Tenho
vontade de viver uma vida equilibrada, dinâmica e segura, mas se o equilíbrio for
impossível, prefiro o estresse ao comodismo. Gostaria de fazer tudo conforme as
normas de uma vida saudável, de uma vida com boa qualidade, mas, se isso for
impossível, prefiro o cansaço à ausência de afazeres.
Em
recente viagem que fiz a Montevidéu, encantado com a organização do trânsito, com
a aparente tranquilidade das pessoas que caminham sem pressa, perguntei a
alguém de lá se havia favela na cidade. Queria saber se tudo funcionava bem por
lá ou se aquela tranquilidade era apenas para alguns. Temos favela, disse a
pessoa, e fica no morro. Em seguida, supondo que eu estivesse interessado em
visitar o local, acrescentou: não aconselho que visite sozinho. É muito triste
ver pessoas morando em casas com paredes de lata em um local sem saneamento
básico. É também um local perigoso. Concordei mas fiquei pensando: e se eu
tivesse perguntado pelo cemitério, o que ela me diria? Guardei a pergunta.
Quando em
2012 visitei Sucre, a capital constitucional de Bolívia, encontrei um casal de
brasileiros, ambos professores. Ela, professora de História, recomendou que
visitasse o cemitério da cidade. É uma fonte histórica, disse ela. Segui o conselho
e encontrei um local luxuoso onde mesmo depois de mortas as pessoas se
diferenciam pelo poder aquisitivo que tinha ou que os familiares mantêm. Os
mausoléus enfeitados e bem cuidados transmitem uma mensagem de poder, refletem
as profundas diferenças sociais passadas e presentes.
Porém,
enquanto estava lá senti um tédio profundo. Cemitério não tem vida, ele é
nostálgico. Ele fala do poente da vida. Sua "poesia" é saudosista.
Prefiro o
fervilhar de uma favela. Deve ser por isso que os desabrigados preferem se
aglomerar na encosta de um morro, correndo o perigo de um desabamento, a armar
as suas barracas entre os túmulos de um cemitério. O estresse é preferível ao
tédio.
Em
Assunção, capital do Paraguai, visitei, em 2011, o museu paleontológico. Fiz uma visita rápida
e à saída disse para o meu filho: esse museu deve ser muito importante, mas me
causa desconforto. Prefiro o fervilhar da vida aqui fora. Senti o mesmo desconforto em 2013 quando visitei as Catacumbas
de São Francisco em Lima, Peru.
Em Punta
Arenas, no Chile, visitamos meu filho e eu, a "pinguinera". No entardecer os Pinguins de Magalhães saem do Oceano Pacifico rumo às
tocas em terra firme. Estão agitados, alegres, e era época de procriação.
Fiquei encantado com a vida naquele ermo. Meus olhos não se cansavam de ver o
movimento, a marcha dos pinguins. A vida me atrai.
O melhor
seria o equilíbrio, a alternância entre estresse e descanso, mas na ausência
dessa hipótese o estresse é preferível. É preferível ter um ataque cardíaco
provocado pelo estresse, a morrer em longa velhice olhando para traz e dizendo:
nada fui ou nada fiz.
Possivelmente
muitos discordarão de mim, mas saibam que também discordarei deles. Muitos
compartilham das minhas ideias, são parceiros numa vida produtiva. É graça aos
que não se acomodam que temos aviões, carros, bicicletas, computadores, energia,
água encanada e tratada. É graças aos
que não se acomodam que temos cura da muitas doenças, técnicas cada vez menos
invasivas de cirurgia, sofisticados equipamentos hospitalares, pesquisas em
abundância, escolas para todos e direitos nunca dantes imaginados.
Pelos que
preferem a calma sepulcral e a ausência de estresse talvez ainda estivéssemos
caçando para sobreviver e morando em cabanas cobertas por couro de animais ou
folhas de palmeiras.
Sonho com
uma vida calma, equilibrada, com um ritmo produtivo não estressante. Porém na
ausência de tudo isso prefiro o estresse.
Entre o
cemitério e o morro agitado, prefiro o morro.
Claro que viveria melhor se o movimento fosse mais ordenado e menos
cansativo. Se não houvesse favelas seria bem melhor.
Campo grande, 12 de outubro de 2013.
Antonio
Sales
profesales@hotmail.com
Olá, professor Antônio Sales. Concordo contigo que a vida, movimento, ações, pensar, contribuição, questionamentos são " predicados" ligados diretamente a ti. Lugares que não transmitem vida, realmente não condiz com tua pessoa. Sempre que leio o que postas te vejo assim: movimento e vida. Belo texto. Antídoto para os mortos vivos. Abraço!
ResponderExcluirObrigado por suas palavras, Mariza.
ResponderExcluirAbraço dominicano, isto é, de Santo Domingo, República Dominicana onde me encontro agora, participando de um evento científico.
Sales, és um homem gentil. A cada dia me parabenizo por ter o privilégio de ter contato contigo, mesmo sendo virtual. Felicidades. Abraço!
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