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sexta-feira, 30 de maio de 2014

O NOVO MANDAMENTO

O apóstolo Paulo escrevendo aos gálatas (Gl 6:2) os orienta a praticarem a ajuda mútua como um requisito para o cumprimento da “lei de Cristo”.
Em outra oportunidade ele escreveu aos coríntios falando da sua experiência na pregação do evangelho. Ele diz que se fez como judeu para os judeus, para ganhar os judeus; para os que estão debaixo da lei, como se estivera debaixo da lei, para ganhar os que estão debaixo da lei; para os que estão sem lei, como se estivera sem lei (não estando sem lei para com Deus, mas debaixo da lei de Cristo), para ganhar os que estão sem lei” (1Co 9:21).
O termo “lei de Cristo” traz  certo constrangimento aos legalistas. Dizem eles que é a mesma lei de Deus (os Dez Mandamentos) temendo que se for aceita a possibilidade de que haja outra lei, a lei de Cristo, as pessoas irão abandonar os Dez Mandamentos. Paulo não teme essa possibilidade e diz abertamente que os judeus que se apegaram aos Dez Mandamentos estavam debaixo da lei, estavam sob o jugo, eram escravos.
De fato. A lei dos Dez Mandamentos, sem diminuir a sua importância, é a lei da escravidão, é a lei que se aplica ao perverso, ao lascivo, ao moralmente fraco,  ao que age de forma correta somente quando vigiado ou ameaçado por alguma lei que o proíba de seguir os instintos animalescos. Dizer a um homem minimamente civilizado e em plano domínio das suas faculdades morais que ele não deve matar, não deve insultar, não deve extorquir, não deve explorar sexualmente, é insultá-lo. Essas recomendações se aplicam ao ignorante, ao estúpido, ao desprovido de bom senso.
Um cristão de verdade não pode estar submisso a essa lei do “não”. Cristo o estimulou a superar a justiça farisaica (Mt 5:20) e agir de forma moralmente livre, constrangido apenas pela atuação da graça divina em sua vida.
É nesse sentido que Paulo fala em “lei de Cristo”. Disse que estava “debaixo da lei de Cristo”, isto é, seguindo o “novo mandamento” (Jo 13: 34) deixado por Jesus.
Esse novo mandamento não é uma extensão do velho e tampouco é uma figura de linguagem. Jesus não estava brincando de “faz de conta” ao pronunciar essa frase: “um novo mandamento vos dou”. Ele falava de um novo mandamento que deve reger o novo homem que foi afetado pela graça.
Ele disse: “Se me amardes, guardareis os meus mandamentos” (Jo 14:15),  “Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor; do mesmo modo que eu tenho guardado os mandamentos de meu Pai, e permaneço no seu amor”(Jo 15:10) e ao dizer isso não estava se referindo aos Dez Mandamentos e nem dizendo que eram mandamento de amor. Os Dez Mandamentos são ordens majoritariamente negativas, mas são ordens. São oito decretos proibitivos e dois afirmativos, mas são decretos, e amar não se decreta. Ser misericordioso não se consegue por decreto. Ser moralmente justo, ser bondoso e ser cortês são atributos humanos que não podem resultar de um decreto, mas  de uma transformação de vida.
Era disso que Jesus estava falando. Era sobre vidas transformadas que Ele e Paulo discursavam.
No entender deles um cristão que precisa ser lembrado que não deve matar, adulterar, mentir, etc., não é cristão. Cristão é aquele que tendo superado essa fase de necessitar ser vigiado avança na prática de uma  vida solidária e respeitosa. Para esses o novo mandamento. Um mandamento que não contém cláusulas proibitivas, mas apenas orientações sobre como agir para que o relacionamento humano seja mais saudável possível.
 O novo mandamento é um apelo aos sentimentos de solidariedade, é a  liberdade para agir em favor do outro, é o gosto apurado pelo que é bom, é a graça norteando a vida.
O novo mandamento é: deixe a graça te guiar.
Antonio Sales
Nova Andradina, 30 de maio de 2014.


