Na realidade é a crença
de que esse dia é mais importante do que o outros que me leva
a tratar desse assunto. Não tenho interesse em ser desrespeitoso para com que
tem essa crença, (eu mesmo já partilhei dela) quero apenas produzir reflexão
sobre o assunto. A mesma reflexão que fiz muitas vezes na minha vida sobre esse
assunto.
Sempre que faço esse
tipo de reflexão e partilho-a com o público fico temeroso de que alguém que tem
firme convicção, mas não está preparado para o embate, possa ter a sua fé
destruída e não é essa a minha intenção. Também temo que esse partilhar possa
acirrar os ânimos e eu possa ser interpretado como um inimigo da fé.
Nada disso está em
pauta aqui.
O dia a que me refiro é
o sábado. Já escrevi sobre ele algumas vezes e o leitor pode encontrar esses
textos nesse mesmo blog. Em cada oportunidade focalizei-o sob um aspecto
diferente. Hoje quero falar das oportunidades que ele nos rouba.
Muito pai de família
fica desempregado por meses a fio porque toda proposta de emprego que lhe aparece precisa trabalhar no
sábado e ele teme a maldição de Deus se o fizer. Sofre de dois modos, ou
melhor, sob duas formas de pressão. Por um lado está a sua família necessitando
do seu ganho e isso o faz sentir desamparado, frágil. Por outro lado há a
pressão da crença de que trabalhar nesse dia é falta de fé, é fraqueza. Tenho
pena desse pai de família.
Muito jovem cujo pai
não partilha de mesma fé, sente essa mesma pressão. Por um lado a família
esperando que ele seja inserido no mercado de trabalho e ele mesmo almejando
essa inserção, sabendo quanto mais tempo demorar mais difícil será essa
inserção, e por outro lado a pressão da crença de que trabalhar é falta de fé,
é fraqueza. É a pressão da “fé”.
Muitos não suportando a
pressão da necessidade de trabalhar cedem e depois podem acontecer duas coisas.
As duas foram presenciadas por mim em momentos e pessoas diferentes, evidentemente.
Uns sobrecarregam-se
com sentimento de culpa e sofrem com isso até que consigam uma condição mais
favorável em que possam voltar ao convívio dos que guardam o seu dia sagrado e
a partir de então se tornam fugidios, esguios, sentindo-se indignos de
participar ativamente das atividades da comunidade religiosa a qual pertencem.
Sua “fraqueza” o acompanhará para sempre.
Outros, de igual modo,
sobrecarregam-se com sentimento de culpa e sofrem com isso até que consigam uma
condição mais favorável em que possam voltar a convívio dos que guardam o seu
dia sagrado, mas a partir de então,
tornam -se “fervorosos”, ativos, como forma de recuperar o passado, e até
opressores daqueles que mostram fraqueza
diante de uma situação semelhante à que ele passou. Apelam fortemente para que
tenham a fé que lhes faltou.
Vejo algumas
contradições e fragilidades na instituição religiosa que os orienta. Uma delas
é que enfatizam a guarda desse dia, mas
esquecem de trabalhar com os jovens o empreendedorismo que lhe traria uma certa
autonomia econômica. Da mesma forma não trabalham diretamente valores necessários
à sobrevivência nesse mercado competitivo, bem como valores de relacionamento.
Esses jovens são orientados
a não trabalhar de motorista no dia sagrado, mas podem alugar um ônibus para
viajar no sábado para um evento. Não podem abrir o seu negócio de chaveiro
nesse dia, mas podem contratar um chaveiro para servi-los nesse dia, se
perderam a chave. Não podem abrir uma borracharia no sábado, mas podem
contratar um borracheiro se o pneu do seu carro furar.
Nisso vejo uma contradição.
Os jovens perdem aulas
e não são orientados ou estimulados a formar grupos de estudos para recuperar
esse conhecimento. Não aprendem o cooperativismo e o valor do conhecimento.
Quando perdem prova solicitam que os professores criem um horário extra para
atendê-los.
Curioso em tudo isso é
que as pessoas são tolerantes para com
esse povo, mas eles continuam considerando-se exclusivos filhos de Deus e que
os outros são mundanos.
Há muito a debater
sobre esse assunto, mas pretendo fazer uma pausa aqui. Concluo falando da minha
estranheza com relação à indiferença da instituição que prega a observância
rigorosa desse dia para com as dificuldades das pessoas diante dos desafios da
sobrevivência. Falta um debate sério e respeitoso sobre isso com os membros. A
proposta é não se limitar a dar receitas ou produzir culpas em que quem tem
dificuldades para operacionalizar as demandas da vida diante da exigência de guardar
o sábado, mas produzir autonomia moral para decidir em cada caso qual a melhor
solução.
A fé é necessária, mas
não pode ser irracional e nem cega diante das necessidades da vida.
Antonio Sales
Campo Grande,
20/04/2018