Talvez o
leitor já tenha observado na prática a nossa afirmação de que lides do lar
ainda não é profissão embora se possa registrá-la em documentos e até mesmo ter
carteira assinada como doméstica.
Para mim,
profissionalização exige conhecimento técnico, científico ou, pelo menos, uma
teorização sobre aquele fazer.
Ao que me
parece a ciência já chegou aos hospitais,
à construção civil, ao planejamento urbano, aos tribunais e a tantos outros
lugares e instituições, mas ainda não chegou na cozinha. Ainda não chegou em
casa, à educação familiar. Não há uma teorização sobre como educar filhos (tem
como ensinar filhos dos outros na escola), como cuidar de uma família (tem como
administrar uma empresa), como preparar uma alimentação balanceada (tem para
restaurantes, hospitais, etc.) ou como enfrentar os dilemas éticos da
convivência familiar.
Se
houvesse essa teorização poderiam ser
oferecidos cursos regulares para noivos, para casais, para mães, para pais, para gestantes, para domésticas e para babás.
Uma teoria não resolve os problemas emergentes, mas prepara a pessoa para
pensar sobre eles, identificar suas causas, ter disposição para um diálogo,
analisar as proposições do outro, saber explicar-se, etc. Com um pouco de
teoria pode-se discutir estratégias, propor alternativas, identificar as falhas e pedir ajuda.
Alguns
relacionamentos se constituem numa fábrica de culpados porque tudo que se
consegue fazer é procurar uma desculpa para si e uma culpa para o outro. A
ênfase do relacionamento está no apontar erros, na busca de motivos para sentir-se
infeliz na companhia do outro. Na ausência de um pensar sobre a relação, de um
parâmetro sobre o que pode ser feito e que estabeleça limites éticos sobra espaço
para as agressões de qualquer natureza.
Escrevi
no texto anterior que os cursos de
preparação para o casamento e os encontros de casais seriam mais ricos se
abordassem temas como esses. Se tratassem francamente das escolhas, não de
cônjuge (como normalmente se faz), mas de função. Das implicações pessoais
dessas escolhas, da necessidade de um preparo especial para assumir as lides do
lar e do desgaste intelectual que disso decorre. Discutir também o
desgaste do relacionamento quando o
cônjuge tem quando assume a incumbência de sobreviver fora da caverna tendo que,
ao mesmo tempo, conviver com alguém dentro dela.
Por que é
mais importante enfatizar a escolha da função que cada um vai desempenhar
do que discutir a escolha do cônjuge? Porque a escolha do cônjuge, exceto nos namoros
prolongados e quando os namorados são vizinhos, se baseia na aparência. A aparência é a única parte
visível da pessoa enquanto o caráter, as
preferências e os vícios podem ser mascarados. A aparência é a face
exposta e o restante pode se basear em
promessas que nunca serão cumpridas e em dissimulações.
A função
que cada um vai desempenhar é algo pragmático, mensurável, mais difícil de
dissimular.
De igual
modo, a forma como cada um vai encarar
os dilemas, surgidos quando a “máscara” cair depois de algum tempo de convivência,
é mais importante do que se preparar para escolher o que não pode ser
escolhido.
Não se
escolhe o caráter para o outro.
Podemos
concluir que gastamos tempo escolhendo o que não está disponível para escolha e
não nos preparamos para as funções que nos caberão desempenhar como atividade
profissional ou como articulador no relacionamento.
Penso que,
no contexto atual, é mais importante saber o que fazer quando a máscara cair do
que saber escolher com quem vai se casar. Tenho a impressão de que pouca gente
conseguiu escolher a pessoa com quem se casou. Exceto na antiguidade, quando os
homens “moldavam” as mulheres com quem se casavam, todos nós nos casamos com
outra pessoa.
Nova
Andradina, 30 de abril de 2012
Antonio Sales profesales@hotmail.com
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