Já escrevi neste espaço que prefiro ver a humanidade mais como náufraga do
que como pecadora. Olhando-a sob a perspectiva de pecadora somos tentados a descrer
das pessoas, acusa-las, culpá-las por todas as mazelas que presenciamos. Embora
aceite que há pessoas que agem de má fé, não creio que elas representem a humanidade.
Olhando essa humanidade como náufraga é possível compreender melhor
porque muitas pessoas boas agem de forma que nos surpreendem, sejam praticando
atos bons ou maus. Penso que muitas pessoas agem da forma como fazem muitas
vezes pela falta de expectativa, por não vislumbrar perspectiva melhor. É o que
chamo de desespero humano e que encontramos retratados em alguns exemplos
bíblicos citados a seguir.
São pessoas que diante do naufrágio das suas esperanças se agarram a
qualquer “destroço da embarcação”. Assim fez Eva ao agarrar-se a Caim como sendo
o salvador da humanidade. Ela supôs que ele fosse uma benção de Deus para a
humanidade e disse: “com a ajuda de Deus, o Senhor, tive um filho homem”(Gn.
4:1).
De modo semelhante procedeu Noé após o dilúvio. Ao sentir-se sozinho e,
possivelmente, vendo os filhos com dificuldade para sobreviver e para agir
conforme que deles era esperado, viu suas esperanças ruírem e procurou
afogar-se no álcool para fugir do seu estado depressivo (Gn 9:20).
Outro retrato desse desespero aparece detalhado na história de Esaú
é Jacó.
Esaú, o mais velho, via no irmão um rival poderoso por ser protegido
pela mãe e cheio de manha, propenso a trapaças. Havia, portanto, fortes indícios
de que ele herdaria a primogenitura. Desesperado, Esaú vendeu o seu direito,
pois, mais vale um prato de lentilhas do que nada. Tinha "certeza" de
que a sua causa era perdida uma vez que a mãe conspirava contra ele. Percebeu que
o pai não teria chances de abençoá-lo. Sentiu-se um náufrago e se agarrou a um
pequeno e frágil destroço (Gn 25:27-33).
Por outro lado, Jacó, “o filhinho da mamãe”, via que o pai era favorável
a Esaú e que este era mais corajoso e aventureiro do que ele. Faltava a Jacó a
robustez do irmão. A sua causa seria perdida se não usasse de astúcia. O
destroço do seu navio seria a fraude, o engano. A isso se agarrou ele.
Rebeca que, ao que parece, administrava a fazenda da família via em Jacó
o seu sucessor, o único interessado na manutenção da herança e agarrou-se a ele
como única esperança de manter a sua velhice segura.
Isaque que, ao que parece, era homem pacato sentia-se eternamente "sentado
à sombra do pai Abraão". O seu mérito era ser filho do patriarca e viu em Esaú
o seu sucessor, a sua esperança de ser respeitado, reconhecido.
As decisões tomadas não resolveram os problemas que enfrentavam, não trouxeram
alívio, mas foi o que conseguiram fazer naquelas circunstâncias.
O desespero humano fica desse modo retratado nessas histórias bíblicas.
Outros exemplos o leitor encontrará em sua leitura devocional se olhar a
humanidade mais como náufraga do que pecadora.
Campo Grande, 16 de janeiro de 2016
Antonio Sales
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