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segunda-feira, 30 de abril de 2012

LIDES DO LAR: PROFISSÃO OU SEQUESTRO?-II



Talvez o leitor já tenha observado na prática a nossa afirmação de que lides do lar ainda não é profissão embora se possa  registrá-la em documentos e até mesmo ter carteira assinada como doméstica.
Para mim, profissionalização exige conhecimento técnico, científico ou, pelo menos, uma teorização sobre aquele fazer.
Ao que me parece a ciência já chegou aos hospitais,  à construção civil, ao planejamento urbano, aos tribunais e a tantos outros lugares e instituições, mas ainda não chegou na cozinha. Ainda não chegou em casa, à educação familiar. Não há uma teorização sobre como educar filhos (tem como ensinar filhos dos outros na escola), como cuidar de uma família (tem como administrar uma empresa), como preparar uma alimentação balanceada (tem para restaurantes, hospitais, etc.) ou como enfrentar os dilemas éticos da convivência familiar.
Se houvesse essa teorização poderiam ser oferecidos cursos regulares para noivos, para casais, para mães, para pais,  para gestantes, para domésticas e para babás. Uma teoria não resolve os problemas emergentes, mas prepara a pessoa para pensar sobre eles, identificar suas causas, ter disposição para um diálogo, analisar as proposições do outro, saber explicar-se, etc. Com um pouco de teoria pode-se discutir estratégias, propor alternativas,  identificar as falhas  e pedir ajuda.
Alguns relacionamentos se constituem numa fábrica de culpados porque tudo que se consegue fazer é procurar uma desculpa para si e uma culpa para o outro. A ênfase do relacionamento está no apontar erros, na busca de motivos para sentir-se infeliz na companhia do outro. Na ausência de um pensar sobre a relação, de um parâmetro sobre o que pode ser feito e que estabeleça limites éticos sobra espaço para as  agressões  de qualquer natureza.
Escrevi no texto anterior que  os cursos de preparação para o casamento e os encontros de casais seriam mais ricos se abordassem temas como esses. Se tratassem francamente das escolhas, não de cônjuge (como normalmente se faz), mas de função. Das implicações pessoais dessas escolhas, da necessidade de um preparo especial para assumir as lides do lar e do desgaste intelectual que disso decorre. Discutir também o desgaste  do relacionamento quando o cônjuge tem quando assume a incumbência de sobreviver fora da caverna tendo que, ao mesmo tempo, conviver com alguém dentro dela.
Por que é mais importante  enfatizar a escolha da função que cada um vai desempenhar do que discutir a escolha do cônjuge? Porque a escolha do cônjuge, exceto nos namoros prolongados e quando os namorados são vizinhos,  se baseia na aparência. A aparência é a única parte visível da pessoa enquanto  o caráter, as preferências e  os vícios  podem ser mascarados. A aparência é a face exposta e o restante  pode se basear em promessas que nunca serão cumpridas e em dissimulações.
A função que cada um vai desempenhar é algo pragmático, mensurável, mais difícil de dissimular.

De igual modo, a forma como cada um vai encarar  os dilemas, surgidos quando a “máscara” cair depois de algum tempo de convivência, é mais importante do que se preparar para escolher o que não pode ser escolhido.
Não se escolhe o caráter para o outro.
Podemos concluir que gastamos tempo escolhendo o que não está disponível para escolha e não nos preparamos para as funções que nos caberão desempenhar como atividade profissional ou como articulador no relacionamento.
Penso que, no contexto atual, é mais importante saber o que fazer quando a máscara cair do que saber escolher com quem vai se casar. Tenho a impressão de que pouca gente conseguiu escolher a pessoa com quem se casou. Exceto na antiguidade, quando os homens “moldavam” as mulheres com quem se casavam, todos nós nos casamos com outra pessoa.
Nova Andradina, 30 de abril de 2012
Antonio Sales     profesales@hotmail.com

terça-feira, 24 de abril de 2012

LIDES DO LAR: PROFISSÃO OU SEQUESTRO?


