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sábado, 20 de outubro de 2012

A JUSTIÇA SEGUNDO TIAGO



Estou pensando no “apóstolo” que escreveu a epístola que traz esse nome. Grafei apóstolo entre aspas porque,  segundo  Bart Erhman(*), um teólogo da Universidade de Princeton, era comum na antiguidade alguém que sabia escrever, mas não tinha respaldo social, escrever em nome de alguém que tinha esse respaldo mas não sabia escrever.
Os Tiagos (parece ter sido mais de um) (Mt 13:55,Mc15:40, At 1:13), que foram discípulos de Jesus, provavelmente eram analfabetos. O mais culto dentre os discípulos parece ter sido Judas Iscariotes que não nos deixou um bom legado (Jo 12:4-6). Não posso afirmar que não foi um discípulo quem escreveu a carta com  o nome de Tiago, mas ouso conjecturar que pode não ter sido.
Algumas questões sobre o Cânon Sagrado me incomodam. Afinal, qual foi o critério adotado pela comissão encarregada de escolher os livros que seriam incluídos no Cânon? Ao apresentar ao Concílio encarregado de aprovar essa relação qual foi o debate que se travou? Qual foi o aparecer do relator? Quantos votaram a favor? Será que o relator não era um legalista que Paulo, se tivesse vivo,  enfrentaria como enfrentou a Pedro (Gl 2:11-14)?
O Cânon, ou relação dos livros  sagrados, foi constituído muito tempo após a morte dos apóstolos.
Com relação à lei e à graça o certo é que quando nos interessa apoiamo-nos em Paulo, no seu discurso sobre a graça e a fé. Quando nos interessa nos apoiamos em Tiago, no seu discurso em favor da lei.
Tiago foi homem de poucas letras (escreveu pouco, se comparado com Paulo) e foi direto em cada ponto que queria atacar,  porém, teve o cuidado de justificar a sua posição. Ele tem o estilo de um intelectual.
Ele, ao contrário de Paulo,  defendeu que Abraão foi justificado pelas obras. No meu texto anterior discuto isso e me posiciono a favor de Paulo. Mas Tiago também cita alguns preceitos dos dez mandamentos e alguns supõem que ele esteja dizendo que seremos julgados por essa lei. Há quem diga que ele a denominou de “lei da liberdade” (Tg 2: 10-12).
Entendo diferente, isto é, entendo que ele esteja dizendo outra coisa. O texto parece sugerir outra interpretação.
Se Tiago está dizendo que seremos julgados pela lei dos dez mandamentos ele está contrariando Jesus porque este afirmou que seremos julgados pelo que fizermos ou deixarmos de fazer aos nossos semelhantes (Mt 25: 34-46). Jesus não nos perguntará se matamos ou deixamos de matar, se adulteramos ou deixamos de adulterar, mas se socorremos ou deixamos de socorrer os nossos irmãos em necessidade.
Parece-me que Tiago, no segundo capítulo,  se identifica com a visão de Jesus. Vejamos por que.
Primeiramente entendo que ele citou os dez mandamentos como ilustração. Ele estava dizendo que se você não rouba porque não encontrou o que roubar então você não adultera porque não encontrou com quem adulterar. Ou está dizendo que quem cobiça ainda não roubou por ter medo de ser pego. O seu raciocínio até parece lógico-matemático. Parece binário. Ou você é uma pessoa respeitável ou não é. Não há meio termo para ele. Ele está dizendo que não adianta fingir ser bom, tem que ser bom. Entendo também que lei para ele não se resume aos dez mandamentos.
Ele se posicionou em favor das obras da lei para a justificação. Quero crer  que ele estivesse tratando da justiça social  (Tg 5) e não da justiça para salvação ou justiça espiritual. Deve estar aí a sua aparente discordância com Paulo que tratava da justiça espiritual. Estão falando de justiças diferentes. A justiça social realmente decorre do cumprimento da lei, ela se fundamenta mais na moral (cumprimento do dever, punição, recompensa) do que na ética (reflexão sobre que se faz). Tiago pensa numa religião prática, palpável (Tg 1:26,27).
Para não divagar mais volto ao ponto: segundo o meu entender, Tiago cita os dez mandamentos como ilustração e não para enfatizá-los.
Em segundo lugar entendendo que a lei da liberdade (Tg 2:12) de que ele fala não é a lei dos dez mandamentos. É a lei da misericórdia (Tg 2: 13) porque a “misericórdia triunfa no juízo”.
 A lei dos dez mandamentos, para ele, é obrigação e ninguém receberá prêmio por cumprir a obrigação (Lc 17: 9,10). Liberdade é ir além da obrigação e somente a misericórdia nos levará além de não matar, não roubar, não mentir. A misericórdia nos levará ao encontro de oportunidade de ajudar, servir, fazer o outro sentir-se respeitado e mostrar bondade, etc.  Isso não está de acordo com Jesus (Mt 25:34-46)?
Como cristão, disse Tiago (na minha interpretação), quem respeita não pensa em matar, adulterar, roubar, mentir.  Quem respeita vive a lei da liberdade. Quem respeita ama e quem ama pratica atos de misericórdia, logo, seremos julgados pela lei da liberdade, pela lei que não está explícita nas tábuas de pedra (Ex 24:12), pela lei que a graça de Cristo trouxe ao nosso coração (Hb 8:10). A lei que Cristo trouxe ao nosso coração é a capacidade de respeitar, de socorrer, de não desejar mal, de contribuir, de se envolver para o benefício de todos. É lei que supera a mediocridade, a inveja, a hipocrisia, etc.
Seremos julgados por essa lei do respeito e da misericórdia  porque ela é a lei da liberdade e Tiago é legalista porque ele pensa na religião prática, utilitária. Ele pensa na justiça que se faz presente nas relações sociais.
Paulo, ao contrário, pensa na justiça que vem de Cristo, que nos recomenda ao céu. Pensa no relacionamento com Deus.
Um escritor estava discutindo salvação e o outro estava discutindo relações sociais mediadas pela religião.
Antonio Sales      profesales@hotmail.com
Campo Grande, 08 de outubro de 2012.

(*)Vale a pena ler o seu livro “Quem Jesus foi? Quem Jesus não foi?”,  publicado pela Ediouro.

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