Translate

domingo, 26 de fevereiro de 2012

É POSSÍVEL SATISFAZER A DEUS?


A pergunta tem por base a minha formação religiosa. Tendo uma vasta experiência no meio evangélico fico me perguntando se, na perspectiva evangélica, Deus um dia ficará satisfeito com a igreja (ou Sua Igreja, como se costuma dizer). Tenho a impressão de que Ele estabeleceu um padrão alto demais e que aguarda ansioso o momento de afirmar "nunca vos conheci" (Mt  7: 23).
Fico preocupado com essa abordagem porque já visitei várias igrejas, de denominações diferentes, e sempre ouço o mesmo discurso culpabilizante.  Em todos os discursos vejo os pregadores partindo do pressuposto de que a igreja, isto é, o conjunto de membros não tem vivido à altura das exigências divinas. É como se ele buscasse desculpa, ou uma explicação fora de si, para o seu insucesso pastoral.
Tem-se a impressão de que ele (o pastor ou líder local) teria que acertar sempre, foi preparado teologicamente para isso e recebeu uma unção tão capacitante que o impede de falhar. Ele não é, e não pode ser, humano, isto é, não pode falhar.
O insucesso é sempre dos membros. Nunca do pastor ou de Deus.
Quando, ao longo do seu trabalho, percebe que os resultados 
não são satisfatórios, isto é, não correspondem ao esperado ou ao que lhe é cobrado procura culpabilizar  a igreja.
 A situação tem muita semelhança com a experiência vivida pelos professores. Eles foram "preparados" para ensinar (entende-se: fazer aprender) a todos os alunos e quando não conseguem entram em desespero e procuram culpados por toda parte. Os professores, ao que parece,  são menos agressivos porque são poucos os que falam diretamente para os alunos que eles são os culpados, os fracassados.
Na igreja, os pregadores são mais ousados. Eles afirmam categoricamente que a igreja é a responsável pelo insucesso do seu trabalho, pelos alvos não alcançados, pelo pouco sucesso nos batismos ou no rendimento dos dízimos e assim por diante.
De forma não muito velada afirmam que Deus está frustrado com a Sua igreja. Alguns são mais ousados e aplicam o apocalipse (Ap. 3: 16) afirmando que a  igreja será  vomitada por Deus. Dessa forma, sem pensar no que dizem,  acabam confessando serem profissionais fracassados porque não conseguem alcançar o alvo proposto que é motivar a todos, aperfeiçoar a todos, "curar" os espiritualmente enfermos  e assim por diante. Assinam, em cada sermão, um atestado de incompetência.
Assinalam em seus discursos uma das cinco alternativas abaixo:
1. O Deus a quem servem não está ativo e não mais modifica as pessoas;
2. O Deus a quem servem é um carrasco e está mais interessado em ver a igreja se perder do que em ajudar  na motivação e orientação dos membros;
3. Ele (o pastor) é um profissional incompetente e  não consegue produzir impacto na vida dos membros;
4. A igreja é composta por pessoas sem compromisso com a verdade ou com os bons costumes;
5. A instituição para a qual trabalham não tem um programa que corresponda ao que os membros necessitam.
Qualquer que seja a opção escolhida ela recai na incompetência pastoral. Por que  ele não busca um Deus mais sensível aos problemas humanos ou mais atuante? Qual  a  razão dele não reconhecer o esforço e a dificuldade pelas quais os membros passam para praticar o que lhes é ensinado? Por que  permanece ligado a uma instituição espiritualmente falida?
Parecem  incapazes de compreender que a vida não é fácil para ninguém. Que há muita gente se esforçando sem conseguir alcançar o patamar que deseja. A maioria está aquém do esperado por dificuldades e não por falta de vontade.
Penso que seria mais prudente animar a igreja do que ficar fazendo acusações ou pressupondo má vontade dos membros. Creio que falta muita orientação para os membros, faltam sermões menos acusatórios e mais esclarecedores, menos carregados de ideias preconcebidas  e mais plenos de palavras de orientação (não doutrinação).
Alguém acertadamente afirmou que a religião se nutre da culpa dos seus adeptos. Pelo menos coincide com o que tenho observado ao longo desses anos de vivência em uma igreja.
Tenho observado que não se medem esforços para "provar" que algo está errado na igreja ainda que não se saiba identificar o que é. Tenta-se por todos os meios "provar" que os membros mais se afastam do que se aproximam do ideal. E como se caminhassem em marcha-à-ré.
Diante desse quadro que, para mim, se afigura maléfico tenho várias perguntas a fazer. O que pergunto é: Deus realmente é um eterno insatisfeito ou é o quadro que pintamos Dele que é caricato? Deus não conhece as dificuldades humanas ou simplesmente é um carrasco? Os pastores não sabem o que estão falando ou sabem e são maldosos? Os membros são pessoas carregadas de boa  vontade e, ao mesmo tempo, repletas de dificuldades ou um bando de pessoas sem compromisso? Como os membros são felizes com essa carga de culpa? Ou será que eles não entendem que é deles que os pregadores falam?
Deixo com o leitor as respostas.
Jateí, MS, 26 de fevereiro de 2012.
Antonio Sales                  profesales@hotmail.com