sábado, 10 de maio de 2014

OS LIMITES DE DEUS

           Escrevi recentemente sobre esse tema. Falei dos problemas com nota fiscal e com localização que teríamos se Ele resolvesse presentear-me com um carro ou um terreno. Percebi que alguns leitores  ficaram incomodados. Compreendo  perfeitamente essa reação porque aprendemos que nada se pode dizer sobre Deus que lance alguma dúvida sobre o Seu poder ou qualquer um dos Seus atributos. Causa-nos desconforto pensar em um Deus que tenha limitações.
Em respeito a esses leitores sensíveis retomo a conversa com ilustrações que suponho esclareça o meu ponto de vista.
Começo ilustrando com o caso de um pai hipotético. Trata-se de um homem que pratica halterofilismo e já acumula algumas vitórias em campeonatos. Ao nascer  o seu filho, com tamanho normal entre três e  quatro quilogramas , é uma criança pequena e extremante frágil para  o potencial muscular do pai. Ninguém duvida que esse halterofilista tenha potencial para brincar com a criança jogando-a para cima um ou dois metros e depois apara-la.
 No entanto, por se tratar de uma pessoa equilibrada e pai amoroso é fácil supor que isso nem sequer lhe passará pela cabeça. O mal que a brincadeira causará à criança inibe prontamente a ação do pai ainda que ele seja desafiado por algum oponente.
Dizemos então que o halterofilista tem potencial muscular para isso, mas que como ser humano e, especialmente, como pai  ele jamais o fará. Sua limitação não é muscular, é moral, é sentimental. Sua limitação é imposta pela fragilidade da criança.
É dessa forma que imagino Deus. Ele tem potencial para fazer o que desejar, mas tem limitações morais tendo em vista a fragilidade humana. Suas limitações  são as limitações da felicidade humana.
Se o que lhe é pedido for benéfico ao ser humano, mas lhe trouxedificuldades de outra ordem  com as que levantei  no texto anterior,  Ele,  certamente,  estará limitado em Suas ações.
Antonio Sales
Campo Grande,  9 de maio de 2014

