No capítulo 15 do evangelho
segundo Lucas encontramos uma parábola com o título “a ovelha perdida”. Com um
texto resumido o título se torna ambíguo. Ele não diz claramente se a ovelha se
perdeu voluntariamente, por se desviar do rebanho por “caprichos” individuais,
ou se foi perdida por descuido do pastor que não deu atenção a uma ovelha que,
por estar cansada, foi ficando para trás.
O leitor que tem uma
atração especial pelo trágico logo imagina uma ovelha escorregando, acidentalmente, despenhadeiro abaixo e
chegando ao fundo do “abismo” com arranhões quase irreparáveis. Esse leitor diz para si mesmo: viver é perigoso.
Um leitor moralista
imagina a ovelha se rebelando e caminhando, propositadamente, por terreno
perigoso até resvalar e cair no despenhadeiro tendo o mesmo fim daquela que
caiu acidentalmente, porém com profunda carga de culpa. Esse leitor pensa no filho
ou nalgum jovem conhecido e diz: está vendo o que acontece com quem se desvia
do caminho? É isso que aguarda quem se perde: dor, muita dor. Talvez até pense
no câncer, na AIDS ou no fogo do inferno e com um riso diabólico diz: ele vai
ver.
No primeiro caso a
ovelha bale pedindo socorro físico, clamando por resgate e cura para os seu arranhões. No segundo caso
a ovelha clama, primeiramente, por
perdão. Ela “remoe” um misto de dor física e moral e, nesse caso, os arranhões
doem menos do que a culpa.
Os pintores retratam essa imagem de uma ovelha
no abismo, sem discutir as causas. São pintores com gosto pelo trágico. Querem
enfatizar o amor de Jesus ou os perigos do afastamento?
Mas, a ovelha perdida
pode não ter caído no abismo. Pode ter apenas ficado para trás. O texto não diz
que ela estava ferida, ou irreparavelmente ferida. Estava em perigo, sem
dúvida, porque animais ferozes percorriam os campos noturnamente em busca de uma
preza e uma ovelha é um animal frágil. É como uma criança no trânsito de uma
grande cidade.
Lendo, porém, o
contexto encontramos informações que nos ajudam a imaginar um quadro um pouco
diferente. Os versículos primeiro e segundo do mesmo capítulo trazem a informação de que a discussão era
sobre o fato de Jesus receber pecadores e comer com eles. Isto é, pelo fato de o
Mestre dar atenção aos perdidos.
Se pararmos a leitura
por aqui concluímos que a parábola foi
contada com a finalidade de dizer que os perdidos devem ser procurados, não
importa a causa do desvio. Jesus estava dizendo que devemos sempre socorrer o ser
humano e colocá-lo fora de perigo, pô-lo em condições de tomar novas decisões.
É uma mensagem de aposta no ser humano. Parece que essa mensagem não é percebida
pela maioria dos leitores.
Se continuarmos a leitura
nos deparamos com a frase: “Digo-vos, que assim haverá
alegria no céu, por um pecador que se arrepende, mais do que por noventa e nove
justos que não necessitam de arrependimento” (Lc 15:7).
Esta frase é chocante, contraditória com os princípios da moral, se a
moral for entendida como sinônimo de conservação. Não é, porém, contraditória
com os princípios da ética, porque esta está relacionada com a transformação.
Para transformar é preciso
arriscar, ousar, sair da rotina. A ovelha imaginada por Jesus, ao que parece,
foi uma ousada. Eu não diria que ela foi
maldosa, que se arriscou para provocar dor no pastor. Entendo que ela foi ousada
porque resolveu tomar tempo para saborear calmamente os pastos da região, observar os pássaros, olhar
as flores e com isso distraiu-se e ficou para trás. Quando se deu conta clamou
por socorro, mas não estava, necessariamente, ferida e nem havia, forçosamente,
caído no abismo. Estava desamparada, temerosa
e precisava de amparo, mas não de castigo.
Tinha do que se
arrepender porque a aventura dera trabalho para alguém, mas Jesus elogia-a por
ter saído da rotina. A mensagem de Jesus aos fariseus parece ser: não tenho
prazer no formalismo cego, o céu está cansado de cristãos que apenas repetem o
que aprenderam. O céu não festeja a apatia, o medo e o dogmatismo. O céu almeja
ver cristãos ousados que se arriscam a sair da rotina para fazer o que muitos
outros não fazem.
Não pode se jogar no
abismo propositadamente. O céu é contra a rebeldia ( Ap 12). Não pode errar com
o propósito de ferir alguém, mas ele tolera e até aplaude os que erram na busca
de novos caminhos, novas formas de agir, novo jeito de se relacionar ou um novo
trabalho.
A parábola não foi
contada para amedrontar, mas para dar esperança e incentivo à ousadia.
Campo Grande, 27 de
dezembro de 2012-12-27
Antonio Sales profesales@hotmail.com