Hoje ouvi de um pregador evangélico uma história
cujo objetivo era ensinar uma lição de perseverança e valor moral aos jovens.
Disse o palestrante que uma menina sonhava em ser
bailarina no teatro de Moscou que, segundo ele, é um dos mais importantes do
mundo. Durante anos ela acalentou o sonho e treinou arduamente. Quando chegou a
idade certa ela procurou o diretor do referido teatro para se candidatar e ser
submetida ao teste de admissão. Após o teste ouviu um retumbante "não"
do diretor. Segundo a avaliação do diretor ela não tinha habilidade e por isso
estava dispensada.
Voltando para casa ela amargou a decepção por vinte
longos anos, levando uma vida de frustração e sensação de fracasso.
Após esse tempo ela tomou coragem e foi assistir a
um espetáculo no teatro. E, lá chegando, encontrou o mesmo diretor coordenando
a peça e, tomando coragem, resolveu abordá-lo para falar da sua frustração e
saber porque agiu daquela forma com ela. A resposta não foi a que esperava e
nem foi melhor do que o primeiro não. A resposta foi: "falo não para todas
as candidatas que me procuram pela primeira vez. Somente aquelas que insistem
ouvem o sim e nunca antes da quarta vez".
O objetivo da estória, com já foi dito, era
estimular os jovens a nunca desistirem, mas, por outro lado, e no meu entender,
é um estímulo à estupidez no trato com o ser humano. Não basta perseverar,
lutar para conseguir, insistir até à quarta ou quinta vez, é preciso aprender
outras lições. Por exemplo:
1.
Deve-se tratar com delicadeza o ser
humano. Não se pode destruir as esperanças dos que são frágeis. É preciso
cuidado para "não esmagar a cana quebrada" como nos diz os evangelhos
e nem "apagar o pavio que fumega"(Mt 12:20). Isso significa que não
se deve desestimular os que necessitam de estímulo para prosseguir. Não se deve
abortar de forma tão brutal as expectativas de alguém.
A lição subjacente a essa história é: lute
incansavelmente por alcançar o que deseja e, uma vez alcançado o seu objetivo,
trate os outros com crueldade. Perpetue e propague a violência com que foi
tratado. Quanta estupidez numa única estória!
2. Deve-se pensar se vale a pena insistir tanto sem
ter um mínimo de esperança de que seja aceito um dia. Essa perseverança diante
da "escuridão" requer o desenvolvimento da inteligência intrapessoal
de que falou Goleman, o estudioso das inteligências múltiplas. Mas, requer
algo mais do que essa espécie de inteligência como veremos a seguir.
Quando se tem um tempo limitado, deve-se ainda
insistir no incerto?
Se o sonho que alguém cultiva é algo que extrapola o pessoal e que pode ser deixado à posteridade como, por exemplo, a restauração da democracia de um país, uma melhoria na qualidade na educação, etc., é uma coisa. A perseverança, nesses casos, se justifica mesmo diante de muitos obstáculos e da pouca expectativa de que seja alcançado durante a vida de uma pessoa. Por outro lado, se o sonho é algo pessoal e há idade limitada para usufruí-lo, essa ideia de perseverança deve ser revista. Pensemos, por exemplo, no caso de um jovem que deseja fazer carreira como jogador de futebol. Sabe-se que há um tempo limitado para isso e que são exigidas certas habilidades corporais que somente alguns jovens possuem. Imagine um jovem recebendo um não de dois ou três treinadores seguidos! Não será um aviso de que deve procurar outra carreira? Além disso, sabe-se que quanto mais tempo ele permanecer fora dos treinos, e quanto mais velho ficar, menores serão as suas chances. A perseverança se justifica nesses casos?
Se o sonho que alguém cultiva é algo que extrapola o pessoal e que pode ser deixado à posteridade como, por exemplo, a restauração da democracia de um país, uma melhoria na qualidade na educação, etc., é uma coisa. A perseverança, nesses casos, se justifica mesmo diante de muitos obstáculos e da pouca expectativa de que seja alcançado durante a vida de uma pessoa. Por outro lado, se o sonho é algo pessoal e há idade limitada para usufruí-lo, essa ideia de perseverança deve ser revista. Pensemos, por exemplo, no caso de um jovem que deseja fazer carreira como jogador de futebol. Sabe-se que há um tempo limitado para isso e que são exigidas certas habilidades corporais que somente alguns jovens possuem. Imagine um jovem recebendo um não de dois ou três treinadores seguidos! Não será um aviso de que deve procurar outra carreira? Além disso, sabe-se que quanto mais tempo ele permanecer fora dos treinos, e quanto mais velho ficar, menores serão as suas chances. A perseverança se justifica nesses casos?
3.
Não se pode considerar a vida como
algo tão simples de modo que um conjunto de regras de certo e errado deem conta
de resolver. As regras de faça isto ou aquilo funcionam bem para crianças e
animais domésticos. Portanto, simplesmente dizer para o jovem que deve
perseverar a qualquer custo pode não ser um bom conselho. Se o barco está indo
a pique o melhor que se pode fazer e saltar
dele.
Por vezes me pergunto: porque alguns pregadores,
que são parâmetros para os jovens, são tão insensatos em seus conselhos? Por
que insistem em conselhos que não são muito aplicáveis?
Penso que uma das razões é que, normalmente, Deus
não ouve as nossas orações com a frequência com que gostaríamos. Acontece algo
mais ainda. Acontece que Deus não se dá nem mesmo ao trabalho de justificar a
Sua atitude, o Seu absenteísmo e os pregadores insistem em afirmar que Deus
sempre ouve. Para não ficarem sem crédito arrumam alguns subterfúgios, para
explicar essa ausência de Deus, que parece não convencer muita gente. Como
alternativa para não desiludir muitos membros, pregam a perseverança a qualquer
custo. Nessa tentativa de defender a Deus ferem o princípio do respeito ao ser
humano, esmagam a vara que já está quebrada e apagam os últimos sinais de
fumaça do tição que insiste em manter acesa a chama da fé.
Procuram, com esses conselhos, sempre culpar o ser
humano, isto é, o indivíduo, pelos insucessos quando é sabido que há múltiplos
fatores que contribuem para o insucesso .de alguém, inclusive os caprichos
injustificáveis de um treinador ou a estupidez de um diretor de teatro.
Antonio Sales
Nova Andradina, 31 de
maio de 2014.