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quarta-feira, 30 de julho de 2014

O VAZIO INTELECTUAL


Recentemente uma leitora cobrou-me que produzisse mais textos. Fez a cobrança exatamente em um momento em que eu estava realmente produzindo pouco. Há momentos da vida em que nos sentimos vazios de ideias. Há, inclusive, alguns desses momentos que são mais do que simples momentos, são dias e semanas.
A fadiga laboral é uma causa desse vazio. Quando múltiplas tarefas precisam ser executadas em um curto espaço de tempo algumas ficam sem fazer. Não é verdade que sempre ficam para depois as tarefas menos importantes. Por vezes, são as que exigem mais de nós que deixamos para depois.
Outra possível causa é falta de ideias geradoras. Essas ideias surgem no contato humano, vendo a sua dor, ouvindo o seu clamor (mesmo que silencioso), perscrutando as suas perspectivas, tentando adivinhar o seu vazio e ouvindo os seus conselhos. Nos seus conselhos o homem expressa a sua filosofia de vida, sua visão de mundo e, por vezes, o vazio das suas ideias ou a ausência de compromisso com o futuro ou bem-estar do outro.
Quando estamos sobrecarregados de tarefas e com prazos exíguos perdemos o contato com o outro. Ser absorvido pelo trabalho não é saudável embora, muitas vezes, seja inevitável. Ser absorvido pelo trabalho causa o vazio intelectual, provoca pobreza de ideias geradoras e empobrece a produção.
Mas o trabalho também não é a única causa de fadiga ou de pobreza intelectual. O medo de se expor e a falta de reflexão sobre o sentido da existência igualmente empobrecem. Conviver com pessoas que exigem muito da gente e contribuem pouco ou nos valoriza pouco também estressa e produz estagnação intelectual. Os egoístas nos enfadam, os que exigem muita atenção nos sobrecarregam, os que lançam culpa sobre nós, ou nos amedrontam com estórias de teor supostamente moral, abafam as nossas ideias geradoras.
Gosto de conversar com gente livre, com pessoas livres-pensadoras, porque elas provocam, estimulam a reflexão.
Gosto dos evangelhos porque Jesus não era um prisioneiro de ideias pré-fabricadas, não era conduzido por crenças, não aceitava ficar repetindo o que disseram. Ele sentia-se livre para discordar, para fazer novas proposições, para desafiar os homens e a si mesmo. Gosto de Paulo por ele ser livre. Libertou-se do judaísmo e não se escravizou pelo cristianismo dos gálatas (Gl 1:8-10) ou pela fragilidade ideológica de Pedro (Gl 2:11). Suas cartas mostram a fertilidade das suas ideias e a sua liberdade para expressá-las.
Gosto de escrever na esperança de que meus textos provoquem ideias, estimulem a busca pela superação do medo intelectual e se tornem produtores de reflexão. É por essa razão que me angustio quando caio em um "buraco" intelectual porque perco o contato com os meus leitores. Fico em dívida para com eles.
Certo dia encontrei uma colega no pátio de universidade. Ela fazia o seu doutorado em linguística e se aproximou de mim perguntando: "você já se sentiu alguma vez sem ideias?” Em seguida explicou: estou em crise porque preciso terminar a minha tese e parece que minha cabeça ficou vazia, você já se sentiu assim?".
Já, respondi-lhe. Também já passei meses sem produzir nada, sentindo-me como um árido deserto no campo das ideias. Mas, tenha animo colega, porque a "chuva" cairá nesse deserto novamente você voltará a produzir novamente. A fertilidade voltará, garanti-lhe. Ela me agradeceu e saiu. Poucos dias depois me procurou toda feliz para dizer que estava fértil novamente.
É sempre uma alegria quando nos tornamos férteis, quando as ideias fluem.


Antonio Sales

Entre Nova Andradina e Dourados, 28 de julho de 2014.



