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sexta-feira, 18 de outubro de 2013

ENTRE O TÉDIO E O ESTRESSE

Conversava certo dia com a minha filha como sempre fazemos. Discutíamos vários assuntos quando a questão religiosa veio à tona. Falávamos sobre o Céu como destino de muitos ou esperança de todos quando ela se expressou mais ou menos com essas palavras: se o céu for um lugar só para tocar harpa será um terrível tédio para mim. Concordei.
 Embora goste de fazer um pouco de barulho com um clarinete não sou apaixonado ao ponto de querer ficar o dia todo tocando. Prefiro ler, escrever, debater ideias e, eventualmente, "trabalhar", isto é, fazer trabalho braçal. Gosto de dar aulas de Matemática, fazer turismo cultural, fotografar, provocar os jovens estudantes a uma reflexão, participar de reuniões de conselhos municipais, coordenar reuniões de debates, brincar com crianças, fazer caminhadas e viajar de moto.
Gosto de atividades diversificadas e um pouco desafiantes. De tudo um pouco. Tudo que demora muito tempo me entedia. Até mesmo a visita ao shopping não pode ser muito prolongada.
Diante disso fiquei pensando: deve ser por isso que prefiro o movimento da cidade grande ao aconchego da cidade pequena. Prefiro o desafio da produção acelerada ao comodismo de fazer cada vez menos. Prefiro o estresse ao tédio.
Comecei a pensar no céu como a Ágora dos gregos. Como aquele ponto de encontro onde os cidadãos, os homens livres, se reuniam para discutir política, filosofia, ciência, religião e assistir a peças de teatro que representavam as tragédias da vida.
A partir dessa reflexão fiz o meu próprio retrato do céu.  
Considerando que nessa época (ou nesse local que chamamos de céu) todos seremos livres do temor, dos preconceitos, das vicissitudes da vida e da ganância, imagino o céu como a própria terra livre da violência, da droga, da corrupção e do egocentrismo. Imagino que haverá espaço para os debates teológicos, científicos e filosóficos. Imagino que também haverá espaço para os que gostam de cultivar flores, horta, árvores frutíferas e bosques assim como para os que gostam, de cuidar de animais, cantar em corais, tocar em orquestras e exercitar a arte da pintura e da escultura.
Imagino que seja um local (ou uma época) onde haverá cooperação e ausência de competição até mesmo nos esportes que serão praticados para deleite dos que apreciam a cultura física.
O céu, para mim, é um local onde haverá espaço para todos  que estiverem dispostos a cooperar para o bem da comunidade, para o bem de todos. Será um espaço de respeito mútuo.
Imagino que onde não há ganância e nem comodismo há cooperação. Onde não há  corrupção, há espaço para a esperança, para a crença no ser humano e disposição para a partilha.
Não havendo egocentrismo não haverá exploração ou dominação.  Não havendo dominação não haverá trabalho escravo. Havendo cooperação não há necessidade de controle sobre as pessoas. Enfim, o ambiente será de respeito e ações voluntárias.
Onde impera o respeito não há espaço para discórdia, intolerância, abusos, chantagens, exibicionismo, imposições.
Esse é meu retrato atual do céu, do lugar dos remidos. Para mim é ausência de medo, de preconceitos, de ódio, de insegurança, de exploração, etc.
Talvez eu não chegue a cantar no céu porque não aprendi a cantar aqui, mas respeitarei os  que cantam.  Talvez eu prefira andar a pé no céu, como prefiro andar aqui, mas serei respeitado pelos que andam de carro e os respeitarei também. Talvez eu prefira estudar, viajar, participar de ambientes acadêmicos, como prefiro aqui, mas cooperarei com o agricultor, com o artista, com o construtor etc., procurando amenizar o esforço de cada um. Talvez juntos partilhemos do ócio produtivo.
Este é meu retrato do céu, ou melhor, retrato da Nova Terra como consta no Apocalipse (Ap 21).
Antonio Sales                                        profesales@hotmail.com
  Campo grande, 12 de outubro de 2013.




5 comentários:

  1. Deus permita que assim seja.

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  2. Certa vez, conversando com uma pessoa da igreja sobre este assunto, ouvi que o céu será um lugar calmo, de paz, e que se não estivermos acostumados com isso, com certeza não será um lugar para nós (ou para mim, já que era eu que estava escutando).
    Confesso que o céu, onde só toca harpa nunca me agradou, e fiquei aliviada quando li seu texto, principalmente por não ser a única a pensar assim.
    Gisele.

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