Translate

domingo, 3 de fevereiro de 2013

QUANDO A VERTIGEM É BEM VINDA



Muito interessante o que Milan Kundera escreve sobre o assunto. Sua obra de ficção "a insustentável leveza do ser" narra o caso de Tereza, uma mulher que passou a sentir prazer na vertigem, isto é, passou a ter prazer em cair. Cair aqui tem sentido amplo abrangendo também a frouxidão moral.
Parece estranho pensar que alguém tenha prazer em cair, mas, após a leitura de  Kundera comecei a pensar que em minha trajetória, muitas vezes, também  desejei cair.
Teresa teve uma vida dolorosa marcada pela culpa de ter nascido. Era uma filha não planejada e, por essa razão,  não foi bem aceita pela mãe que viu-se obrigada a casar com o cafajeste que a engravidou porque ninguém quis fazer o aborto.
Ao separar do marido que lhe traia frequentemente viu-se obrigada a casar com outro do mesmo tipo, para dar sustento à filha. Teresa era culpada desses dissabores da mãe. Esta a impediu de prosseguir nos estudos e teve que trabalhar desde cedo para se redimir da culpa de ter vindo ao mundo em condições tão desfavoráveis.   Sonhava ser alguém mais do que uma simples garçonete que servia de gracejos para os bêbados onde trabalhava, mas a vida parecia conspirar contra ela. Aos dezenove anos conheceu um médico divorciado, e não menos mulherengo do que seu pai, e que viera tomar lanche no bar certo dia.
Arriscou tudo na vida para começar uma vida nova com ele na expectativa de superar as dificuldades enfrentadas até então.
Muitos anos depois, após se convencer de que o marido lhe seria sempre infiel, por mais que o vigiasse e por mais que o amasse, decidiu ter vertigens.
Suas quedas não eram apenas físicas como forma de ter um pouco de atenção do marido e dos outros, mas também quedas no ideal, fraquezas no desejo de superar o passado. Passou até mesmo  a desejar ser preterida, servir de cafetina para o marido, como forma de assumir as sua impotência, o seu fracasso, a sua falta de prestígio.
Surpreendeu o próprio marido, que não conseguiu entender a atitude da mulher, quando lhe fez a nova proposta. Surpreendeu os amigos e até as concorrentes com a sua atitude bizarra. Não sei ainda o fim da estória, mas já há o que pensar.
Toda pessoa tem os seus limites, tem um peso máximo de fardo que consegue suportar.  Mesmo as pessoas mais obstinadas, têm momentos de crises e de vontade de desistir. Quando todos os sonhos se reduzem a nada, quando todos os esforços se mostram inúteis, a vertigem passa a ser desejada e a queda planejada.  Ocorre o abandono dos ideais, o sepultamento do próprio ser.
Alguém disse que a vantagem de morrer após alguns meses de sofrimento é que nessas circunstâncias a morte é desejada por todos, inclusive pelo moribundo. É a vertigem desejada.
Em locais (países ou lares) onde predomina o regime  autoritário a população cede espaço às arbitrariedades e até as justificam.
Certo professor que trabalhava há longa data com alunos dos anos iniciais, já não suportando mais a indisciplina da garotada, sempre que alguma algarraza surgia na sala, dizia: "tenho pressão alta e a qualquer momento posso desmaiar com essa gritaria. Se eu morrer é culpa de vocês". Após tantos anos de insucesso profissional ele via na possibilidade de um desmaio a sua redenção e, talvez, uma espécie de vingança contra os indisciplinados alunos.
Pessoas abusadas desde a infância podem se tornar submissas e não somente aceitar, mas até desejar, a ação do abusador. Violentam a si próprias e aceitam a condição de caídas.
Aqui há muito sobre o que pensar.
Antonio Sales  profesales@hotmail.com
Nova Andradina, 03 de fevereiro de 2013.

4 comentários:

  1. Hoje intendo o quanto são diferente as pessoas. Por isso respeito decisões de cada uma, mesmo que para mim não tenha sentido.
    Só que prefiro coragem e a decisão de Tira Dentes.

    ResponderExcluir
  2. É verdade, Orlandina.O mérito está em ser forte. Pena que somos humanos e que por vezes não suportamos tantos enfrentamentos e desistimos

    ResponderExcluir
  3. Quando nos encontramos encurralados sem que haja outra porta, o caminho certo é desistir; Para evitar fatos desagradáveis, desistir é o caminho certo, o lado humano predomina.

    ResponderExcluir