremos viver defendendo a praticando os valores morais defendidos na igreja e participar da igreja praticando a tolerância que aprendemos nos relacionamentos fora dela.
Antonio Sales           profesales@hotmail.com

Dourados, 10 de agosto de 2014.