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segunda-feira, 15 de outubro de 2012

POR QUE O MINISTÉRIO DE JESUS FOI TÃO CURTO?


Segundo a tradição cristã após iniciar o seu ministério Jesus dedicou pouco mais de três anos ao trabalho e foi crucificado.
Os deterministas dirão que estava escrito que assim seria e citam uma profecia de Daniel (Dn 9:27).
Não sou determinista, mas também não questiono a profecia citada. Profecia, no meu entender, é antevisão e não predeterminação. Mas não vou discutir profecia aqui porque não é essa a minha questão.
A minha questão é: se Jesus podia escolher o tempo de vida entre a humanidade por que escolheu viver tão pouco? Com mais tempo não poderia ter feito mais, curado mais, ensinado mais e até mesmo influenciado mais os costumes da época?
Gosto de ver certos fatos da vida de Jesus como metáforas da vida humana. Ele ensinou também pelo que viveu e não somente pelo  que explicitou em seus discursos.
Sua vida é uma parábola e seus atos são metáforas.
Tenho pensado que quando alguém quer ajudar pessoas medíocres a saírem da sua mediocridade não pode viver muito tempo entre elas. O contato prolongado com a mediocridade é contagiante. Quem vai trabalhar com  pessoas pessimistas, rústicas, enrijecidas, deve ter tempo para permanecer longe delas e se reabastecer de outras visões mais animadoras sobre a vida. Se alguém quer ajudar quem está "afogando" deve ter apoio para os próprios pés e não pode se deixar enlaçar por ele.
Tenho visto professores que vão trabalhar em escolas de comunidades carentes, ente pessoas sem esperança, pouco  dispostas a se deixarem influenciar, e depois de algum tempo também se tornam intratáveis, grosseiras, pessimistas,  tímidas e com um linguajar pouco recomendável.
Aqueles profissionais que atuam em duas comunidades distintas embora uma seja pouco produtiva se a outra responde melhor aos estímulos intelectuais conseguem se manter mais tempo saudáveis, entusiastas e abertos à aprendizagem.
Quem quer ajudar alguma comunidade carente deve residir entre pessoas não carentes para realimentar  diariamente as suas expectativas, reconstruir a cada dia a sua esperança, ter um motivo para sorrir e ser feliz.
Em outubro de 2011 visitei João Pessoa. Minha filha cursava o seu pós-doutoramento em  Educação Popular de Saúde na  UFPB  sob o orientação de uma autoridade nacional no assunto.
O orientador, apesar do status que desfrutava,  era homem simples. Sua visão clara do que fazia  não o deixava se iludir pela euforia de uma possível  mudança rápida e nem se desiludir pela dificuldade de mudança.
Certo dia, enquanto almoçávamos, ele se referiu com muito pesar a um jovem padre que havia posto fim à própria vida naqueles dias. Era seu amigo e um ano antes tinha trabalhado em Joao Pessoa, na comunidade em que o médico desenvolvia o seu projeto. Jovem, dinâmico e engajado nas causas sociais o padre fora-lhe um braço forte.
Dada à sua prestatividade,  juventude e entusiasmo ele fora transferido para o interior do estado e atuava junto a uma comunidade carente.
Vinha desenvolvendo um bom trabalho, mas agora, cerca de uma semana, pusera fim à vida, não sem antes passar por um atendimento psiquiátrico.
O que deixara a todos perplexos era o fato de que havia  fortes indícios de que não fora  por conflitos espirituais uma vez que ingerira o líquido mortal abraçado a um Rosário. De igual modo quando atuou em João Pessoa dera mostras de ser  entusiasta na  luta em favor dos menos favorecidos e satisfeito com a vocação sacerdotal.
Qual a possível causa da sua depressão? Por que se desiludira tão rápido?
Surgiram as conjecturas e uma delas foi que ele teria se desiludido com a não resposta dos que quisera ajudar. Ao viver entre os que  não respondem teria se tornado, ele também,  "surdo" aos  apelos da esperança? Desistira  de viver porque estava entre os que não queriam mudar de vida? Saltara na “água” sem os equipamentos emocionais necessários para salvar os “náufragos” e, "não tendo encontrado pé", “naufragara” também?
A experiência do médico com as classes populares lhe dizia que quem cura também se fere, quem socorre também precisa de socorro, quem apoia também sente falta de apoio, quem consola também necessita ser consolado.
Naquela tarde fui presenteado com um livro organizado pelo Dr Eymard (*) e, no dia seguinte, ao lê-lo deparei-me  com um capítulo escrito por um psicólogo e cientista político também envolvido com as causas sociais.
Nesse capítulo onde teoriza e contextualiza o lidar com o sofrimento humano  ele destaca a função de “curador”, daquele que por escolha própria ou por dever profissional se ocupa de aliviar o sofrimento do outro. Ao concluir ele espera ter contribuído para que sejamos “melhores curadores ... mas sempre, sempre, irremediavelmente ... feridos!”.
Voltemos ao ponto inicial. Porque Jesus planejou afastar-se da humanidade tão cedo? Resolveu permitir que sua missão terminasse antes  de se tornar tão humano que se esqueceria da sua divindade? Entregou ao Pai as chaves do seu ministério antes de perder o foco e se envolver em causas estranhas ao mesmo? Percebeu que a depressão se aproximava e antes de sucumbir procurou refúgio no seu lugar de origem?
Ficam as perguntas.
Antonio Sales    profesales@hotmail.com
Aeroporto internacional de Guarulhos, 11 de outubro de 2012.
 
(*)VASCONCELOS, Eymard Mourão (org.). A espiritualidade no trabalho em saúde. 2.ed. São Paulo: Hucitec, 2011.

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