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sábado, 31 de março de 2012

SARA E HAGAR



A teóloga Jo Ann Davidson(*) ao abordar o tema do amor romântico na Bíblia  cita o caso de Abraão e Sara  como um exemplo de romantismo e dá a entender que  Hagar foi a única intrusa na vida do casal. No capítulo  “Histórias de  amor” faz referência a esse relacionamento.
Em suas palavras: “A Bíblia abrange uma grande extensão da história. No entanto, ela dedica tempo para retratar alguns romances. Havia uma ligação forte, carinhosa entre Abraão e Sara. Ele não a abandonou durante seus longos anos de esterilidade. Na verdade, foi somente pela insistência de Sara que Abraão tomou Hagar como esposa substituta. Os laços de amor entre Abraão e Sara eram fortes (leia Gn 16)”.
Porém, quando lemos a história de Abraão vemos que ele teve concubinas (Gn 25:6) antes e depois de  Sara falecer. Por ser um costume da época Sara não deve ter se incomodado com isso. Possivelmente as combinas tenham aceitado a condição de serem apenas mais uma na vida de um homem rico e nunca tivessem vindo à tenda de Sara reclamar da ausência de Abraão. Elas fingiam que não sabiam que ele era casado, onde morava até que tivessem caso com ele e Sara fingia não saber que elas existiam. Era assim na época e assim foi feito. Um contrato implícito entre Abraão, Sara e as concubinas, referendado pela prática social, parece ter funcionado a contento. Pelo menos não há registro de algum vexame público, algum incidente religioso ou alguma cobrança severa relacionada a isso.
Com Hagar aconteceu diferente. Moça bonita, jovem sonhadora, determinada, com pretendente, provavelmente  trabalhasse na tenda de Sara. Esta querendo ter um filho e precisando de uma “barriga de aluguel” procurou uma jovem que tivesse boa aparência, saúde e determinação, para ser a mãe do “seu filho”. Sara queria um “filho” saudável, ousado, trabalhador e Hagar, talvez, representasse a esperança de ser a “barriga” ideal.
A jovem não foi consultada e, não tendo para onde fugir, “aceitou” com uma condição (oculta em seu coração): se tivesse o filho seria a dona da casa. Seria a sua vingança pela humilhação a que estava sendo submetida. Satisfaria os caprichos de Abraão e Sara, mas cobraria por isso.
O filho veio e ela assumiu o comando da casa. Começou exigir atenção, respeito e escravo(a) à disposição.
Sara percebeu o equívoco e desejou girar os ponteiros do relógio no sentido contrário, mas era tarde. Desejou retroceder no tempo, mas o ato estava praticado, a criança conquistara o espaço e o comando já estava nas mãos de Hagar. Era tarde.
Sara desejava livrar-se dela, mas não tinha poder de barganha. Faltava-lhe a moeda de troca das mulheres daquela época: os filhos.
Abraão estava agora como um fantoche entre duas mulheres infelizes: uma que mandava para se vingar e outra que resmungava a triste sorte escolhida por ela própria.
Quando Isaque nasceu, Sara planejou a vingança e iniciou a retomada do comando da casa. Abraão continuou entre as mesmas duas mulheres infelizes: uma, Hagar, sentindo-se traída e em perigo, portanto, resmungando a sua “mala suerte” e  a outra mostrando a sua força. Os polos haviam se invertido, mas o problema era o mesmo para o velho patriarca.
O resultado todos o conhece. Hagar que não fugiu enquanto jovem teve que fugir depois com o filho. Menos mal para ela, pois agora tinha um homem que poderia se casar com a filha de algum outro fazendeiro e dar abrigo à mãe. No entanto, a sua juventude fora ceifada e seu sonho de um lar ficara para sempre arruinado. Vejo em Abraão um títere que não tomou posição em nenhum momento nesse drama todo. Deixou o tempo correr, as coisas acontecerem e as mulheres brigarem entre si. Ele foi incapaz de dizer não para Sara, para Hagar e para si mesmo.
Pior ainda. Às vezes, ele se parece com um patife que procura se livrar de uma dívida contra o mais fraco apenas rasgando a nota promissória e jogando-a no lixo. Não foi isso que ele fez com Hagar e Ismael? Tinha um dívida para com eles, tinha lhes feito uma promessa e agora apenas  “rasgou  a nota promissória” e rasgou-a ( nota(Ismael) e a credora (Hagar)) e jogou-a no lixo.
Os teólogos deveriam nos explicar o significado desse drama todo no plano da salvação. Gostaria que fizessem isso. Sinto falta desse esclarecimento.
A mim cabe apenas levantar algumas questões. Não sou teólogo, sou pensador.
Questões:
Quando Sara propôs a Abraão que se achegasse a Hagar estava colocando-o diante de um dilema ético ou de um problema moral? Por quê?
Quando Sara propôs a Abraão que Hagar deveria ser expulsa da casa estava colocando-o diante de um dilema ético ou de um problema moral? Por quê?
Por que Deus escolheu Abraão como pai da fé, apesar disso tudo?
Hagar esteve quase o tempo todo diante de um dilema ético. Sara, diante de um problema moral. E Abraão?
Nova Andradina, 25 de março de 2012.     
Antonio Sales                                                profesales@hotmail.com
Referência
(*) DAVIDSON, Jo Ann. Romances bíblicos.  In: DAVIDSON, Jo Ann. Vislumbres do Nosso Deus.  Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2012.

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