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domingo, 29 de abril de 2018

A DIFERENÇA QUE UM DIA FAZ (O Sábado e seus Efeitos)


Na realidade é a crença de que  esse dia  é mais importante do que o outros que me leva a tratar desse assunto. Não tenho interesse em ser desrespeitoso para com que tem essa crença, (eu mesmo já partilhei dela) quero apenas produzir reflexão sobre o assunto. A mesma reflexão que fiz muitas vezes na minha vida sobre esse assunto.
Sempre que faço esse tipo de reflexão e partilho-a com o público fico temeroso de que alguém que tem firme convicção, mas não está preparado para o embate, possa ter a sua fé destruída e não é essa a minha intenção. Também temo que esse partilhar possa acirrar os ânimos e eu possa ser interpretado como um inimigo da fé.
Nada disso está em pauta aqui.
O dia a que me refiro é o sábado. Já escrevi sobre ele algumas vezes e o leitor pode encontrar esses textos nesse mesmo blog. Em cada oportunidade focalizei-o sob um aspecto diferente. Hoje quero falar das oportunidades que ele nos rouba.
Muito pai de família fica desempregado por meses a fio porque toda proposta de  emprego que lhe aparece precisa trabalhar no sábado e ele teme a maldição de Deus se o fizer. Sofre de dois modos, ou melhor, sob duas formas de pressão. Por um lado está a sua família necessitando do seu ganho e isso o faz sentir desamparado, frágil. Por outro lado há a pressão da crença de que trabalhar nesse dia é falta de fé, é fraqueza. Tenho pena desse pai de família.
Muito jovem cujo pai não partilha de mesma fé, sente essa mesma pressão. Por um lado a família esperando que ele seja inserido no mercado de trabalho e ele mesmo almejando essa inserção, sabendo quanto mais tempo demorar mais difícil será essa inserção, e por outro lado a pressão da crença de que trabalhar é falta de fé, é fraqueza. É a pressão da “fé”.  
Muitos não suportando a pressão da necessidade de trabalhar cedem e depois podem acontecer duas coisas. As duas foram presenciadas por mim em momentos e pessoas  diferentes, evidentemente.
Uns sobrecarregam-se com sentimento de culpa e sofrem com isso até que consigam uma condição mais favorável em que possam voltar ao convívio dos que guardam o seu dia sagrado e a partir de então se tornam fugidios, esguios, sentindo-se indignos de participar ativamente das atividades da comunidade religiosa a qual pertencem. Sua “fraqueza” o acompanhará para sempre.
Outros, de igual modo, sobrecarregam-se com sentimento de culpa e sofrem com isso até que consigam uma condição mais favorável em que possam voltar a convívio dos que guardam o seu dia sagrado, mas a partir  de então, tornam -se “fervorosos”, ativos, como forma de recuperar o passado, e até opressores daqueles  que mostram fraqueza diante de uma situação semelhante à que ele passou. Apelam fortemente para que tenham a fé que lhes faltou.
Vejo algumas contradições e fragilidades na instituição religiosa que os orienta. Uma delas é que enfatizam a  guarda desse dia, mas esquecem de trabalhar com os jovens o empreendedorismo que lhe traria uma certa autonomia econômica. Da mesma forma não trabalham diretamente valores necessários à sobrevivência nesse mercado competitivo, bem como valores  de relacionamento.
Esses jovens são orientados a não trabalhar de motorista no dia sagrado, mas podem alugar um ônibus para viajar no sábado para um evento. Não podem abrir o seu negócio de chaveiro nesse dia, mas podem contratar um chaveiro para servi-los nesse dia, se perderam a chave. Não podem abrir uma borracharia no sábado, mas podem contratar um borracheiro se o pneu do seu carro furar.
Nisso vejo uma contradição.
Os jovens perdem aulas e não são orientados ou estimulados a formar grupos de estudos para recuperar esse conhecimento. Não aprendem o cooperativismo e o valor do conhecimento. Quando perdem prova solicitam que os professores criem um horário extra para atendê-los.
Curioso em tudo isso é que as pessoas  são tolerantes para com esse povo, mas eles continuam considerando-se exclusivos filhos de Deus e que os outros são mundanos.
Há muito a debater sobre esse assunto, mas pretendo fazer uma pausa aqui. Concluo falando da minha estranheza com relação à indiferença da instituição que prega a observância rigorosa desse dia para com as dificuldades das pessoas diante dos desafios da sobrevivência. Falta um debate sério e respeitoso sobre isso com os membros. A proposta é não se limitar a dar receitas ou produzir culpas em que quem tem dificuldades para operacionalizar as demandas da vida diante da exigência de guardar o sábado, mas produzir autonomia moral para decidir em cada caso qual a melhor solução.
A fé é necessária, mas não pode ser irracional e nem cega diante das necessidades da vida.
Antonio Sales
Campo Grande, 20/04/2018

