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sábado, 24 de março de 2012

HUMANIZAR O HOMEM: O QUE É ISSO?



Estava revisando um texto que havia escrito recentemente, em parceria com uma colega cujo nome não declino aqui por não ter solicitado a sua permissão, quando deparei com a frase: “Dessa forma, supúnhamos que estaríamos contribuindo para a humanização do professor”. A frase foi inspirada em  Paulo Freire e fiquei me perguntando: o que significa isso que escrevemos? O que é humanizar o homem?
Os meus leitores já sabem que gosto de exemplificar o que escrevo ainda que os exemplos sejam hipotéticos.
Fiquei pensando na possível experiência de uma garota  da primeira metade do século passado. Naquela época assuntos relacionados com a sexualidade eram tabus. Raramente uma mãe conversava tal assunto com a filha. Escondia-se até mesmo a gravidez da mãe e das vizinhas com a estória da cegonha. Fico imaginando quando aparecia, para essa menina, a menarca. Devia ficar assustada, supondo-se portadora de algum mal, alguma infecção ou ter se machucado sem saber. Somente após conversar com alguma colega mais experiente e saber que esse não era um problema particular, algo específico dela, mas um fenômeno físiológico de todas a mulheres, ela sentir-se-ia aliviada a até orgulhosa, talvez. Orgulhosa por ser parte legítima daquele grupo que tinha o mesmo fenótipo que ela.
A esse fenômeno social de sentir-se parte, isto é, perceber-se com as mesmas características do grupo (classe social,  gênero, espécie ou profissão) à qual pertence, chamo de humanização. Sentir-se humano é ter conciência de que certas  características (problemas, necessidades e privilégios) não são particularidades suas.  Elas pertencem a todos do mesmo grupo. Nesse caso, a conversa com a colega contribuiu para humanizar a garota.
Quando adolescente passei pelo processo de mudança de voz. Minhas irmãs zombavam de mim e comecei entrar em processo de isolamento. No dia em que meu pai se posicionou dizendo que aquele era um processo normal cessou a zombaria e  eu saí do isolamento. Senti-me normal, humanizei-me, senti-me homem como os outros. A fala do meu pai humanizou-me. Fiquei sabendo que eu não era uma “aberração da natureza” e que não sofria de nenhum mal.
Quando acontece um acidente trágico,  e algumas vidas são ceifadas, os familiares costumam dizer: “por que com o meu filho?”
É evidente quem em um momento como esse é melhor não dizer nada, mas se fosse para dizer eu diria: isso aconteceu com vocês porque vocês são humanos. A morte em um acidente trágico não é “privilégio” ou desgraça de uma família ou pessoa específica. Pode ser a “sorte” de qualquer um. Uma família humanizada, supostamente, teria outro tipo de lamento. Saberia que o seu filho não estava marcado para morrer daquela forma, o acidente não foi “feito” exclusivamente  para ele.
Suponho que essa introdução tenha contribuído para o entendimento da palavra humanizar neste contexto.
Pensemos agora no cidadão evangélico, no homem que pratica uma religião. Parece-me que muitos deles se sentem um ser à parte da especie humana. Não podem ousar para não fracassar quando todos sabem que fracasso não é “privilgéio” de ninguém. O problema não é fracassar, o problema é não ousar. O filho pródigo voltou para casa mais feliz do que o irmão que ficou.
Sentem-se vitimas exclusivas do mundo, os únicos marcados para serem perseguidos  e pensam que são o centro do mundo. Pensam que todos os olhares estão voltados para eles. O pastores, então, não podem ser questionados, são semideuses.
E os cantores então! Não ensaiam direito e quando erram foi o diabo que não quer que o louvor seja bom. É como se o diabo estivesse tão interesado nele que o perseguisse a cada momento.  O sujeito não trata bem a família, não se  prepara para ser esposo, esposa, pai ou mãe e quando a “casa começa cair” é o diabo.
Muitos não se dão conta que nem a igreja está interessada nele. Se ele faltar é possível que ninguém perceba, mas ele supõe que o diabo está com os olhos centrados nele. Um ser humano sabe que é possível passar despercebido por outros sem que haja maldade nisso. Não é elegante, mas é humano passar por alguém sem percebê-lo.
Errar é humano e se o cantor não pode errar então ele não é humano. Admitir que não ensaiou bem é humano, se o cantor não pode admitir isso então ele não é humano. Errar como membro de uma família é humano, buscar ajuda profissional para superar os conflitos familiares é humano.
Em meus textos neste blog tenho procurado mostar que temos problemas porque somos humanos, que temos incertezas porque somos humanos. Que nossas famílias têm problemas porque somos humanos. Que nossos jovens “caem”  porque são humanos e se levantam depois pela mesma razão. Que a igreja tem problema porque somos humanos. Que não é pecado ser humano porque nascemos assim.
Tenho procurado humanizar o cidadão evangélico, mostrando-lhe que todos enfrentam os mesmos problemas. As diferenças ficam por conta da intensidade e da forma de administrar tais problemas. A intensidade depende do contexto e do tempo.
Temos visto que a igreja enfrenta no seu minúsculo mundo os mesmos problemas que o mundo enfrenta em sua amplidão. A diferença é que o mundo admite ser humano e procura resolver os seus problemas enquanto a igreja, por se julgar composta por não-humanos, procura esconder  os seus problemas. A igreja só não está pior porque o mundo não está pior e nós nos beneficiamos dele.
Não estamos defendendo a permanência desse estado de coisas. O que pode melhorar deve ser melhorado. Devemos lutar por melhorias. Nossa proposta é apenas dizer: o cristão não é um ser sobre-humano e os líderes não são donos da verdade.
 Você, amigo, não é o único a enfrentar dificuldades. Não é o único a errar na prática religiosa. Não é o único a não ter estímulo para ler  o   Antigo Testamento. Não é o único a se equivocar na sua exposição da “Palavra”.
Você pode ser o úncio que não se assumiu ser humano porque humanizar-se é questão de consciência e também de escolha, portanto, você pode muito bém ser o único não humanizado, a não sentir-se parte da espécie humana.
Nova Andradina, 11 de fevereiro de 2012
Antonio Sales                             profesales@hotmail.com

2 comentários:

  1. Muito bom o seu texto com reflexões apropriadas. A humanização passa necessariamente pelo conhecimento; conhecimento aberto, não o conhecimento fechado num gueto; nem na prática do proselitismo.
    É preciso abrir-se para o autoconhecimento, o conhecimento do outro; penso que a leitura seguida de reflexão e troca de ideias se constitui numa possibilidade rica de humanizar-se.

    Genival Mota

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  2. Discursos memorizados e repetidos não humanizam, não é Genival? É preciso pensar para se tornar ser humano.

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