Translate

domingo, 18 de agosto de 2013

A INSUSTENTÁVEL LÓGICA DO CIÚME CONJUGAL



Todas as pessoas são bonitas.  Cada uma ao seu modo e ao modo dos seus admiradores, evidentemente. No entanto, há pessoas que se impõem pela aparência física: tem modo elegante de andar, rosto simétrico e proporcionalidade na distribuição do corpo. Chamam a nossa atenção espontaneamente.
Os gregos diziam que há uma beleza perfeita, isto é, uma beleza que agrada a todos os olhares. É uma beleza que atrai olhares.
Os escultores gregos consideravam que uma estátua estava perfeitamente constituída (bela) se a razão entre a medida do segmento que determina altura do chão até o seu umbigo e a medida do segmento que determina a altura da estátua for igual ao número de ouro (0, 618...). Da mesma forma a razão entre o segmento que une o umbigo ao topo da cabeça e a medida do segmento que determina altura do chão até o seu umbigo é 0,618... .
Essa mesma razão vale para o rosto. A razão entre a altura do queixo até à linha dos olhos e a altura do queixo até o topo da cabeça também deve ser 0,618... . É a razão áurea e o número 0,618... é o “número de ouro”.
Segundo os estudiosos da arte uma escultura que atende esses requisitos matemáticos é agradável aos olhos. Alguns arquitetos também utilizam a razão áurea em seus projetos. Nesse caso, uma pessoa que atendesse a esses requisitos seria matematicamente bela.
Há quem discorde dos gregos por que dizem que o quadro da Monalisa foi pintado segundo essa regra e ela não tão é bonita assim. É que não basta a razão áurea, outros atributos são necessários para nos agradar. A beleza tem, também, um componente cultural. No entanto, não se pode negar que algumas pessoas se destacam das outras pela aparência. Se isso é beleza pode até ser discutido, mas penso que não dá para ser discutida a existência dessa particularidade em algumas pessoas. Algumas até se destacam mais pela extravagância do que pela elegância. Algumas nos causam admiração e outras, certo estranhamento. Ambas, porém, despertam a nossa atenção, atraem o nosso olhar espontaneamente.
Constatada a existência dessa particularidade pensemos um pouco sobre o olhar. Sobre o olhar assim como sobre o nosso pensamento não temos controle. Há certa espontaneidade nesses atos (não somente nesses) que escapam ao nosso controle.
Podemos controlar a qualidade do nosso olhar ou pensamento, mas não o ato de olhar ou de pensar. Explico melhor. Produzimos dezenas de pensamentos em poucos segundos. Muitos deles simplesmente escapam e fogem para nunca mais voltar enquanto outros permanecem, são amadurecidos e se transformam em atos. Isso significa dizer que escolhemos os pensamentos que queríamos cultivar e os cultivamos. Chamo isso de qualidade. É qualidade porque é produto da consciência, resultado de uma decisão pessoal. Estou dizendo que não escolhemos pensar, mas escolhemos os pensamentos que queremos cultivar. Escolhemos a qualidade do objeto sobre o qual pensar.
Mesmo quando muitos pensamentos vão embora ainda sobram alguns para serem analisados. A escolha requer análise e a presença de vários pensamentos ao mesmo tempo, portanto, alguns pensamentos que serão descartados permanecem conosco por algum tempo até que outros pensamentos sejam produzidos e o expulsem. Analisamos os nossos pensamentos com pensamentos. É pensando sobre o que pensamos que escolhemos o que cultivar. Esse processo de escolha, por vezes, requer mais do que alguns segundos.
Com o olhar acontece a mesma coisa. Vamos por uma estrada de moto ou de carro quando um inseto passa pelo nosso campo de visão. Não conseguimos  não vê-lo. Não temos esse controle sobre os nossos olhos. Conseguimos  escolher se o acompanhamos com o olhar ou não.  Conseguimos escolher quanto tempo demoraremos o  olhar sobre ele e que espécie de pensamento cultivamos sobre ele, mas não conseguimos evitar vê-lo e de pensar nele. Podemos esquecê-lo em instantes ou lembrar-me dele por dias. Isso é o que chamo de qualidade do olhar: a escolha do objeto sobre o qual demorar.
O leitor, por certo, já se deteve diante de algum espetáculo por algum tempo para depois descobrir que não havia qualquer sentido em permanecer ali. É o tempo que necessitamos para processar a análise do que vemos ou pensamos. Muitas vezes acompanhamos alguém, ou algum objeto, com o olhar até que entendamos o que nos chamou a atenção sobre essa pessoa ou objeto. É o processo de análise.
Olhar (ouvir, sentir cheiro, sabor ou frio) está diretamente ligado ao pensamento, isto é, induz imediatamente a produção de um pensamento sobre o objeto. Qual pensamento nos advém imediatamente? Depende de cada um. Cada contexto e cada pessoa têm suas particularidades.
Tenho visto cônjuges que procuram controlar o olhar do parceiro quando saem juntos para um lugar movimentado. Esquecem que o olhar é espontâneo e que o pensamento é anterior à consciência. Agindo dessa forma atormentam o cônjuge e tiram o prazer de estarem juntos. Há pessoas que despertam o nosso olhar espontâneo pelas características já expostas, é impossível não olhar para elas. Às vezes é impossível não acompanha-las com o olhar até que a consciência nos “explique” o que chamou a nossa atenção sobre essa pessoa.
Isso não significa, necessariamente, atração. Pode significar reflexão, busca de explicação; um fenômeno espontâneo em que tem o hábito de pensar sobre o que vê, ouve ou sente.
O cônjuge ciumento quer controlar o olhar ou os pensamentos do outro. Nisso está a insustentável lógica do ciúme conjugal. O cônjuge que age assim está cometendo violência.
Antonio Sales     profesales@hotmail.com
Nova Andradina, 17 de agosto de 2013.

5 comentários:

  1. Fiquei feliz com este tema. Sou feliz por não saber o que é ciúme.Se o casal vivem controlados um pelo o outro como saber realmente qual a atitude. Sobre o pensamento; as vezes vc não tem tempo de pensar no que pensou,outras vezes,vc pensa, fala e pratica o ato de uma só vez.Nesse caso vem a necessidade da compreensão.

    ResponderExcluir
  2. Concorda satisfeito ou insatisfeito.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Concordo que a tentativa de controle sobre o outro não é saudável e que o controle sobre o pensamento é impossível.
      Controlamos a qualidade dele, isto é, sobre o que demoramos pensando.

      Excluir