Segundo a
tradição cristã após iniciar o seu ministério Jesus dedicou pouco mais de três
anos ao trabalho e foi crucificado.
Os
deterministas dirão que estava escrito que assim seria e citam uma profecia de
Daniel (Dn 9:27).
Não sou
determinista, mas também não questiono a profecia citada. Profecia, no meu
entender, é antevisão e não predeterminação. Mas não vou discutir profecia aqui
porque não é essa a minha questão.
A minha
questão é: se Jesus podia escolher o tempo de vida entre a humanidade por que
escolheu viver tão pouco? Com mais tempo não poderia ter feito mais, curado
mais, ensinado mais e até mesmo influenciado mais os costumes da época?
Gosto de
ver certos fatos da vida de Jesus como metáforas da vida humana. Ele ensinou
também pelo que viveu e não somente pelo
que explicitou em seus discursos.
Sua vida é uma parábola e seus atos são metáforas.
Sua vida é uma parábola e seus atos são metáforas.
Tenho
pensado que quando alguém quer ajudar pessoas medíocres a saírem da sua
mediocridade não pode viver muito tempo entre elas. O contato prolongado com a mediocridade
é contagiante. Quem vai trabalhar com
pessoas pessimistas, rústicas, enrijecidas, deve ter tempo para permanecer
longe delas e se reabastecer de outras visões mais animadoras sobre a vida. Se
alguém quer ajudar quem está "afogando" deve ter apoio para os
próprios pés e não pode se deixar enlaçar por ele.
Tenho
visto professores que vão trabalhar em escolas de comunidades carentes, ente
pessoas sem esperança, pouco dispostas a
se deixarem influenciar, e depois de algum tempo também se tornam intratáveis,
grosseiras, pessimistas, tímidas e com
um linguajar pouco recomendável.
Aqueles
profissionais que atuam em duas comunidades distintas embora uma seja pouco
produtiva se a outra responde melhor aos estímulos intelectuais conseguem se
manter mais tempo saudáveis, entusiastas e abertos à aprendizagem.
Quem quer
ajudar alguma comunidade carente deve residir entre pessoas não carentes para
realimentar diariamente as suas
expectativas, reconstruir a cada dia a sua esperança, ter um motivo para sorrir
e ser feliz.
Em
outubro de 2011 visitei João Pessoa. Minha filha cursava o seu pós-doutoramento
em Educação Popular de Saúde na UFPB
sob o orientação de uma autoridade nacional no assunto.
O
orientador, apesar do status que
desfrutava, era homem simples. Sua visão
clara do que fazia não o deixava se iludir
pela euforia de uma possível mudança
rápida e nem se desiludir pela dificuldade de mudança.
Certo dia,
enquanto almoçávamos, ele se referiu com muito pesar a um jovem padre que havia
posto fim à própria vida naqueles dias. Era seu amigo e um ano antes tinha
trabalhado em Joao Pessoa, na comunidade em que o médico desenvolvia o seu
projeto. Jovem, dinâmico e engajado nas causas sociais o padre fora-lhe um
braço forte.
Dada à sua prestatividade, juventude e entusiasmo ele fora transferido para o interior do estado e atuava junto a uma comunidade carente.
Dada à sua prestatividade, juventude e entusiasmo ele fora transferido para o interior do estado e atuava junto a uma comunidade carente.
Vinha
desenvolvendo um bom trabalho, mas agora, cerca de uma semana, pusera fim à
vida, não sem antes passar por um atendimento psiquiátrico.
O que
deixara a todos perplexos era o fato de que havia fortes indícios de que não fora por conflitos espirituais uma vez que
ingerira o líquido mortal abraçado a um Rosário. De igual modo quando atuou em
João Pessoa dera mostras de ser
entusiasta na luta em favor dos
menos favorecidos e satisfeito com a vocação sacerdotal.
Qual a
possível causa da sua depressão? Por que se desiludira tão rápido?
Surgiram as conjecturas e uma delas foi que ele teria se desiludido com a não resposta dos que quisera ajudar. Ao viver entre os que não respondem teria se tornado, ele também, "surdo" aos apelos da esperança? Desistira de viver porque estava entre os que não queriam mudar de vida? Saltara na “água” sem os equipamentos emocionais necessários para salvar os “náufragos” e, "não tendo encontrado pé", “naufragara” também?
Surgiram as conjecturas e uma delas foi que ele teria se desiludido com a não resposta dos que quisera ajudar. Ao viver entre os que não respondem teria se tornado, ele também, "surdo" aos apelos da esperança? Desistira de viver porque estava entre os que não queriam mudar de vida? Saltara na “água” sem os equipamentos emocionais necessários para salvar os “náufragos” e, "não tendo encontrado pé", “naufragara” também?
A
experiência do médico com as classes populares lhe dizia que quem cura também
se fere, quem socorre também precisa de socorro, quem apoia também sente falta
de apoio, quem consola também necessita ser consolado.
Naquela
tarde fui presenteado com um livro organizado pelo Dr Eymard (*) e, no dia
seguinte, ao lê-lo deparei-me com um
capítulo escrito por um psicólogo e cientista político também envolvido com as
causas sociais.
Nesse
capítulo onde teoriza e contextualiza o lidar com o sofrimento humano ele destaca a função de “curador”, daquele que
por escolha própria ou por dever profissional se ocupa de aliviar o sofrimento
do outro. Ao concluir ele espera ter contribuído para que sejamos “melhores
curadores ... mas sempre, sempre, irremediavelmente ... feridos!”.
Voltemos
ao ponto inicial. Porque Jesus planejou afastar-se da humanidade tão cedo?
Resolveu permitir que sua missão terminasse antes de se tornar tão humano que se esqueceria da
sua divindade? Entregou ao Pai as chaves do seu ministério antes de perder o
foco e se envolver em causas estranhas ao mesmo? Percebeu que a depressão se
aproximava e antes de sucumbir procurou refúgio no seu lugar de origem?
Ficam as
perguntas.
Antonio
Sales profesales@hotmail.com
Aeroporto
internacional de Guarulhos, 11 de outubro de 2012.
(*)VASCONCELOS, Eymard
Mourão (org.). A espiritualidade no trabalho em saúde. 2.ed. São Paulo:
Hucitec, 2011.
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