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domingo, 29 de julho de 2012

CONSERTANDO O MUNDO


É conhecida de alguns a estória do garoto que consertou o mundo consertando o homem.
Segundo a estória um homem estava ocupado em seu escritório quando seu filhinho entrou solicitando a sua atenção. Para distrair o garoto o pai tomou uma folha de revista, na qual estava estampado um mapa-mundi, rasgou-a em alguns pedaços e desafiou o garoto a juntar os pedaços do quebra-cabeças improvisado.
Pensava ele que o garoto demoraria muito tempo, mas ficou surpreso ao ver que o filho fizera a tarefa em tempo extremamente curto e sem conhecer geografia. Curioso, perguntou como conseguira e obteve a seguinte resposta: percebi que no outro lado da folha havia um homem, então consertei o homem e o mapa ficou pronto.
Moral da história: conserte o homem e o mundo será consertado.
Penso que há um equivoco nessa lição tirada de uma estória produzida para nos convencer de que o homem é o mal do mundo. Evidentemente que não se pode negar que o mundo é o que é em virtude do homem que ele habita. Aliás, existiria mundo sem o homem? Existiria para quem? Não é o homem que dá sentido ao mundo?
Outras questões que suponho relevantes: O mundo é somente mau? Não é também o homem que faz algo bom pelo mundo? Se "consertarmos" o homem acertaremos o que está  errado e estragaremos o que está dando certo ou acertaremos tudo? É possível um mundo onde tudo dá certo? Se acertarmos tudo o mundo será perfeito e teremos chegado ao fim da história?
Como, em alguns aspectos, homem e mundo se confundem é fácil para os simplistas concluírem que consertando o homem conserta-se o mundo.
O equivoco estar em supor que é possível consertar o homem.
Para consertar algo é preciso ter um padrão para comparar, ter um manual.
Pior do que isso: é impossível definir com clareza o que é bom ou mau. O bom para um é bom para todos? O bom nunca faz mal?  O certo é sempre desejável?
 Um exemplo simplista apenas para ilustrar as minhas três  questões anteriores:
Leite é bom para a saúde, mas, faz bem para todos? (o bom é sempre bom?)
Mentir é errado, mas, é sempre errado? Veja Êx 2:  o caso das parteiras de Faraó que mentiram para salvar Moisés ( o errado é sempre errado?)
Deus é bom, mas, segundo a história sagrada, mandou o dilúvio e destruiu o mundo. Destruir o mundo é fazer o bem ou fazer o mal? Para que Ele fez o bem? Para quem Ele fez o mal? Qual o problema que foi efetivamente resolvido?
Diante disso construo outras questões.
Para consertar o homem usaremos como padrão o que penso ser bom para o mundo ou o que o leitor supõe ser bom? Pergunte a uma criança o que é um mundo bom. Pergunte a um idoso puritano, a um agricultor simples, a um intelectual, etc. sobre o que é ser bom. Onde encontrar um modelo para aferir o reparo a ser feito no homem? Se o mundo é aferido pelo homem, quem será o aferidor do homem?
Deus, dirá alguém. Deus é o aferidor. Pergunto: Deus se propôs fazer a aferição quando desejarmos? Ele nos autorizou a abrir uma “oficina” de homens? Quem tem esse alvará?
Deus traçou algum manual  específico, detalhado sobre como deve ser o homem ou os parâmetros deixados por Ele são genéricos, excessivamente amplos?
Qual o critério específico que você encontra nas Sagradas Escrituras para julgar? A lei dos dez mandamentos satisfaz plenamente os critérios de julgamento? Se não tiro a vida física de ninguém, mas destruo emocionalmente a pessoa posso ser  julgado por essa lei? Se não adultero explicitamente, mas alimento pensamentos  impuros com as mulheres com as  quais me relaciono, em qual preceito dessa lei me enquadro? Quem poderá me julgar por isso?
Quem parte do pressuposto de que possível consertar o homem ignora os dilemas éticos da contemporaneidade (assunto para um próximo texto ).
Nova Casa Verde, MS, 18/04/2012
Antonio Sales  profeslaes@hotmail.com

sábado, 14 de julho de 2012

REJEITO AS MULHERES?



