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domingo, 18 de novembro de 2012

DEUS TRABALHA COM CERTEZAS?



No trato com os seres humanos é difícil ter certezas. Tudo pode mudar no decorrer do processo. Desejos mudam, opiniões mudam, preferências mudam e sonhos mudam, logo, expectativas mudam e planejamentos mudam também.
Com seres inanimados é mais fácil ter certezas. No reino mineral as coisas são mais previsíveis. Algumas leis parecem ser eternas. Pelo menos duram muito tempo.
No mundo ideal da Matemática as verdades são eternas. Os postulados são criados e os sistemas, neles fundamentados, permanecem indefinidamente.
A partir dos vegetais as incertezas se tornam mais presentes. A genética muda, as doenças se fazem presentes e o envelhecimento pode ser acelerado. A substituição decorrente da morte de um espécime traz incertezas.
Mas, nem Deus pode ter certezas no trato com o ser humano? A Sua onisciência não Lhe dá essa prerrogativa de prever cada passo a ser dado pela criatura? Essa previsão não Lhe permite ter certezas?
Pensemos um pouco  sobre essas questões. Suponhamos que seja possível ter certezas no trato com o ser humano. Vamos supor também que um casal ao planejar ter um filho já pudesse ter certeza do seu caráter, do seu aspecto físico e dos problemas físicos que lhe sobrevirão. Vamos supor que ao planejar esse filho o casal soubesse que ele viveria pouquíssimo tempo feliz e o restante da vida com dores lancinantes sem encontrar recursos que pudessem aliviar a sua dor. Consideraríamos justo esse casal insistir em gerar esse filho? E se soubessem, de antemão, que o recurso para aliviar essa dor viria do sacrifico de outro ser humano seria justo ainda gerar esse filho?
Sabemos que todo ato de amor é um ato de risco. Sempre que fazemos algo, movidos pelo amor, sabemos que há a possibilidade de algo dar errado, de ocorrer incompreensões, prejuízos, etc.. Essa possibilidade de dar errado não pode ser maior do que a possibilidade de dar certo. Se o erro for mais provável do que o acerto, a insistência em fazer ainda é um ato de amor? Não seria uma irresponsabilidade?
Pensemos no caso da criação. Se ao criar o ser humano Deus já tivesse certeza que Adão e Eva comeriam da árvore da ciência do bem e do mal e que, em decorrência disso, viria a morte de Abel, um dilúvio universal, a escravidão no Egito, mortes e estupros de inocentes, etc., e os tivesse criado assim mesmo não estaria sendo irresponsável?
Voltemos às nossas questões. Deus ao criar Adão e Eva, com o livre arbítrio, estava, ou não, praticando um ato de amor?  Ele tinha certeza de que  cairiam em pecado ou apenas sabia da possibilidade dessa ocorrência?
As providências redentoras tomadas por Ele tinham por base a certeza do fato ou apenas a previsão da possibilidade?  O livre arbítrio traz em si a certeza do erro ou apenas a possibilidade de ocorrência?
Podemos supor (penso que sem medo de errar) que Deus sabia da possibilidade do pecado, mas sabia também que a possibilidade de não ocorrer era maior e por isso arriscou.
Todo ato de amor é um risco, mas não pode ser um risco com mais de 50% de possibilidade e muito menos um “risco” certo.
Se defendermos que Deus sabia que ia dar errado e ainda assim criou o ser humano não estaremos contrariando a nossa crença na Sua justiça?
Campo Grande, 27/10/2012.
Antonio Sales    profesales@hotmail.com

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

O BEM E O MAL- II




Como cristão aceito o credo evangélico de que o Bem é eterno e o Mal é contingente.  Concordo que devemos aceitar o Bem e rejeitar o Mal. O problema que não está claro para mim é até que ponto o mal é filho do Mal. Uma pessoa que faz um trabalho mal-feito não é, necessariamente, uma má pessoa, um mau caráter. O mal-feito pode ser apenas a imperícia de um aprendiz. Até que ponto um acidente fatal é produto do Mal? Não pode ser apenas um acidente, uma imperícia?
Penso que o mal que é produto do Mal é aquele que é resultante de um mau caráter.
Como creio no Evangelho de Jesus Cristo, isto é, na Boa Nova trazida por Ele, tento entender o problema à luz da graça e não das definições teológicas. A graça de Cristo, na minha perspectiva, tem poder “sedutor”. Ela nos “seduz” para a prática do bem embora não nos defenda dos dilemas éticos próprios de uma vida relacional que é conduzida pela reflexão sobre o que se faz.
Alguns definem o seu comportamento (digo melhor, julgam o comportamento dos outros) pelos dogmas. Esses não têm dilemas e, talvez, nem sentimento de compaixão. Outros definem o seu comportamento pelo comportamento do grupo ou da multidão. Também estes não têm dilemas e, talvez, nem autonomia para pensar.
Os que pensam sobre o que fazem se defrontam diariamente com dilemas onde o certo e o errado se misturam. Quando é certo proteger um animal e, ao mesmo tempo, é certo sacrificá-lo para alimentar um ser humano e evitar que este morra de inanição, o dilema se faz presente. Quando é certo oferecer o melhor em um culto de adoração a Deus e, ao mesmo tempo, é certo envolver pessoas inexperientes (que quase sempre erram) nessa adoração o dilema se evidencia.
Falo desse mal que não é gerado pelo Mal e penso que neste aspecto a tolerância tem lugar, o mal e o bem devem conviver lado a lado e se complementarem. Creio que nesta perspectiva o mal é o prelúdio do bem e ambos são filhos do Bem porque gerados pela mesma mensagem evangélica que prega o respeito, o bom senso e a compaixão.
A ideia de que todo mal é mau, de que toda pessoa que erra tem mau caráter é a causa de intolerância para com as pessoas. Esse é o problema de muitos relacionamentos, a causa de muitos discursos amedrontadores e de muitas bombas lançadas sobre inocentes.
Creio no cumprimento da promessa feita a Adão e Eva que Deus poria inimizade entre o seu descendente e as insinuações da serpente (Gn 3:15). Creio que a graça tem produzido vidas novas que não temos conseguido cultivar por termos ideias equivocadas sobre o plano de Deus. Ela tem produzido novos sentimentos que não temos conseguido alimentar por estarmos apegados a ideias preconcebidas.
O dogmatismo cega, o fundamentalismo degenera e agride, a graça renova e produz tolerância.
Por fim, creio que o mal (o que não é produzido pelo Mal) deve ser superado, mas não visto como um inimigo ao qual se declara uma guerra implacável. Deve ser superado porque é parte de um processo; é como o andar trôpego de uma criança que precisa ser aperfeiçoado ou como o ensaio de um aprendiz que caminha para profissionalização.
Logo, esse mal é um bem em estagio inicial de formação.
Por sua vez, o mal que é produzido pelo Mal, deve ser combatido porque o mau caráter deve mesmo ser detestado e corrigido com todas as nossas forças.
Antonio   Sales    profesales@hotmail.com
         Campo Grande, 14 de outubro de 2012.