É interessante observar que apesar de vivermos na segunda década do século XXI  e as relações familiares terem passado, e ainda estarem passando, por diversas transformações algumas coisas, ao que parece, ainda permanecem pouco diferentes do que eram antes. Sito o caso da necessidade da profissionalização da mulher e dos serviços tradicionalmente reservados à mulher.
Na nossa sociedade o serviço doméstico ainda não é considerado profissão, isto é, ainda não se requer preparo técnico e/ou científico para cuidar de uma casa. É um trabalho que está, em sua maioria, nas mãos das mulheres menos qualificadas tecnicamente.
Talvez já fosse tempo de oferecer cursos sobre educação infantil para essas mulheres. Penso na educação para a cidadania, para o respeito ao outro,  para o enfrentamento dos dilemas éticos e os desafios morais da sociedade atual. Não entendo como educação aquela imposição de obediência embora aceite que ela faça parte da educação da criança.
Outra que coisa que apesar de toda discussão a respeito ainda não sofreu significativa mudança é a necessidade  da mulher  ter uma profissão, um emprego remunerado, para constituir uma família.
Para o homem, ao se candidatar para o matrimônio, espera-se que esteja trabalhando ou se preparando adequadamente  para isso. Da mulher, nas mesmas condições, não há essa exigência. Não há nem mesmo a exigência de que tenha feito algum curso sobre educação de crianças, na perspectiva exposta acima, economia, relações humanas, etc.
Trabalhar, ter uma profissão, é uma necessidade para o homem e apenas uma opção para a mulher. O resultado é que muitas se casam e, por falta de opção, por escolha do casal ou por acomodação, ficam em casa. Ficam sem um preparo para isso.
Alguns problemas no relacionamento do casal decorrem dessa opção (ou da falta de opção).
Para discutir esses problemas evoco o psiquiatra Paul Tournier(*)
Ele analisando a situação através do depoimento de mulheres de influência, mas que ficaram um tempo  em casa supondo que dessa forma estariam sendo mais úteis à sociedade e à família.
Elas, em seus escritos e depoimentos,  descreviam a vida nesse período como um tédio, onde  a vida se assemelhava a um teatro em que houvesse intervalos. Aquele era o intervalo. A nostalgia tomava conta dessas mulheres como se elas estivessem vivendo na caverna sabendo que lá fora a vida fervilha, as luzes  brilham e as pessoas andam e se banham nos rios e nos lagos.
Uma delas afirmou que ser dona de casa torna as mulheres doentes, incomodadas por verem o outro viver.
Uma delas fez essa importante declaração:
"Compreendi que o moinho comum é alimentado pelos moinhos individuais. Sempre que o meu moinho não girar, nada mais vai girar".
Essas mulheres desafiam as outras  a serem felizes ultrapassando "seus estreitos limites".
Tournier deduz do depoimento dessas mulheres que a"dedicação da mulher a seu marido, a seus filhos e à sua casa não são suficientes para seu desenvolvimento pessoal".  Segundo ele, na opinião delas, não é o  marido  que explora essas mulheres, são elas que exploram o marido. Elas se casam para  se entreterem e se queixam que o lar as entedia.
Vemos por esses depoimentos coletados ou deduzidos por Paul Tournier que as mulheres que ficam em casa muitas vezes se encontram diante de um dilema: deixar o outro viver ou viver com  ele. Viver aqui significa sair da caverna e caminhar pelos campos do saber, contemplar as luzes do progresso social, científico e tecnológico em toda a sua dimensão. Viver significa ampliar as redes de relacionamentos, compreender os dilemas enfrentados pelo outro e ampliar as possibilidades de cooperação.
Penso que os cursos de preparação para o casamento e os encontros de casais seriam mais ricos se abordassem temas como esses. Se tratassem francamente das escolhas, não de cônjuge (como normalmente se faz), mas de função. Das implicações pessoais dessas escolhas, da necessidade de um preparo especial para assumir as lides do lar e do desgaste intelectual que disso decorre. Discutir também o desgaste  do relacionamento quando o cônjuge tem quando assume a incumbência de sobreviver fora da caverna tendo que conviver com alguém dentro dela.
No caso da mulher ficar em casa, nos dias atuais, pode ser considerado como um sequestro em que a mulher se autossequestra.
 NovaAndradina,17/04/2012.
Antonio Sales              profesales@hotmail.com
(*) Pensamentos extraídos do seu livro:  "A Missão da Mulher", publicado em 1988, em São Paulo, pelas editoras: Vértice e Editora Revista  dos Tribunais