Tenho lido com muito prazer o Dr Paul Tournier, psiquiatra suíço. Seus livros tratam dos problemas da modernidade. O último que li fala da relação não muito tranquila entre homem e mulher. Ele, um intelectual demonstra profundo respeito  pelas mulheres e defende a causa delas. A certa altura do seu livro faz uma afirmação interessante: "creio que há no coração dos homens  um certo desprezo inconsciente pelas mulheres" (TOURNIER, 1988, p. 117).
Um pouco antes, como intelectual honesto, ele fez uma confissão  igualmente interessante. Narrou um incidente envolvendo ele e sua nora. Ela, uma artista plástica, participara de uma exposição de quadros e fora premiada. Ele havia recebido o convite e se programado para ir, mas, no dia se esqueceu de prestigiá-la. Ao apresentar o pedido de desculpas foi repreendido pela nora que se sentira desprestigiada suspeitando que era por ser mulher. Ao receber a reprimenda ele confessou: "assim sendo, o incidente  logo me impressionou como sendo uma revelação muito humilhante para mim: enquanto coloco toda  a minha sinceridade consciente na feitura deste livro, alimento, nas profundezas obscuras   de minha alma, um desprezo inconsciente pela mulher! E todo zelo com que afirmo aqui a igualdade fundamental  entre  a mulher e o homem, posso estar sustentando-o como uma compensação consciente para um desprezo inconsciente"(TOURNIER, 1988, p.116).
Admiro as pessoas honestas e o meu respeito pelo autor aumentou quando li essa frase. No entanto (talvez eu seja desonesto ou não tenha ainda tomado consciência do problema) penso que isso não acontece comigo.
Sempre respeitei as mulheres e muitas vezes tive mais consideração por elas do que pelos homens. Tinha profunda admiração pela minha mãe, respeitava-a profundamente e sempre me angustiava quando a via insatisfeita com o tratamento que recebia do meu pai. Que mulher de valor ela era! Infelizmente ela foi ceifada quando eu ainda era adolescente e meu sonho de um dia tornar público o meu reconhecimento evaporou. Esse plano frustrado fez-me sentir um devedor para com as mulheres. Esse sentimento trouxe-me algumas dores de cabeça e tive e que me retrair no trato com elas, mas meu respeito não diminuiu.
Ainda hoje valorizo muito os momentos que passo com a minha filha. Conversamos como dois amigos. Uma conversa madura. Muitas vezes ela me faz pensar seriamente no que foi dito. Por vezes ela me corrige e por vezes eu a corrijo. Já mudei minha postura algumas vezes em decorrência de uma conversa que tive com ela. Acato as suas ideias como se fôssemos da mesma idade quer estejamos  conversando sobre os dilemas da vida jovem, profissional, acadêmica, familiar  ou da vida na terceira idade. Quer falemos de mulheres, de religião, de filosofia, de alunos, de filhos, de educação ou de política, gosto de ouvir a sua opinião.
As mulheres me fascinam pela complexidade. Não consigo entendê-las.
Admiro-as pela capacidade de pensar rizomaticamente. Tenho dificuldade para entender a lógica delas, exceto as minhas alunas (durante as aulas e nas provas) porque eu as o obrigo a pensar linearmente.
Talvez um dia eu faça a mesma confissão do Dr Tournier, mas, por enquanto. suspeito que não as desprezo.

 Nova Andradina, 21 de maio de 2012.
Antonio Sales       profesales@hotmail.com
 
 TOURNIER, Paul.
A Missão da Mulher. São Paulo: Vértice;Revista dos Tribunais, 1988.