Como cristãos somos
orientados a pensar em Deus como Aquele que pode todas as coisas, um Ser para o
qual não há obstáculos. Teoricamente parece que devemos pensar mesmo assim,
pois, do contrário, Ele seria um Deus impotente, um Deus despreparado para as
emergências surgidas na gestão do universo.
Na prática, porém, parece que
temos problemas com essa crença. Dizendo em outras palavras: Deus tem potencial
para resolver todos os problemas, porém, tem limitações para transformar esse
potencial em ato.
Parece estranho afirmar
que o “Deus Potência” é um e o “Deus Atuante” é outro, mas creio que essa é a
realidade. É sobre essa dicotomia que
discorrerei a seguir através de questões para o leitor pensar.
Meu neto havia pedido, como
presente de aniversário de 7 anos, uma motocicleta aos pais e recebeu a
resposta de que o valor da mesma estava
além das posses da família embora se tratasse, evidentemente, de uma
motocicleta infantil. Embora a família morasse numa região de fronteira onde
esses produtos podem ser comprados por um preço menor ele ainda ficaria um
pouco acima das posses.
Naquele final de
semana, como de costume, ele foi à igreja
onde as professoras lhe contaram histórias infantis de intervenções divinas na vida humana e de respostas às orações. Não
sei exatamente o que lhe disseram embora estivesse de visita à sua casa, mas
sei o que ele entendeu: Deus atende a todas as orações.
Na volta para casa
avisou os pais de que no dia seguinte teria a sua sonhada motocicleta uma vez
que orara a Deus e este lhe traria, naquela noite, o seu presente. Minha filha
ficou perplexa. Como lidaria com a frustração do filho em relação a Deus, à
oração, etc. quando no dia seguinte não recebesse a sua motocicleta? Que
explicação lhe daria?
Queria que o pai, com a
sua experiência de sexagenário, salvasse a ela e ao filho dessa frustração
trazendo uma explicação plausível para o absenteísmo da divindade.
O pai percebeu que o
problema não era o neto que, provavelmente, no dia seguinte já tivesse se
envolvido com outra coisa e se esquecido do presente. O problema era a filha. A
sua fé estava vacilante e ela precisava de apoio e recebeu o apoio.
A conversa foi muito
produtiva e girou em torno do que Deus pode efetivamente realizar, ou melhor,
do que Ele não pode fazer mesmo que nós partamos do pressuposto de que Ele seja
todo-poderoso.
Começamos a nossa
conversa de modo bem informal. Pensamos na hipótese de, como adultos, pedirmos
um carro novo de presente para Deus. Partimos do pressuposto de que realmente
estivéssemos necessitados e que Ele estivesse interessado em nos atender.
Nossa primeira pergunta
foi: de qual concessionária Ele roubaria o carro para nos entregar? Ele, à
noite, imprimiria uma nota fiscal em nome de qual emitente para que pudéssemos
legalizar o carro no DETRAN? Se imprimisse a nota em nome Dele, como emitente,
o DETRAN aceitaria? Quem pagaria os
impostos para o governo? Como essa concessionária contabilizaria o carro
desaparecido?
Partindo do pressuposto
menos traumático de que Ele não precisasse roubar o carro, e que Ele mesmo o
“fabricasse” com apenas a frase “haja um
carro”, o problema da nota fiscal permaneceria. Como justificaríamos perante os órgãos fiscalizadores que o carro
apareceu em nossa casa? Quem acreditaria
nessa história e o regularizaria sem
antes proceder a uma investigação que demoraria anos e nos daria muita “dor de
cabeça”? Esse carro teria peças de reposição ou nunca estragaria, seria
eterno? Se tivesse peças de reposição,
de qual marca seria? Se Ele optasse por uma marca e tudo desse certo, no que
diz respeito à regularização, Ele seria garoto propaganda da referida
marca. Nesse caso, estaria sendo justo
para com os outros fabricantes?
O problema ficou ainda
mais complexo quando conjecturamos a
possibilidade de solicitarmos um terreno, ainda que pequeno, para construímos
uma casa para alguém muito necessitado.
Supondo ainda que, por ser uma necessidade real e uma causa nobre, Ele
se prontificasse em nos conceder o pedido.
As perguntas que surgiram em seguida foram: de quem tomaria o terreno?