sábado, 14 de outubro de 2017

O PROFESSOR QUE EU QUERIA SER




Ser Professor não foi a minha primeira escolha. Aliás, nem foi escolha.
Na vida não escolhi muita coisa. Fui me infiltrando algumas vezes, sendo empurrado em outras e acolhido em outras tantas, apesar das dificuldades. Tornei-me o que foi possível naquelas circunstâncias. Não posso culpar nada ou ninguém por isso. Posso apenas tentar colocar as coisas em seus devidos lugares.
Minha infância e juventude foram passadas trabalhando na zona rural, como agricultor. Longe da cidade, longe da escola, evitando o contato com pessoas e povoados e forçado pelas circunstâncias a fazer o que não teria escolhido fazer. Foi assim que gradualmente fui sendo dominado pela pobreza, pela timidez e pela desesperança. Em razão disso não me tornei  muito protagonista na juventude. Só com a idade adulta fui rompendo barreiras internas e externas. Dessa forma, posso dizer que comecei a viver tardiamente. Cheguei atrasado a quase tudo e cheguei onde estou graças ao muito apoio recebido de pessoas que apostaram em mim mesmo que, aparentemente, eu não corresponderia.
Sem nenhuma experiência como aluno, sem ter frequentado a escola na educação básica, tornei-me professor rural em um contexto de erros e acertos, de falta de escolha, logo após concluir os exames de Madureza Ginasial.  Percebi, em seguida, que essa seria a minha melhor opção, que começara encontrar o cainho a ser percorrido. Quando assumi que seria professor veio-me a preocupação em como me tornar um bom professor.
Como não tive exemplos, por não ter sido aluno na educação básica, esse relacionamento professor-aluno foi uma construção dolorosa para mim e para eles. Tateava no escuro tentando adivinhar qual seria o passo mais seguro. Quando me tornei professor de Matemática a minha maior questão era: por que o aluno precisa aprender a matemática que ensino?
Ainda tateio no escuro, mas já encontrei algumas respostas e elegi alguns bons professores como exemplo. São colegas e ex-colegas de trabalho que não vou nomeá-los para não correr o risco de omitir algum a magoar alguém. Mas, são exemplos para mim. Considero-os bons professores e em nome deles homenageio os professores neste dia 15/10/2017.
Passei os meus 45 anos de profissão pensando sobre o que seria um bom professor e venho me convencendo que um bom professor:
a)       se preocupa com o aprendizado dos alunos e procura por metodologias alternativas;
b)       procura fazer o aluno pensar sobre o que ensina e deseja que ele aprenda;
c)      não desperdiça oportunidade de viver e ensinar a ética;
d)      não se cansa de investir  nos alunos e nas famílias deles;
e)      sabe que ser um bom profissional depende do seu compromisso com a causa da educação;
f)        sabe que para realizar um bom trabalho precisa de algo mais do que vontade e compromisso, precisa de um contexto favorável, isto é, uma gestão comprometida com as questões pedagógicas e com as questões éticas;
g)      sabe que para realizar o seu trabalho com eficiência precisa estar inteirado dos debates sobre as questões didáticas relativas à disciplina que ensina;
h)      sabe que precisa ser político sem ser partidário, precisa expor as suas ideias com clareza, sem impô-las aos alunos. Procurará convencê-los pelo argumento respeitoso e procurará respeitar a opinião deles mesmo que seja necessário fazer correções no argumento apresentado. O respeito é fundamental nessa profissão;
i)        não se deixa abater pela negativas constantes e pelo desinteresse aparente dos colegas e alunos;
j)        sabe que não tem a solução para os problemas da educação, mas que é parte desses problemas e essa parte cumpre-lhe resolver;
k)      é um exemplo de estudo para o aluno e permite que o aluno perceba o seu prazer em estudar;
l)        sabe ser amigo sem ser colega do aluno;
m)    sabe debater ideias sem agredir e sem exigir que os colegas  concordem com ele;
n)      aprende a mediar conflitos e, sempre que necessário, defende o fraco, ampara o inseguro e orienta o desorientado.