domingo, 15 de abril de 2012

CREIO NO AMOR



Vou definir  aqui o meu credo no amor. Por isso prefiro dizer: creio nos amores. Creio que existem diversos tipos e diversos níveis de amor. Não sei se a palavra tipo fica bem. Ainda não constitui uma teoria sólida que permita fazer uma definição correta; está em construção. O que parece estar solidificada é a crença  nos variados níveis e tipos de amor.
Níveis têm a ver com a experiência  (maturidade emocional) e envolvimento  da pessoa  e tipos dizem respeito à especificação.
Primeiramente creio que existe o amor universal. Alguns o chamam de amor ágape. Não entendo o significado dessa palavra e por isso prefiro falar de amor universal. Universal é um palavra conhecida.
Amor universal é aquele que não espera retribuição. Fundamenta-se em alguns princípios tais como:
a)                      Respeito incondicional ao outro;
b)                      Superioridade emocional de que quem o manifesta. Ele não se deixa abater pela não-resposta do outro. Esse é ao amor que, como cristãos, atribuímos a Deus e creio que também se faz presente em muitas mães. Essas mulheres amam os filhos, drogados por exemplo, ainda que os veja se autodestruindo e destruindo a família.
Jesus disse: Ninguém tem maior amor do que este: de dar alguém a sua vida pelos seus amigos”(Jo 15:13). Esses amigos de Jesus não corresponderam ao que era esperado deles, mas ainda assim foram amados por Ele.
Em segundo lugar creio que haja o amor que espera reciprocidade (não é amizade). Ele pode nascer, crescer e morrer.. Precisa ser aprendido e cultivado. Esse amor se manifesta no casamento, por exemplo.
Para ilustrar melhor a minha fala vou comparar o casamento a uma parceria esportiva.
Numa parceria esportiva o meu parceiro de time pode até errar, pode fazer um péssimo jogo em determinado dia, mas não pode ser péssimo jogador todos os dias. Se  isso acontecer o meu respeito (fundamento do amor) por ele caba e ocorre o rompimento da parceria. Ele pode até, eventualmente,  marcar um gol contra, mas não pode torcer pela vitória do adversário. Ele não pode, propositadamente,  me atrapalhar.
Se o leitor me permitir usar uma expressão popular eu diria: ele não pode ser “sacana”.
É assim que acontece no casamento. O amor conugal se funadmenta no respeito e na cooperação. Tem por base a tolerância, o apoio e a correção,  quando se fizer necessário.
Não se alimenta esse amor com traição, com culpabilização do outro, com chantagens emocionais, com exigências, com ciúmes, com falta de diálogo, com humilhação, com falta de valorização e sem manifestação  de apoio.
O amor conjugal se alimenta da reciprocidade, da seriedade ( não sisudez), do companheirismo, da cumplicidade ética,  da proximidade nas crenças e concepções. Da proximidade ( não igualdade) nos hábitos e preferências.
O amor conjugal é algo mais próximo da amizade (porque ambos se alimentam da reciprocidade) do que do amor universal, que não exige reciprocidade.
A diferença entre o amor conjugal e a amizade está  no nível de afetação. Um amigo pode se afastar de mim quando quiser causando pouco ou, talvez, nenhum desgate duradouro na minha vida. O cônjuge quando se afasta provoca rompimento fortemente dolorido  em múltiplos aspectos: emocional , financeiro, social, etc.. Dito em outra palavras: do amigo espero pouca reciprocidade e do cônjuge, muita.
Talvez até pudéssemos dizer que amor conjugal é uma amizade mais intensa do que a de um amigo.
Creio que haja outros tipos de amor, mas não estou maduro intelectualmente para discorrer sobre eles. Paro por aqui e espero a contribnuição do leitor.
Nova Andradina, 15 de abril de 2012.
Antonio Sales                               profesales@hotmail.com

