Todas as pessoas são
bonitas. Cada uma ao seu modo e ao modo
dos seus admiradores, evidentemente. No entanto, há pessoas que se impõem pela
aparência física: tem modo elegante de andar, rosto simétrico e
proporcionalidade na distribuição do corpo. Chamam a nossa atenção espontaneamente.
Os gregos diziam que há
uma beleza perfeita, isto é, uma beleza que agrada a todos os olhares. É uma
beleza que atrai olhares.
Os escultores gregos consideravam que uma estátua
estava perfeitamente constituída (bela) se a razão entre a medida do segmento
que determina altura do chão até o seu umbigo e a medida do segmento que
determina a altura da estátua for igual ao número de ouro (0, 618...). Da mesma
forma a razão entre o segmento que une o umbigo ao topo da cabeça e a medida do
segmento que determina altura do chão até o seu umbigo é 0,618... .
Essa mesma razão vale para o rosto. A razão entre a
altura do queixo até à linha dos olhos e a altura do queixo até o topo da
cabeça também deve ser 0,618... . É a razão áurea e o número 0,618... é o “número
de ouro”.
Segundo os estudiosos da arte uma escultura que
atende esses requisitos matemáticos é agradável aos olhos. Alguns arquitetos
também utilizam a razão áurea em seus projetos. Nesse caso, uma pessoa que
atendesse a esses requisitos seria matematicamente bela.
Há quem discorde dos gregos por que dizem que o
quadro da Monalisa foi pintado segundo essa regra e ela não tão é bonita assim.
É que não basta a razão áurea, outros atributos são necessários para nos
agradar. A beleza tem, também, um componente cultural. No entanto, não se pode
negar que algumas pessoas se destacam das outras pela aparência. Se isso é
beleza pode até ser discutido, mas penso que não dá para ser discutida a
existência dessa particularidade em algumas pessoas. Algumas até se destacam
mais pela extravagância do que pela elegância. Algumas nos causam admiração e
outras, certo estranhamento. Ambas, porém, despertam a nossa atenção, atraem o
nosso olhar espontaneamente.
Constatada a existência dessa particularidade
pensemos um pouco sobre o olhar. Sobre o olhar assim como sobre o nosso
pensamento não temos controle. Há certa espontaneidade nesses atos (não somente
nesses) que escapam ao nosso controle.
Podemos controlar a qualidade do nosso olhar ou
pensamento, mas não o ato de olhar ou de pensar. Explico melhor. Produzimos
dezenas de pensamentos em poucos segundos. Muitos deles simplesmente escapam e
fogem para nunca mais voltar enquanto outros permanecem, são amadurecidos e se
transformam em atos. Isso significa dizer que escolhemos os pensamentos que
queríamos cultivar e os cultivamos. Chamo isso de qualidade. É qualidade porque
é produto da consciência, resultado de uma decisão pessoal. Estou dizendo que
não escolhemos pensar, mas escolhemos os pensamentos que queremos cultivar.
Escolhemos a qualidade do objeto sobre o qual pensar.
Mesmo quando muitos pensamentos vão embora ainda
sobram alguns para serem analisados. A escolha requer análise e a presença de
vários pensamentos ao mesmo tempo, portanto, alguns pensamentos que serão
descartados permanecem conosco por algum tempo até que outros pensamentos sejam
produzidos e o expulsem. Analisamos os nossos pensamentos com pensamentos. É
pensando sobre o que pensamos que escolhemos o que cultivar. Esse processo de
escolha, por vezes, requer mais do que alguns segundos.
Com o olhar acontece a mesma coisa. Vamos por uma
estrada de moto ou de carro quando um inseto passa pelo nosso campo de visão. Não
conseguimos não vê-lo. Não temos esse
controle sobre os nossos olhos. Conseguimos escolher se o acompanhamos com o olhar ou
não. Conseguimos escolher quanto tempo
demoraremos o olhar sobre ele e que
espécie de pensamento cultivamos sobre ele, mas não conseguimos evitar vê-lo e de
pensar nele. Podemos esquecê-lo em instantes ou lembrar-me dele por dias. Isso
é o que chamo de qualidade do olhar: a escolha do objeto sobre o qual demorar.
O leitor, por certo, já se deteve diante de algum
espetáculo por algum tempo para depois descobrir que não havia qualquer sentido
em permanecer ali. É o tempo que necessitamos para processar a análise do que vemos
ou pensamos. Muitas vezes acompanhamos alguém, ou algum objeto, com o olhar até
que entendamos o que nos chamou a atenção sobre essa pessoa ou objeto. É o
processo de análise.
Olhar (ouvir, sentir cheiro, sabor ou frio) está
diretamente ligado ao pensamento, isto é, induz imediatamente a produção de um pensamento
sobre o objeto. Qual pensamento nos advém imediatamente? Depende de cada um. Cada
contexto e cada pessoa têm suas particularidades.
Tenho visto cônjuges que procuram controlar o olhar
do parceiro quando saem juntos para um lugar movimentado. Esquecem que o olhar
é espontâneo e que o pensamento é anterior à consciência. Agindo dessa forma
atormentam o cônjuge e tiram o prazer de estarem juntos. Há pessoas que
despertam o nosso olhar espontâneo pelas características já expostas, é
impossível não olhar para elas. Às vezes é impossível não acompanha-las com o
olhar até que a consciência nos “explique” o que chamou a nossa atenção sobre
essa pessoa.
Isso não significa, necessariamente, atração. Pode
significar reflexão, busca de explicação; um fenômeno espontâneo em que tem o
hábito de pensar sobre o que vê, ouve ou sente.
O cônjuge ciumento quer
controlar o olhar ou os pensamentos do outro. Nisso está a insustentável lógica
do ciúme conjugal. O cônjuge que age assim está cometendo violência.
Antonio Sales profesales@hotmail.com
Nova Andradina, 17 de
agosto de 2013.