sábado, 3 de maio de 2014

AS LIMITAÇÕES DE DEUS



Como cristãos somos orientados a pensar em Deus como Aquele que pode todas as coisas, um Ser para o qual não há obstáculos. Teoricamente parece que devemos pensar mesmo assim, pois, do contrário, Ele seria um Deus impotente, um Deus despreparado para as emergências surgidas na gestão do universo.  Na prática, porém,  parece que temos problemas com essa crença. Dizendo em outras palavras: Deus tem potencial para resolver todos os problemas, porém, tem limitações para transformar esse potencial em ato.
Parece estranho afirmar que o “Deus Potência” é um e o “Deus Atuante” é outro, mas creio que essa é a realidade. É sobre essa  dicotomia que discorrerei a seguir através de questões para o leitor pensar.
Meu neto havia pedido, como presente de aniversário de 7 anos, uma motocicleta aos pais e recebeu a resposta  de que o valor da mesma estava além das posses da família embora se tratasse, evidentemente, de uma motocicleta infantil. Embora a família morasse numa região de fronteira onde esses produtos podem ser comprados por um preço menor ele ainda ficaria um pouco acima das posses.
Naquele final de semana, como de costume, ele foi à igreja  onde as professoras lhe contaram histórias infantis  de intervenções divinas  na vida humana e de respostas às orações. Não sei exatamente o que lhe disseram embora estivesse de visita à sua casa, mas sei o que ele entendeu: Deus atende a todas as orações.
Na volta para casa avisou os pais de que no dia seguinte teria a sua sonhada motocicleta uma vez que orara a Deus e este lhe traria, naquela noite, o seu presente. Minha filha ficou perplexa. Como lidaria com a frustração do filho em relação a Deus, à oração, etc. quando no dia seguinte não recebesse a sua motocicleta? Que explicação lhe daria?
Queria que o pai, com a sua experiência de sexagenário, salvasse a ela e ao filho dessa frustração trazendo uma explicação plausível para o absenteísmo da divindade.
O pai percebeu que o problema não era o neto que, provavelmente, no dia seguinte já tivesse se envolvido com outra coisa e se esquecido do presente. O problema era a filha. A sua fé estava vacilante e ela precisava de apoio e recebeu o apoio.
A conversa foi muito produtiva e girou em torno do que Deus pode efetivamente realizar, ou melhor, do que Ele não pode fazer mesmo que nós partamos do pressuposto de que Ele seja todo-poderoso.
Começamos a nossa conversa de modo bem informal. Pensamos na hipótese de, como adultos, pedirmos um carro novo de presente para Deus. Partimos do pressuposto de que realmente estivéssemos necessitados e que Ele estivesse interessado em nos atender.
Nossa primeira pergunta foi: de qual concessionária Ele roubaria o carro para nos entregar? Ele, à noite, imprimiria uma nota fiscal em nome de qual emitente para que pudéssemos legalizar o carro no DETRAN? Se imprimisse a nota em nome Dele, como emitente, o DETRAN aceitaria?  Quem pagaria os impostos para o governo? Como essa concessionária contabilizaria o carro desaparecido?
Partindo do pressuposto menos traumático de que Ele não precisasse roubar o carro, e que Ele mesmo o “fabricasse”  com apenas a frase “haja um carro”, o problema da nota fiscal permaneceria.  Como justificaríamos perante  os órgãos fiscalizadores que o carro apareceu  em nossa casa? Quem acreditaria nessa história e o regularizaria  sem antes proceder a uma investigação que demoraria anos e nos daria muita “dor de cabeça”? Esse carro teria peças de reposição ou nunca estragaria, seria eterno?  Se tivesse peças de reposição, de qual marca seria? Se Ele optasse por uma marca e tudo desse certo, no que diz respeito à regularização, Ele seria garoto propaganda da referida marca.  Nesse caso, estaria sendo justo para com os outros fabricantes?
O problema ficou ainda mais complexo  quando conjecturamos a possibilidade de solicitarmos um terreno, ainda que pequeno, para construímos uma casa para alguém muito necessitado.  Supondo ainda que, por ser uma necessidade real e uma causa nobre, Ele se prontificasse em nos conceder o pedido.  As perguntas que surgiram em seguida foram: de quem tomaria o terreno? Como o terreno seria regularizado? Se Ele optasse por criar um terreno novo onde o situaria  de modo que ainda fosse útil para a pessoa necessitada? O terreno não poderia ficar suspenso no ar, ainda que Deus tenha potencial para fazer isso, pois, como a pessoa teria acesso a ele?
 Vamos supor que Ele optasse pela forma mais simples, isto é, nos dar o dinheiro para comprar  terreno. Esse dinheiro chegaria às nossas mãos através de um envelope que cairia em nossa caixa de correio, porém, em moeda de qual país?  Em moeda do Brasil, diríamos, mas de qual banco sairia esse dinheiro?  Ele nos mandaria em moedas falsas fabricadas na casa da moeda do céu?
Aparentemente este é o problema mais simples de resolver.  Ele poderia nos mandar o valor em  metal precioso. Como não entendo de compra e venda de pedras ou metais preciosos suponho que aí estaria o caminho menos complexo para resolver o impasse. No entanto, a produto teria que vir em quantidades pequenas de modo que não levantasse suspeita ou não implicasse uma prestação de contas à Receita Federal. Talvez devêssemos formar um grupo para que o valor fosse particionado de modo a não despertar suspeita sobre a sua origem. Com explicaríamos a origem do  produto?
Como podemos ver nada é tão simples, nem mesmo para Deus. Uma cura é mais simples porque não implica em prestação de contas, impostos, legalização, etc. A ressurreição já trará problemas se ocorrer após o registro do óbito. Como provar para o judiciário que o médico não errou no atestado, que a morte não foi uma simulação para receber seguros e que o morto realmente está vivo?
Mesmo diante da complexidade levantada penso que contribui para que pensemos melhor no que pedimos a Deus e também que sejamos capazes de entender porque Ele nem sempre responde.
Fica ainda pergunta: Deus realmente pode tudo? Em quais circunstâncias?
Antonio Sales
Nova Andradina, 27 de abril  de 2014.