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sábado, 9 de março de 2013

A FRAGILIDADE HUMANA




Há circunstâncias na vida que põem em destaque a nossa fragilidade. A morte é uma delas e talvez seja a mais comum. Há, no entanto, tantas outras que muitas vezes nem são pensadas. Pensemos em algumas delas.
O câncer, por exemplo, que ainda traz um “gosto” de maldição no próprio nome. É um nome que assusta e ainda desafia a ciência apesar dos avanços significativos nessa área.
O registro  bíblico do dilúvio universal é outro desses elementos  que nos expõem. Segundo o referido relato  a terra foi devastada sem que nenhum ser humano pudesse fazer algo por si mesmo ou uns pelos outros. Uns poucos sobreviveram,  mas os méritos científicos e tecnológicos não pertenciam a eles. Em tudo dependeram de Deus. Até mesmo para projetar a arca, para fechar a sua porta e para abri-la depois.
Talvez alguns méritos morais lhes fossem próprios, mas para por ai a questão da meritocracia. Todo o resto foi mérito de Deus. A teoria da graça divina e da  livre determinação divina põe em xeque a meritocracia no que diz respeito aos que sobreviveram ao dilúvio.
Penso que isso nos ensina algumas lições e a principal lição que nos deixou foi exatamente esta: em algumas circunstâncias, ou períodos da sua história, o ser humano vive mais intensamente a sua fragilidade. Sente a plenitude da sua impotência.
Guerras, pestes, regimes ditatoriais tem revelado isso. A própria dengue, em algumas regiões, menos cuidadas do país, tem se revelado um verdadeiro dilúvio para a população. Ela nos intimida e depois paralisa. A pessoa com dengue perde a força, perde o apetite, perde o estímulo e pode vir a óbito.
Ela nos deixa com as perguntas: e se todos forem atacados pela dengue, alguém sobreviverá? Nesse caso, quem cuidará de quem?
Se o poder público não agir, não planejar ações, não investir maciçamente, quem será o vencedor? Se derrotarmos a dengue de quem será o mérito?
Fico pensando se o poder publico, com essa pouca atenção que dedica ao problema  não quer mesmo nos humilhar, destacar  a nossa impotência, nos dizer que  quem manda faz quando quer.
Não creio que o mosquito tenha pensado nisso, ou se tornado intencionalmente nosso inimigo. Ele apenas revela a impotência humana (leia-se: do povo, dos governados) diante da fúria (ou melhor: descaso) dos deuses  que foram eleitos pelo próprio povo.
Além dessa epidemia, há outros dilúvios que assolam a humanidade, que neutralizam o seu poder de luta, que anulam a sua vontade de vencer, que abatem as suas crenças e esperanças.
A ditadura em alguns países tem revelado isso claramente.
No Iraque de Saddam Husseim isso ficou muito claro no relato de Asne (Hosna) Seierstad.
Tendo feito a cobertura da guerra como correspondentes de uma rádio norueguesa viveu em Bagdá, um pouco antes, durante e um  pouco depois da guerra.
No período do pós-guerra  ouviu depoimentos de pessoas que, num misto de consolo e desconsolo,  admitiram que odiavam o invasor, mas não podiam ignorar que este lhes trouxe o benefício de depor o tirano.
Um iraquiano declarou que:
"-O que mais me envergonha- confessa Walid, um homem de negócios - é que perdemos a coragem. Depois de 35 anos de repressão, nós viramos uns covardes. Devíamos nós mesmos ter deposto o ditador, não devíamos ter deixado os americanos - suspira. -Eu nunca fui preso, mas todos fomos torturados mentalmente pelo medo que impregnava tudo. Só podíamos sussurrar entre nós, e até isso era perigoso. " (SEIERSTAD,  2007, p. 381)
A ditadura é um dilúvio que a todos amedronta, que domina pelo medo e que acovarda para que ninguém se manifeste contra o poder.
Se acompanharmos atentamente pelos noticiários ou conversarmos com quem viveu ou vive nesse contexto veremos o quanto as pessoas perderam (perdem)a vontade de se manifestarem, como estão carente de uma força interior que as motiva   a ter vontade de lutar. Perderam a luta contra a opressão.
Os regimes ditatoriais expõem a fragilidade do povo, zombam da sua impotência, colocam os mandatários no lugar de Deus, abusam do poder.
Isso também se percebe em algumas religiões organizadas hierarquicamente.
 
Antonio Sales   profesales@hotmail.com
Nova Andradina, 07 de março de 2013

Referência
SEIERSTAD, Asne. 101 dias em Bagdá.4.ed. Rio de Janeiro: Record, 2007.

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