domingo, 19 de fevereiro de 2012

JUDÁ E TAMAR: UM EXEMPLO DE HOMEM JUSTO


Este é o quarto capítulo desta série que teve como motivo a experiência de Judá e Tamar, relatada em Gên. 38. Desta vez focalizaremos a justiça de Judá.
Apesar de estar adaptado às práticas da época, sentiu culpa por ter induzido sua nora ao erro, por tê-la forçado a um ato de subserviência. Repugnava-lhe ser opressor. Só procedia assim nos momentos de fraqueza, quando a carne dominava o espírito, quando a fé cedia lugar ao status. Creio que é por isso que o seu nome ainda permanece no rol dos salvos.
Creio também que Tamar se atreveu a recorrer ao expediente execrando porque tinha confiança no senso de justiça do sogro, pois caso contrário sua morte era certa e de nada valeria o expediente - a menos que estivesse vivendo na mais extrema penúria, que a miséria fosse tamanha, que morrer ou viver lhe  fosse indiferente. Mas se fosse esse o caso ela teria esperado pelo pagamento. Vê-se, portanto, que a sua intenção era defender o seu direito,  receber a herança, sensibilizar o sogro. E ele foi sensível, reconheceu o apelo da nora e fez-lhe justiça.
Judá era irmão de Levi e Simeão, no entanto não tomou parte na traição feita por seus irmãos a Hamor e seu filho Siquém  por ocasião do desrespeito a Diná. Salvou a vida de José, não permitindo que seus irmãos o matassem e sugerindo que o vendessem aos ismaelitas. Diante de José, no trono do Egito, prontificou-se a ficar preso no lugar de Benjamim e sua demonstração de lealdade comoveu José e o convenceu a dar-se a conhecer a seus irmãos. Apesar de tudo, apesar das suas fraquezas, ele estava entre os melhores homens do seu tempo.
Jesus disse: “Em verdade vos digo que, se a vossa justiça não exceder em muito a dos escribas e fariseus, jamais entrareis no reino dos céus”[1].
Se não formos mais justos do que as pessoas do nosso tempo, mais honestos do que eles, um melhor cristão do que aqueles que frequentam a igreja conosco não herdaremos o reino.
Como esse senso de justiça só se implantará em nosso coração quando ele for habitação do Espírito Santo, necessitamos de uma comunhão diária com Cristo. Só estabeleceremos uma correta ordem de valores, se tomarmos a Bíblia como regra de prática.
Esses valores só serão cultivados por nossos filhos se virem o nosso exemplo e se os reforçarmos com nossos conselhos.



