Estou pensando no
“apóstolo” que escreveu a epístola que traz esse nome. Grafei apóstolo entre
aspas porque, segundo Bart Erhman(*), um teólogo da Universidade de
Princeton, era comum na antiguidade alguém que sabia escrever, mas não tinha
respaldo social, escrever em nome de alguém que tinha esse respaldo mas não
sabia escrever.
Os Tiagos (parece ter
sido mais de um) (Mt 13:55,Mc15:40, At 1:13), que foram discípulos de Jesus,
provavelmente eram analfabetos. O mais culto dentre os discípulos parece ter
sido Judas Iscariotes que não nos deixou um bom legado (Jo 12:4-6). Não posso
afirmar que não foi um discípulo quem escreveu a carta com o nome de Tiago, mas ouso conjecturar que
pode não ter sido.
Algumas questões sobre
o Cânon Sagrado me incomodam. Afinal, qual foi o critério adotado pela comissão
encarregada de escolher os livros que seriam incluídos no Cânon? Ao apresentar
ao Concílio encarregado de aprovar essa relação qual foi o debate que se
travou? Qual foi o aparecer do relator? Quantos votaram a favor? Será que o
relator não era um legalista que Paulo, se tivesse vivo, enfrentaria como enfrentou a Pedro (Gl
2:11-14)?
O Cânon, ou relação dos
livros sagrados, foi constituído muito
tempo após a morte dos apóstolos.
Com relação à lei e à
graça o certo é que quando nos interessa apoiamo-nos em Paulo, no seu discurso
sobre a graça e a fé. Quando nos interessa nos apoiamos em Tiago, no seu
discurso em favor da lei.
Tiago foi homem de
poucas letras (escreveu pouco, se comparado com Paulo) e foi direto em cada
ponto que queria atacar, porém, teve o
cuidado de justificar a sua posição. Ele tem o estilo de um intelectual.
Ele, ao contrário de
Paulo, defendeu que Abraão foi
justificado pelas obras. No meu texto anterior discuto isso e me posiciono a
favor de Paulo. Mas Tiago também cita alguns preceitos dos dez mandamentos e
alguns supõem que ele esteja dizendo que seremos julgados por essa lei. Há quem
diga que ele a denominou de “lei da liberdade” (Tg 2: 10-12).
Entendo diferente, isto
é, entendo que ele esteja dizendo outra coisa. O texto parece sugerir outra
interpretação.
Se Tiago está dizendo
que seremos julgados pela lei dos dez mandamentos ele está contrariando Jesus
porque este afirmou que seremos julgados pelo que fizermos ou deixarmos de
fazer aos nossos semelhantes (Mt 25: 34-46). Jesus não nos perguntará se
matamos ou deixamos de matar, se adulteramos ou deixamos de adulterar, mas se
socorremos ou deixamos de socorrer os nossos irmãos em necessidade.
Parece-me que Tiago, no
segundo capítulo, se identifica com a
visão de Jesus. Vejamos por que.
Primeiramente entendo
que ele citou os dez mandamentos como ilustração. Ele estava dizendo que se
você não rouba porque não encontrou o que roubar então você não adultera porque
não encontrou com quem adulterar. Ou está dizendo que quem cobiça ainda não
roubou por ter medo de ser pego. O seu raciocínio até parece lógico-matemático.
Parece binário. Ou você é uma pessoa respeitável ou não é. Não há meio termo
para ele. Ele está dizendo que não adianta fingir ser bom, tem que ser bom.
Entendo também que lei para ele não se resume aos dez mandamentos.
Ele se posicionou em
favor das obras da lei para a justificação. Quero crer que ele estivesse tratando da justiça
social (Tg 5) e não da justiça para
salvação ou justiça espiritual. Deve estar aí a sua aparente discordância com
Paulo que tratava da justiça espiritual. Estão falando de justiças diferentes. A
justiça social realmente decorre do cumprimento da lei, ela se fundamenta mais
na moral (cumprimento do dever, punição, recompensa) do que na ética (reflexão
sobre que se faz). Tiago pensa numa religião prática, palpável (Tg 1:26,27).
Para não divagar mais
volto ao ponto: segundo o meu entender, Tiago cita os dez mandamentos como
ilustração e não para enfatizá-los.
Em segundo lugar
entendendo que a lei da liberdade (Tg 2:12) de que ele fala não é a lei dos dez
mandamentos. É a lei da misericórdia (Tg 2: 13) porque a “misericórdia triunfa
no juízo”.
A lei dos dez mandamentos, para ele, é
obrigação e ninguém receberá prêmio por cumprir a obrigação (Lc 17: 9,10).
Liberdade é ir além da obrigação e somente a misericórdia nos levará além de
não matar, não roubar, não mentir. A misericórdia nos levará ao encontro de
oportunidade de ajudar, servir, fazer o outro sentir-se respeitado e mostrar
bondade, etc. Isso não está de acordo
com Jesus (Mt 25:34-46)?
Como cristão, disse
Tiago (na minha interpretação), quem respeita não pensa em matar, adulterar,
roubar, mentir. Quem respeita vive a lei
da liberdade. Quem respeita ama e quem ama pratica atos de misericórdia, logo,
seremos julgados pela lei da liberdade, pela lei que não está explícita nas
tábuas de pedra (Ex 24:12), pela lei que a graça de Cristo trouxe ao nosso
coração (Hb 8:10). A lei que Cristo trouxe ao nosso coração é a capacidade de
respeitar, de socorrer, de não desejar mal, de contribuir, de se envolver para
o benefício de todos. É lei que supera a mediocridade, a inveja, a hipocrisia,
etc.
Seremos julgados por
essa lei do respeito e da misericórdia porque
ela é a lei da liberdade e Tiago é legalista porque ele pensa na religião
prática, utilitária. Ele pensa na justiça que se faz presente nas relações
sociais.
Paulo, ao contrário,
pensa na justiça que vem de Cristo, que nos recomenda ao céu. Pensa no
relacionamento com Deus.
Um escritor estava discutindo
salvação e o outro estava discutindo relações sociais mediadas pela religião.
Antonio Sales profesales@hotmail.com
Campo Grande, 08 de
outubro de 2012.
(*)Vale a pena ler o seu livro “Quem Jesus foi? Quem
Jesus não foi?”, publicado pela Ediouro.
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