Meu sonho é ser um BOM PROFESSOR
Professor Antonio Sales
Campo Grande-MS, 14/10/2017.

domingo, 31 de janeiro de 2016

CONSTRUINDO SOBRE A ROCHA



Jesus no seu afã de bem orientar os seus ouvintes contou uma parábola sobre edificadores (Mt 7: 24-27). Alguns, disse o mestre, edificam a sua casa sobre a rocha e outros, sobre a areia. A casa edificada sobre a rocha resiste aos vendavais, às enchentes, enquanto a casa sobre a areia oferece perigo constante aos moradores.
Ele enfatizou o perigo de construir sobre a areia ao dizer que a casa construída sobre a rocha redigiu aos embates das tempestades, portanto, oferece segurança e a outra, traz frustração, insegurança.
O que é construir sobre a rocha ou areia?
Algumas pessoas economizam cada centavo produzido até  que  consiga comprar um terreno, uma casa, ou pagar as prestações da casa própria até que fique plenamente quitada. Então construindo sobre a rocha. Os reveses econômicos não " derrubarão" a sua casa. Há aqueles que adquirem bens sem o devido planejamento para a quitação da dívida. Por um certo tempo podem até se dar bem, mas sempre haverá o temor de que um imprevisto possa derrubar a sua " edificação".
Alguns adquirem posses através de um trabalho pautado pela moralidade e pela legalidade, estão construindo sobre a rocha.  Outros, como facilmente se veem no caso de alguns políticos, adquirem posses por meios escusos, estão construindo sobre a areia. Alguns dos atuais terão a sua casa derrubada pelo sobro "da lava-jato"(*).
Destes, alguns precisam tecer uma grande teia de justificativas frágeis, gastar milhões com advogados que não os livrarão da queda, apenas a retardarão por um breve período. A avalanche parece ser maior do que o alicerce da “casa” pode suportar.
Dinheiro adquirido ilicitamente, diploma conquistado sem esforço,  casamento sem investimento, criação de filhos sem dedicação, exercício de uma profissão sem ética ou compromisso, são casas construídas sobre a areia. Traz sempre a insegurança de que a qualquer momento venham a ruir.
A arrogância, as intrigas, o exercício da má fé, são dunas de areia sobre as quais alguns constroem o seu projeto de vida. Por outro lado, o trabalho honesto, a aposta nas pessoas, a tolerância,  a honestidade e o respeito, são rochas sobre as quais se pode construir um projeto de vida sem perigo.
Yancey (**) escreve que o afastamento de Deus, que a sociedade moderna tem promovido, é uma areia sobre a qual estamos construindo a nova moralidade.
A desconfiança, a mentira e os interesses secundários e espúrios são areias para quem quer construir relacionamentos duráveis. Elevar o natural ao nível de sobrenatural, criando falsas divindades, é uma espécie de areia. Algumas ideologias políticas que enaltecem o personalismo, que centram em um ser humano as esperanças de um povo, tem se revelado ser uma areia sobre a qual têm sido construídas essas esperanças. Yancey diz que quando se entroniza o homem no lugar de Deus ao invés de elevar o homem, tem produzido o efeito de degradar o ser humano. Os países totalitários tem revelado isso. Também é possível ver isso em países não totalitários, mas com certo grau de simpatia para com esses regimes, comandados por pessoas com sede de poder, como é o caso do Brasil.
Hoje vemos que o ídolo, esperança do povo, está em baixa. 
Campo Grande, 30 de janeiro de 2016.
Antonio Sales
(*) Operação desencadeada pela Polícia Federal em 2015 que envolveu políticos importantes. A sede da operação foi Curitiba (PR)e teve como juiz responsável o Dr. Sérgio Moro.
(**) YANCEY, P. Rumores de outro mundo: a realidade sobrenatural a fé. São Paulo: Editora Vida, 2005.