[1] Mat. 5:20

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

JUDÁ E TAMAR: A VINGANÇA DOS OPRIMIDOS


Continuando nossas reflexões com base na experiência de Judá e Tamar,  relatada em Gên. 38, hoje falaremos sobre a vingança dos oprimidos.
 Os oprimidos sempre recorreram e recorrerão a subterfúgios, os mais estapafúrdios, humilhantes às vezes, para sobreviver - uma forma de se vingar dos opressores. Bajulação, prostituição (com as DSTs), subserviência e fraudes, são expedientes utilizados em prol da sobrevivência. Os brasileiros sonegam os impostos porque se sentem massacrados pelos administradores (é a sua vingança), vendem o voto pelo mesmo motivo. Os filhos quando severamente criados, mentem, fogem, roubam dos próprios pais, odeiam-nos. As mulheres (no passado não muito distante) sempre recorreram a expedientes os mais estapafúrdios porque sempre foram inferiorizadas, massacradas, injustiçadas, tidas por incapazes de administrar. Chegou-se criar um anedotário específico a respeito das mulheres, sempre enfatizando a sua sagacidade em ludibriar os homens; e esse anedotário apesar de exagerado não é totalmente falso ou fantasioso, elas realmente se especializaram nisso. Era sua condição de sobrevivência.
Tamar recorreu à prostituição para receber a herança que tinha por direito. Sabemos que o casamento, o estar sob o domínio de um homem, ter filhos era a única herança das mulheres, na época, e isso lhe havia sido negado, pela morte de um, pela maldade do outro e pela indiferença do terceiro (o sogro).
Ludibriou o sogro como forma de receber a herança. Imaginem só, alguém ter que recorrer a procedimentos menos dignos para sobreviver.
Parece coisa de outro mundo, onde os homens são bárbaros e as mulheres coniventes com a situação. Um mundo de homens vaidosos e mulheres acomodadas. De homens dispostos a pagar para serem amados e mulheres dispostas a vender o seu carinho. De homens dispostos a dominar pela força, pela prepotência, e de mulheres dispostas a dominar pelo subterfúgio. De homens dispostos a explorar o corpo das mulheres e mulheres dispostas a explorar a vaidade dos homens.
É difícil acreditar que vivemos nesse mundo; mundo onde ser honesto é ser candidato a passar fome, é ser cafona. Mundo onde se tem que omitir verdades para sobreviver.
Não é sem razão que muitos se tornam paranóicos; é a fuga, é a negação da sua condição de cidadão dessa sociedade. Às vezes penso que muitos loucos se tornam o que são como um recurso para não enlouquecerem.
Oh! como eu desejaria viver noutro lugar. Lugar de respeito, de verdade, de justiça, onde a ética e a moral reinassem soberanas. Onde se pudesse viver num clima de confiança e tranquilidade, onde se pudesse olhar nos olhos do próximo sem que ele tivesse que sentir-se vexado por isso. Onde se pudesse falar e ser acreditado; ser espontâneo sem medo de retaliações. Onde cada um pudesse cumprir os seus deveres sem ter que preocupar-se com os seus direitos.
 Oh!, que venha logo esse mundo, que se inicie logo essa nova era, essa nova sociedade.
Este era também o desejo do profeta que suspirou: " Vem, Senhor Jesus"[1].
Nova Andradina, 14 de fevereiro de 2012.
Antonio Sales   profesales@hotmail.com