sexta-feira, 6 de abril de 2012

PÁSCOA, O COMEÇO DEPOIS DO FIM



Estamos na semana em que tradicionalmente se comemora a páscoa cristã. A páscoa cristã lembra morte e ressurreição de uma pessoa. Diferentemente desta, a páscoa judaica, lembrava a morte de um animal (do cordeiro) e a mudança de status (de escravos para livres) das pessoas.
Se não tivermos cuidado nos deteremos  nos dois fatos extremos da vida  sem nos determos ao meio, isto é, ao processo de viver, ao que ocorre entre o começo e o fim da vida.
Tenho procurado discorrer sobre o processo e hoje peço a permissão para me deter nesses dois momentos sublimes da existência: começo e fim. Mais precisamente sobre o fim e o (re)começo.
Curiosamente a páscoa aproximou o fim do começo, na ordem inversa.  A ressurreição fala de reversibilidade, nos diz que nada é definitivo e mostra que a morte pode não ser o fim. Até mesmo a morte pode ser revertida. A liberdade pode voltar a ser vivida e a dignidade pode ser (re)conquistada.
É curioso que Cristo tenha  aproximado os dois extremos, colocado um bem perto do outro. A última hora e a primeira hora ficaram muito próximas  nesses momentos finais da Sua jornada terrena.  A distância que as separa está tão próxima que se parece com história da vida humana que não passa de um pequeno hiato entre dois importantes acontecimentos: nascimento e morte.  A diferença é que a ressurreição colocou o nascimento depois da morte.  A primeira hora depois da última.
Será que Ele queria nos falar de restauração depois da queda?
Na páscoa judaica a libertação seguiu imediatamente à morte do cordeiro, na páscoa cristã há um hiato (um espaço para reflexão, reavaliação) entre  a morte e a vida (queda e restauração). Na páscoa judaica a libertação social (mais física do que social) estava determinada. Na páscoa cristã a liberdade espiritual e erguimento moral é uma escolha individual, razão do hiato para reflexão.
Ressurreição é vida que lembra morte, porque vem depois dela. Se alguém ressuscita é porque morreu. Esse é um contexto em que a lembrança da morte não é traumática, é alegria. Superar traumas, deslizes morais e vacilos éticos (como no caso do filho pródigo) é sempre dignificante, como será  dignificante ressurgir em um corpo glorificado no último dia.
Ressurreição é vida, mas é vida em potencial. Ainda não é vida em ato, exceto para uns  poucos que já a experimentaram definitivamente (Mt 27:52,53). Para nós, é potencialidade, mas ainda não é realidade. Da mesma forma, superar crises morais ou emocionais, como o enveredar–se pelas drogas, é uma possibilidade que pode não se tornar realidade para muitos. Há, no tratamento, um potencial de restauração, mas não uma certeza de cura.
Enquanto a ressurreição não se torna vida em ato, para nós, temos que nos preocupar com a última hora, com a despedida daquela pessoa e daquilo (nossa vida) que mais amamos.
O que fazer nessa última hora, o que dizer a quem está vivendo-a? Para responder a essa intrigante pergunta recorro ao psiquiatra cristão Tournier(1988). Ele discorre sensivelmente sobre esse tema ao falar da sensibilidade da mulher diante da necessidade humana. Fala da sua dificuldade como psiquiatra em lidar com o problema, em relação aos seus pacientes,  até que se deparou com o momento final da sua esposa.
Estava ao lado de sua esposa no leito hospitalar nos últimos momentos da sua vida, quando ela lhe perguntou se era verdade que havia o temor de que ela sofresse um novo enfarte.  Quando ele disse que sim ela completou, "nesse caso certamente morrerei". Um segundo depois ela tomou ânimo, tocou em seu braço  e disse: " se tivesse morrido há um mês estaria no céu e teria  conhecido os teus pais ".
Ele, sem fugir do assunto, respondeu:  "quando encontrá-los eles te agradecerão  por ter sido, para o filho deles, a mulher que foi".
Minutos depois ela pôs a mão sobre o peito  e disse: "chegou a hora".
"Você tem certeza?", perguntou ele.
Ela respondeu: "sim". E morreu.
Ele conta no mesmo capítulo a experiência de uma médica que se especializou em dialogar com os agonizantes. Ela percebeu que na hora agonizante os doentes sentem-se desamparados pelas mentiras que lhes contam os familiares, pelas fugas, pelas evasivas.
Um dia a médica foi chamada para assistir ao seu próprio pai agonizante. Sendo filha, foi dominada pela emoção e procurou fugir do assunto, falando de outras coisas para diverti-lo. Quando se deu conta de que estava fugindo e que seu pai sabia que estava sendo enganado foi direto ao ponto.
Disse-lhe: "pai, porque estamos falando dessas coisas? você sabe porque me chamaram".
  Nesse momento as línguas se desataram e falaram francamente do assunto, recordaram bons momentos da vida, o quanto um foi importante para o outro.
Dessa forma, aqueles momentos que poderiam ser de enganação foram momentos, segundo ela, maravilhosos. Foi uma despedida digna.
Deveríamos usar da mesma franqueza com quem decresce em sua vida moral ou espiritual?
Dourados, 06 de abril de 2012
Antonio Sales    profesales@hotmail.com
Referência
TOURNIER, Paul. A Missão da Mulher. São Paulo: Vértice; Editora dos Tribunais, 1988.