sábado, 5 de julho de 2014

O PAI DO PRÓDIGO



Nossa sociedade é patriarcal. Há passos em direção a um realinhamento, um equilíbrio de forças entre homem e mulher na administração da família, mas, até o momento, há uma predominância de ênfase no sistema patriarcal.
Nesse caso, a palavra pai está carregada de certos simbolismos como: firmeza, proteção, bom exemplo, provisão, entre outros que fazem referência à coragem, trabalho, gerenciamento, equilíbrio, etc. Por outro lado, amor, carinho, cuidado, estão ligados à figura da mãe, como se fossem virtudes que não exigem coragem, atitude, etc.
Penso que é mais difícil amar do que prover, é mais difícil ser carinhoso do que disciplinador, que é preciso mais coragem para estar ao lado do filho em momentos difíceis (depressão, rebeldia, doença, etc.) do que trabalhar e providenciar sustento. É nesse contexto que desejo falar sobre o pai do jovem pródigo de que fala a Bíblia (Lc 15).
O jovem não suportando a pressão do irmão mais velho, não tolerando mais a sua intromissão em seus planos pessoais, desejando por um fim no abuso de autoridade e querendo distância da hipocrisia que reinava na fazenda, onde o seu irmão mais velho era tido como o herói, resolveu partir.
Ele supôs que longe da ingerência do irmão seria mais fácil administrar os seus bens. Partindo desse pressuposto ele pediu a sua parte na herança e saiu. Associou-se a amigos pouco confiáveis e enveredou pelo caminho da ruína. Suponho que não tenha gastado todo o seu dinheiro com farras, embora, essa possa ter consumido parte do sua herança. Penso que o fracasso foi a falta de habilidade em negociar, a inexperiência no mundo dos negócios.
Ainda hoje há muitos que se aventuram por esse campo de trabalho e voltam de mãos vazias. Há uma cilada em cada profissão que dificulta a vida dos que não têm preparo para exercê-la. Toda profissão tem suas entranhas amargas, seus riscos.
Mas, e o seu pai onde entra nessa história toda?
Dizem os pregadores, ao analisar essa parábola, que o pai ficou olhando o filho partir e aguardando ansioso pela sua volta. Suponho que faz algum sentido essa visão do pai e que foi essa a intenção de Jesus ao narrar essa história: falar do amor de Deus. Porém, que olhar era esse? Que despedida foi aquela?
Foi uma despedida cheia de graça, onde um pai com muito amor para dar ao filho olhava-o desejando sucesso em sua empreitada e certo de que um dia  voltaria rico para juntos comemorarem a aventura? Foi um olhar de esperança, de doçura, de orgulho em ver o filho partir para iniciar a sua própria carreira?
Foi uma despedida amarga, onde o pai com o coração ferido desejava que o filho “quebrasse a cara” o mais breve possível para poder “lançar-lhe” em rosto os conselhos não seguidos? Foi um olhar de amargura, faiscante de ódio, que lançava maldição a cada passo do filho?
Será que o filho teve coragem de acenar para o pai alguma vez? Será que se recusou em olhar para trás temendo encontrar as faíscas do olhar do pai? Será que não olhou para trás por sentir que estava traindo a confiança do progenitor e não queria se arriscar a magoá-lo? Será que olhou e, ao se deparar com uma expressão de bondade no olhar do pai ou com um carinhoso aceno de mão, teve vontade de voltar? O que aconteceu não sabemos porque não sabemos o clima da despedida, não sabemos a intensidade  do abraço que recebeu ao sair.
Será que foi uma despedida regada a esperança, repleta de tolerância, de apoio, de sábios conselhos ou regada a amargura, desilusão, maldições não expressas, desejo de não se verem mais?
Não conhecendo o contexto familiar fica difícil definir a partida, mas é possível conjecturar que o pai não olhava todos os dias para ver se o filho voltaria. Esse procedimento indicaria uma aposta no fracasso do jovem, uma maldição velada lançada sobre ele. Quem está bem demora voltar, embora, mande recados sempre. Volta logo quem vem em busca de socorro e suponho que o pai não queria isso. Suponho que o pai sonhava que o filho voltaria com uma caravana de camelos e servos para trazer boas notícias, anunciar o seu casamento, falar da compra de uma nova fazenda, etc.
O olhar do pai para estrada não era em busca de um maltrapilho, mas de reconhecimento e controle da situação. Como administrador precisava ter um olhar atento ao que se passava ao redor.
O ver o filho maltrapilho o surpreendeu, mas, ao mesmo, tempo o comoveu e aqui está a chave para entender o momento da despedida. Um olhar de rancor na despedida não o teria preparado para acolher o jovem com um abraço. Um olhar diário para a estrada, desesperado de que o filho voltasse e ansioso de que chegasse mendigando, não o teria preparado para perdoar sem antes dizer palavras de reprovação.
Ele deve ter dito: “eu não esperava isso, mas não estranho que tenha acontecido porque a vida nos prega peças. Seja bem vindo, filho, a sua experiência vai torná-lo mais útil à nossa fazendo que fora antes”.
Este é o pai que imagino e que, suponho,  estava no pensamento de Jesus.
Antonio Sales
Campo Grande, 05 de julho de 2014.