[1] Apoc. 22.20

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

JUDÁ E TAMAR: FRUTOS DO SEU TEMPO


No texto anterior falamos, inspirados em Gên 38, do tempo de Jacó, da concepção de feminilidade que tinham os  homens da época. Falamos da situação desfavorável a que eram submetidas as mulheres, dos seus “direitos”, da sua função na sociedade.
O homem é produto do seu tempo, da sociedade onde vive. Naquela época era permitido o homem se relacionar com várias mulheres, no entanto, a mulher que se relacionasse com mais de um homem seria tida por prostituta.
Jacó era um homem adaptado à sua época. Para ele era normal se relacionar com alguma prostituta. Era viúvo e por isso sentiu-se liberado para tal ato, desnecessário. Um ato praticado apenas para mostrar a sua virilidade, uma vez que, com certeza, teria se casado outra vez caso desejasse ter um compromisso mais sério e um relacionamento mais afetivo e efetivo. Se as mulheres, na época, dependiam do nome de um homem para ter a sua identidade  reconhecida, certamente ele teria encontrado não uma apenas, mas duas ou três, jovens até, que desejassem o seu amparo e se habilitariam a um casamento com ele. Mas lhe dava status, talvez, dizer que esteve com uma prostituta. Ou, quem sabe, dizer numa “roda” de amigos, que explorou uma mulher. Ou ainda dizer que as mulheres estavam à beira da estrada esperando por ele, mendigando a sua afeição. No entanto, a sua nora, também viúva, foi ameaçada de morte por ter recorrido a esse expediente como último recurso à sobrevivência.
Ainda hoje apesar de todo o prestígio conseguido pelas mulheres, apesar de terem dado provas sobejas da sua capacidade administrativa, de estarem proclamando alto e bom som que já não são mais simples objetos de cama e mesa, ainda há homens (felizmente já são poucos) que se recusam enxergar o mundo de outra forma, e, lamentavelmente ainda há mulheres que não acordaram para os novos tempos, para a oportunidade de ter a sua própria identidade.
As igrejas evangélicas desde o seu início reconheceram o valor da mulher e os homens foram, de forma indireta alguns vezes e diretamente outras vezes, admoestados a dar à mulher o seu devido espaço - o que elas souberam ocupar com muita dignidade.
 Hoje temos pastoras, uma evidência de que nós também somos homens adequados ao nosso tempo. Se nada tínhamos contra a participação da mulher por que não a incentivávamos? Simplesmente porque a sociedade não o fazia. Se a mulher tinha o seu espaço por que não o ocupava plenamente? Porque a sociedade não considerava importante, não estimulava.
Dizem os noticiários que os homens estão com a “pulga atrás da orelha” porque estão sentindo-se desprestigiados, ameaçados pelo avanço das mulheres. Penso que isso é, pelo menos em parte,  verdade porque até há pouco os homens, especialmente os machistas, tinham razão econômica para existir. Eles sustentavam a casa, e davam nome à mulher. Faziam dela uma cidadã. As mulheres tinham como razão prática para existir, a maternidade, o fornecimento da matriz para a formação do filho e o aleitamento dele. Só o homem podia fazer uma coisa e só a mulher podia fazer a outra. Os tempos mudaram. A mulher já consegue ser provedora e o homem ainda não consegue ser matriz. Parece-me que para os homens resta apenas uma razão simbólica para existir, enquanto as mulheres tem agora também uma razão econômica para a existência.
Apesar disso acredito que ainda há espaço para o homem que consegue ser um símbolo, pois a humanidade ainda tem necessidade de símbolos. Talvez agora homens e mulheres tenham encontrado a verdadeira razão para a existência mútua, um ao lado do outro.  Talvez agora, nós homens, tenhamos encontrado o nosso verdadeiro sentido.
 Ser símbolo é ser representante, e o homem está presente na família como sacerdote, representante de Cristo, mediador entre Deus e a humanidade. Ele simboliza o poder fecundante do Espírito. Do Espírito que fecunda mentes e corações com nobres ideais, que fecunda a igreja com novos conversos a cada campanha de evangelização. Lamentavelmente o homem não foi educado para isso, para ser esse tipo de símbolo.  Foi moldado para a rudeza, para reprimir as emoções. Foi moldado para trabalhar e pagar para ser amado. O homem, durante séculos, tem sido símbolo de frieza e de arrogância, um verdadeiro desvirtuamento do seu papel. O homem agora precisa aprender a unir opostos tais como: força e sensibilidade, coragem e mansidão, valentia e suavidade, simplicidade e prudência. Ele precisa ser símbolo de Cristo, o mediador entre Deus e a humanidade, portanto, precisa aprender a doçura sem perder a varonilidade, orientar sem ditar regras, se fazer respeitar sem impor medo; enfim, conquistar o amor e não comprá-lo.  O homem não pode mais sentir-se realizado com o ato de pagar para ser amado.
Diante disso uma tarefa difícil se impõe agora sobre nossos ombros, e temo não estarmos preparados para ela. A tarefa agora é aprender a conquistar o amor, é representar a Cristo em Seu exemplo de paciência, coragem e firmeza de propósito.
Aprender a ser símbolo.
Fato curioso. Os estudiosos do comportamento animal, intrigados com a falta de utilidade dos machos de algumas espécies, procuraram pesquisar outras possíveis razões para a sua existência. É que normalmente, o grupo em seu estado natural, é composto de 50% de machos e 50% de fêmeas. Mas os machos não cuidam dos filhotes, não protegem as crias, não as alimentam, não provém sustento para as fêmeas. Por que existem então? Observaram os pesquisadores, que nessas espécies a presença do macho é profundamente significativa para a fêmea. As fêmeas nem chegam a ovular, isto é tornarem-se férteis, se não têm contato com machos. Fêmeas colocadas em convivência com machos sexualmente inativos se tornaram também inativas sexualmente e só voltaram à atividade sexual quando passaram a viver em proximidade de machos sexualmente ativos.
É verdade que nem sempre é prudente comparar a psicologia animal com a psicologia humana, tendo em vista que o comportamento animal é instintivo enquanto o comportamento humano é social.  A observação desses pesquisadores, no entanto, parece-me apropriada, para esta ocasião, uma vez que o heterossexualismo ainda é o modelo mais comum.
De qualquer forma, porém, é necessário que nós, os homens, nos situemos no tempo porque as mulheres já se posicionaram.