Como o terreno seria regularizado? Se Ele optasse por criar um terreno novo
onde o situaria de modo que ainda fosse
útil para a pessoa necessitada? O terreno não poderia ficar suspenso no ar,
ainda que Deus tenha potencial para fazer isso, pois, como a pessoa teria
acesso a ele?
Vamos supor que Ele optasse pela forma mais
simples, isto é, nos dar o dinheiro para comprar terreno. Esse dinheiro chegaria às nossas mãos
através de um envelope que cairia em nossa caixa de correio, porém, em moeda de
qual país? Em moeda do Brasil, diríamos,
mas de qual banco sairia esse dinheiro?
Ele nos mandaria em moedas falsas fabricadas na casa da moeda do céu?
Aparentemente este é o
problema mais simples de resolver. Ele
poderia nos mandar o valor em metal
precioso. Como não entendo de compra e venda de pedras ou metais preciosos
suponho que aí estaria o caminho menos complexo para resolver o impasse. No
entanto, a produto teria que vir em quantidades pequenas de modo que não
levantasse suspeita ou não implicasse uma prestação de contas à Receita
Federal. Talvez devêssemos formar um grupo para que o valor fosse particionado
de modo a não despertar suspeita sobre a sua origem. Com explicaríamos a origem
do produto?
Como podemos ver nada é
tão simples, nem mesmo para Deus. Uma cura é mais simples porque não implica em
prestação de contas, impostos, legalização, etc. A ressurreição já trará
problemas se ocorrer após o registro do óbito. Como provar para o judiciário
que o médico não errou no atestado, que a morte não foi uma simulação para
receber seguros e que o morto realmente está vivo?
Mesmo diante da
complexidade levantada penso que contribui para que pensemos melhor no que
pedimos a Deus e também que sejamos capazes de entender porque Ele nem sempre
responde.
Fica ainda pergunta:
Deus realmente pode tudo? Em quais circunstâncias?
Antonio Sales
Nova Andradina, 27 de
abril de 2014.
Eu penso que se Deus achar necessário que ele tenha a moto, então, Ele proverá meios para que isso aconteça. Claro que a situação, a confiança da criança em achar que Deus realizará o desejo dele, implica de uma forma mais adequada de se explicar isso à ele.
ResponderExcluirMas no geral, não acho que se trate de uma "impotência" de Deus, mas sim, a velha questão, nem tudo que a gente quer, a gente pode!
Independente da nossa fé ou do poder de Deus, pq de fato, Ele é sim, muito poderoso!
Engravidou à Maria e providenciou meios para que isso não fosse "catastrófico" na vida dela e de José. Quero dizer que independente do pedido, se é da vontade de Deus, Ele vai providenciar meios. E é certo que todos devemos saber qe nem sempre aquilo que queremos ou desejamos, é o que de fato, necessitamos.
Muito obrigado por suas observações, amigo leitor.
ResponderExcluirNo caso de Maria e José envolvia ela e o marido e não, necessariamente, órgãos de regulação. É o caso de uma cura, por exemplo.
No caso de morte, atualmente, exige-se o atestado de óbito e no caso de ressurreição um novo registro de nascimento. Como registrar alguém que "nasce" adulto? Com o mesmo nome anterior? Como provar que esteve de fato morto e que não foi um truque?
Algo equivalente acontece com carros, etc. que necessitam ser registrados. A burocracia causaria dificuldades para a pessoa que foi beneficiada. É nesse caso que Deus fica limitado em atuar porque causaria mais transtornos do que benefícios a quem os recebe.
É por essa razão que afirmo que o Deus Potente não coincide com o Deus Atuante, isto é, Ele tem potencial para fazer, mas isso causaria mais transtornos ao beneficiário do que propriamente benefícios e, por essa razão, Deus não atua.
Nessa minha linha de raciocínio não se trata de eu merecer ou não aquilo que peço, mas das dificuldades burocráticas que ele me traria se fosse concedido.
Segundo os relatos nosso viver aqui é uma passagem, precisamos esperar o novo reino com toda a certeza.Para que assim teremos tudo que foi dito no texto e muito mais e sem burocracia. Creio que é isso que os pais e professores bíblicos precisam ensinar às crianças. Todas as dificuldades apresentada no texto e muitas outras é porque estamos nesse reino de pecado.
ResponderExcluirObrigado amigo, pela contribuição.
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