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sábado, 29 de setembro de 2012

A VERDADE




Por vezes ouço alguém dizendo: “é preciso conhecer a  verdade”. Ou ainda: “não querem saber (ou ouvir) da verdade”. Paro e me  pergunto:  o que é a verdade? Do que essa pessoa está falando?
Vou ao dicionário e procuro o verbete “verdade”. O Dicionário de Língua Portuguesa da  “Porto Editora” traz:
Verdade: sf. 1) conformidade entre  o pensamento ou a sua expressão e o objeto de pensamento; 2) qualidade do que é verdadeiro; realidade; 3) exatidão, rigor, precisão; 4) representação fiel; 5)boa-fé; sinceridade;6) coisa certa; 7)axioma, premissa evidente; 8)máxima.
Parece que “axioma”, postulado, “premissa evidente” explicita melhor o que as pessoas querem dizem com verdade  no contexto em que estou falando. Postulado ou premissa evidente é aquilo que pedimos para o outro aceitar como verdade. É o início de um sistema de crenças, o fundamento  de  um sistema científico ou o princípio de uma organiza religiosa, a base de uma instituição. Um axioma não é algo que necessariamente exista, isto é, que tenha existência palpável, perceptível, inquestionável. Ele é algo sobre o qual, partindo do pressuposto que exista, eu fundamento o meu sistema de crenças.
Algumas sociedades postulam que a mulher é inferior ao homem, depende da proteção dele e existe para servi-lo e lhe dar filhos, e, com base nesse postulado, fundamentam o seu sistema de tratamento dado às mulheres. Com base nessas premissas, evidentes para eles, defendem a poligamia masculina, a prole numerosa, a submissão absoluta da mulher e assim por diante. A inferioridade feminina é uma verdade  nessas sociedades.
Para algumas mulheres todos os homens são traidores em potencial, frágeis diante da sedução feminina. É um postulado delas e com base nessa crença ou premissa evidente para elas que constroem o seu sistema de vida relacional centrado no ciúme, na desconfiança, na “marcação passo a passo”.
Quando ouço, no contexto religioso, alguém dizer que o outro não aceita a verdade, fico me perguntando: a verdade de quem, isto é, o postulado de quem ele deve aceitar?
A instituição religiosa à qual pertenço criou o seu sistema de crenças com base em postulados formulados por ela e eu os aceitei, mas porque o outro também tem que aceitar? Em que ele se torna inferior ou superior a  mim se não os aceitar?
Alguns defendem o seu sistema de crenças ou postulados alegando maior proximidade com o que está no texto bíblico ou maior proximidade com os escritos antigos ou ainda proximidade com a tradição. Argumentos frágeis. A tradição pode ser mudada e nem tudo que é tradicional é de melhor qualidade. Os escritos antigos também continham equívocos, nossos antepassados também erraram em sua interpretação e nem sempre houve preocupação com a ética ao produzir um texto. A “proximidade” com o  texto bíblico pode ser influenciada, e até  prejudicada, pelos preconceitos, pelas premissas de cada instituição.
Minha conclusão: a verdade é institucional. É verdade para um a instituição.
Dirigir do lado direito da rua é uma verdade na nossa instituição (legislação brasileira de trânsito), mas não é verdade em outras instituições. No entanto, lá funciona tão bem quanto aqui.
Diante do exposto, afirmo que verdade absoluta, ampla, só existe para as instituições e como premissa. Para nós como sujeitos existem verdades parciais, relativas, ou melhor, verdades sobre ou como consta no dicionário: “conformidade entre o pensamento ou a sua expressão e o objeto de pensamento”.  
Exemplos: Conheço a verdade sobre a minha história de vida. Presenciei o acidente, logo, conheço  a verdade sobre o que aconteceu naquele momento. Falei a verdade, isto é, narrei os fatos conforme percebidos pelos meus sentidos. Ouvi o fragmento de fala, logo, sei a verdade sobre ele. Participei do projeto, então sei a verdade sobre ele.
Como não participei do projeto da Criação do Mundo sei apenas  a verdade que me contaram. Embora eu acredite na integridade moral de quem me contou não posso garantir que me contou todos os detalhes. Qual a verdade sobre a criação do mundo? É aquela que me contaram.
Alguém dirá: mas a verdade não é uma premissa evidente? Sem dúvida que é, mas toda evidência é construída. Evidência não é, necessariamente, racional. É algo que alguém aceita como evidente e me convida a aceitar também.
Pena que Pilatos (Jo 18:38) não esperou a reposta de Jesus. Talvez hoje tivéssemos outra compreensão.

Antonio Sales   profesales@hotmail.com
Nova Andradina, 28 de setembro de 2012.

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