sábado, 16 de janeiro de 2016

CENAS DO DESESPERO HUMANO


Já escrevi neste espaço que prefiro ver a humanidade mais como náufraga do que como pecadora. Olhando-a sob a perspectiva de pecadora somos tentados a descrer das pessoas, acusa-las, culpá-las por todas as mazelas que presenciamos. Embora aceite que há pessoas que agem de má fé, não creio que elas representem a humanidade.
Olhando essa humanidade como náufraga é possível compreender melhor porque muitas pessoas boas agem de forma que nos surpreendem, sejam praticando atos bons ou maus. Penso que muitas pessoas agem da forma como fazem muitas vezes pela falta de expectativa, por não vislumbrar perspectiva melhor. É o que chamo de desespero humano e que encontramos retratados em alguns exemplos bíblicos citados a seguir. 
São pessoas que diante do naufrágio das suas esperanças se agarram a qualquer “destroço da embarcação”. Assim fez Eva ao agarrar-se a Caim como sendo o salvador da humanidade. Ela supôs que ele fosse uma benção de Deus para a humanidade e disse: “com a ajuda de Deus, o Senhor, tive um filho homem”(Gn. 4:1).
De modo semelhante procedeu Noé após o dilúvio. Ao sentir-se sozinho e, possivelmente, vendo os filhos com dificuldade para sobreviver e para agir conforme que deles era esperado, viu suas esperanças ruírem e procurou afogar-se no álcool para fugir do seu estado depressivo (Gn 9:20).
Outro retrato desse desespero aparece detalhado na história de Esaú é Jacó.
Esaú, o mais velho, via no irmão um rival poderoso por ser protegido pela mãe e cheio de manha, propenso a trapaças. Havia, portanto, fortes indícios de que ele herdaria a primogenitura. Desesperado, Esaú vendeu o seu direito, pois, mais vale um prato de lentilhas do que nada. Tinha "certeza" de que a sua causa era perdida uma vez que a mãe conspirava contra ele. Percebeu que o pai não teria chances de abençoá-lo. Sentiu-se um náufrago e se agarrou a um pequeno e frágil destroço (Gn 25:27-33).
Por outro lado, Jacó, “o filhinho da mamãe”, via que o pai era favorável a Esaú e que este era mais corajoso e aventureiro do que ele. Faltava a Jacó a robustez do irmão. A sua causa seria perdida se não usasse de astúcia. O destroço do seu navio seria a fraude, o engano. A isso se agarrou ele.
Rebeca que, ao que parece, administrava a fazenda da família via em Jacó o seu sucessor, o único interessado na manutenção da herança e agarrou-se a ele como única esperança de manter a sua velhice segura.
Isaque que, ao que parece, era homem pacato sentia-se eternamente "sentado à sombra do pai Abraão". O seu mérito era ser filho do patriarca e viu em Esaú o seu sucessor, a sua esperança  de ser respeitado, reconhecido.
As decisões tomadas não resolveram os problemas que enfrentavam, não trouxeram alívio, mas foi o que conseguiram fazer naquelas circunstâncias.
O desespero humano fica desse modo retratado nessas histórias bíblicas. Outros exemplos o leitor encontrará em sua leitura devocional se olhar a humanidade mais como náufraga do que pecadora.
Campo Grande, 16 de janeiro de 2016
Antonio Sales






sábado, 19 de dezembro de 2015

A ESPERA



Toda espera causa certo grau de ansiedade, porque esperar não é sinônimo de ter esperança.
Por vezes espera-se com esperança, mas muitas vezes espera-se contra a esperança ou apesar da falta de esperança. Esperar muitas vezes é insistir em não deixar “para lá”, insistir em não abandonar a luta mesmo com evidências pouco favoráveis.
Ter esperança implica em ter expectativa, certo grau de certeza, boa dose de otimismo, entusiasmo para enfrentar adversidades sem perder o foco. O verbo esperar traz implícita uma questão de sobrevivência, a insistência em continuar contra as evidências, uma necessidade consciente ou inconsciente de não desistir.
Esperançar revitaliza, esperar esmorece. Espera quem não tem esperança, porque quem tem esperança avança, vai à busca.
Esperar é triste, requer paciência, consiste em um teste de nervos, especialmente para quem aprendeu a realizar. Esperar também ode ser a justificativa de quem não está disposto a ir à luta. Esperar é desalentador para quem concluiu que não tem outra opção, que já não pode mais fazer o que antes fazia ou que depois de tudo feito só lhe resta essa opção.
Esperançar contém o germe da transformação, esperar contém o germe da desolação.
Sou um esperançoso, mas, por vezes, tenho que esperar.
Este ano foi um ano de muita espera, com poucas esperanças. Uma tênue esperança surgiu agora para ao início do Ano Novo. Desde o início deste ano tive momentos de desesperança, momentos de esperança e momentos de espera. A espera está chegando ao fim e a esperança ficará ainda um tempo lutando contra a aceitação da sina. Uma sina não necessariamente má, mas implacável porque ligada ao tempo e este é implacável.
Aposentei-me compulsoriamente  em junho deste ano, logo depois que  foi aprovada a lei dos 75 anos para os ministros do Supremo e um Senador propôs uma lei que a estende para todos os servidores. Essa lei gerou expectativas, produziu esperança. No entanto, sofreu reveses e depois de tantas reviravoltas, que geraram esperanças e desesperanças,  entrou em vigor no dia quatro  deste mês de dezembro. Agora chegou o fim da espera. Resta entrar em ação e requerer a nova inclusão no quadro efetivo, o que já está sendo feito, portanto, surge a esperança. Mas, há nuanças no mundo jurídico que nós não entendemos e, portanto, há a possibilidade da esperança ceder lugar à aceitação obrigatória da sina. De qualquer forma, não desisti, não vesti o pijama, continuei atuando como colaborador, fazendo projetos, orientando mestrandos, escrevendo e  reescrevendo a história.
Que venha 2016 para que saibamos o que acontecerá. De qualquer forma, ter vivido até aqui foi uma vitória, ter você como amigo foi outra vitória. Ter família, trabalho e saúde foram bênçãos incalculáveis.
Que 2016 traga a você também muitas esperanças e que não precise esperar muito.
Prof. Antonio Sales
Campo Grande, 18 de dezembro de 2015.