sábado, 3 de novembro de 2012

O BEM E O MAL



Diferentes culturas têm diferentes visões sobre o bem e o mal. Para os chineses, por exemplo, o Yin  e o Yang (bem e mal) coexistem eternamente e, como os dois polos de uma bateria (positivo e negativo), se complementam.  São, portanto, conecessários evitando o desequilíbrio. Suponho que os chineses tenham maior facilidade para praticar a tolerância, para conviver com opiniões contrárias. É apenas uma suposição porque não conheço a cultura chinesa, não sou um estudioso da sua história e não tenho convivência com os chineses.
Para os cristãos, o bem e o mal são opostos que não se complementam. Eles se excluem mutuamente. São com a luz e a sombra. O Bem é  eterno, é a Luz, é Deus. O Mal é um inimigo, é o diabo, é a sombra, é passageiro e deve deixar de existir diante da luz. O bem deve ser cultivado e o mal, como um intruso, deve ser desarraigado, deve ser cortado pela raiz, expulso do universo e, consequentemente, das nossas relações. O Bem deve reinar soberano e o Mal deve ser hostilizado, temido.
Para nós, cristãos, cultivar o bem é honrar a Deus e aborrecer o mal significa contrapor-se ao inimigo de Deus, travar uma "guerra santa" contra os opositores do bem.
Herdamos essa visão do judaísmo e tenho a impressão de que ela predomina também no islamismo. Os cruéis  ataques ao Ocidente e os homens-bomba são produtos dessa visão. Quando algumas instituições ou pessoas nos parecem más, as hostilizamos.
Cristo pregou a tolerância. Certa vez os discípulos proibiram um homem de usar o nome de Cristo porque não era seu seguidor e Jesus não concordou com a proibição (Mc 9: 38). Quando os discípulos quiseram mandar fogo para consumir os samaritanos Jesus os reprovou dizendo que estavam confusos, que não sabiam a quem estavam servindo, que desconheciam o que deveria ser cultivado. É como se tivesse dito a eles que a tolerância era a ordem do seu reino (Lc 9: 31-36).
Alguns cristãos enfatizam tanto essa intromissão do mal que deixam a impressão de que acreditam que o Mal é mais poderoso do que Bem, que é o Mal quem controla os atos da maioria das pessoas. Para eles o Bem é bom, mas impotente. O bem, segundo apresentado por alguns líderes religiosos menos cultos, não  possui beleza ou poder de sedução. É o mal que cativa, que seduz, que impera e, finalmente, vence. Contraditório, não é mesmo?
A promessa feita a Adão e Eva, no Éden, de que haveria inimizade entre a descendência da mulher e as insinuações da "serpente"  foi apenas uma retórica divina? ( Gn 3: 15). A graça de Cristo não produz um tropismo positivo  pelo bem? A promessa não está sendo cumprida? Como se explica a repulsa que a sociedade tem pela corrupção e o desejo de justiça que impera no coração de quase todos?
Como conciliar visões tão opostas?  Isto é, como conciliar a ideia de tolerância com a ideia de repudiar o mal?
Penso que essa dificuldade explica as guerras que, ao longo da história, foram travadas em nome de Deus.  Penso que o medo que os cristãos têm do "mundo" se explica com base nessa contradição. Os conflitos que se apoderam de algumas pessoas quando cometem um erro, mesmo que circunstancial, também se explica por esse modo de ver o universo.
Mais algumas questões para provocar o leitor: todo erro tem origem no Mal?  Isto é, todo erro é sinônimo de maldade? O fato de existir a corrupção indica que todos nós somos corruptos? Estar alerta, vigilante (Mt 26:41) é o mesmo que duvidar que o bem exista e apostar na predominância do mal? Não significa apenas que há a possibilidade do mal se manifestar inesperadamente? Estar vigilante é descrer na possibilidade da vitória?
Mal e mal, Bem e bem, neste texto, têm grafias diferenciadas propositadamente. Estamos entendendo que existe bem e o Bem, mal e o Mal.
Ficam as questões.
Antonio Sales                                   profesales@hotmail.com
 Aeroporto de Congonhas, 14 de outubro de 2012.