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quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

NATAL E GRAÇA

Lemos no Evangelho Segundo Lucas (Lc 2:52) que crescia Jesus em sabedoria, e em estatura, e em graça para com Deus e os homens.   O significado de graça nesse texto sempre me importunou. O que é crescer em graça? Hoje sei que graça é uma palavra polissêmica. Em cada contexto tem significado diferente.
Em um ambiente de humor ela é usada para designar se a pessoa faz ou não os outros sorrirem.
Em um contexto de bate-papo informal uma pessoa sem graça é aquela que não participa da conversa, que não tem contribuição ou que se mantém “distante”.
Uma vida sem graça é uma vida monótona, rotineira, sem perspectivas de melhoras, sem um direcionamento explícito, sem desafios proporcionais à capacidade do sujeito.
Em um relacionamento de amizade sem graça é o sujeito chantagista, o que se indispõe com facilidade, o que quer escolher ou controlar as amizades do outro ou o que quer sempre ter preferência na escolha dos locais a serem frequentados.
 No relacionamento conjugal o cônjuge sem graça é aquele que não vibra com  sucesso do outro, não acha engraçado nada do que outro fala, nunca curte a família do outro, o que quer escolher ou controlar as amizades do outro, o que quer sempre ter a preferência na escolha dos locais a serem frequentados e, entre outras coisas, não participa de conversas entre amigos do outro. Há o outro lado também, o lado daquele que torna o relacionamento sem graça porque sempre culpabiliza, humilha, não coopera ou que nunca se faz presente.
Um relacionamento pleno de graça é marcado pelo diálogo, planejamento em conjunto, respeito mútuo, cooperação e tolerância.
Um relacionamento que perde a graça tende a se tornar irrecuperável porque as partes perdem a capacidade de dialogar.
Sem graça, portanto, é o sujeito que não sabe relevar pequenos deslizes, que fica à espreita de erros no outro, que se sente abatido porque as circunstâncias não lhe foram favoráveis.
Era a essa a graça que eu esperava encontrar nos livros, na religião, na família e não encontrei. Não encontrei porque, suponho agora, não estava preparado para encontra-la, não estava disposto a vivê-la, não abri os olhos para ver.
Hoje, mais maduro, encontro essa graça com mais facilidade. Encontrei-a lendo “Os Caminhos de Mandela”, “ Eu Sou Malala”, “ O Mestre dos Mestres”, “ Para Que Serve Deus?”, “Decepcionado com Deus”, “Culpa e Graça”, “ELA em Minha Vida: o difícil caminho do calvário”, “A Missão da Mulher” e “ Vida Positiva em Um Mundo Negativo”, entre outros.
Quando abri os olhos, a graça começou a se mostrar. O último livro citado foi o primeiro a me despertar para a graça no nível dos relacionamentos humanos.
 No plano espiritual a graça denota gratuidade, disposição divina para aceitar qualquer pessoa que busca a salvação. É nesse sentido que o Natal tem relação com a graça porque ele fala de um amor maior e de uma disposição para buscar o perdido. Traz uma mensagem de aceitação e, supostamente, coloca todos os homens no mesmo patamar diante de Deus. O Natal nos diz que somos valiosos, que somos irmãos e que devemos promover a cooperação.
Por tudo isso o Natal é uma mensagem de graça.
Que todos tenham um Feliz Natal e um Ano Novo cheio de graça.
Antonio Sales                     
Campo Grande, 19 de dezembro de 2013.

domingo, 15 de dezembro de 2013

BALANÇO DE FIM DE ANO



Ao nos aproximar do Natal e do Ano Novo é comum fazermos um inventário da nossa vida. Fiz isso e começo a partir de uma passagem dos evangelhos.
Há nos evangelhos a história do encontro de Jesus com um jovem rico (Mt 19: 16-22) que lhe perguntou o que deveria fazer para herdar  a vida eterna. Depois de expor para Jesus tudo o que tinha feito de bom perguntou: o que me falta ainda? O Mestre lhe respondeu: “só uma coisa de falta”.
Por muito tempo essa questão me importunou. Certa vez em que fracassei, como líder de uma comunidade, sem conseguir motivar as pessoas a abandonar os mesquinhos conflitos entre amigos e viverem em paz, comentei em um discurso, em forma de confissão: “já sei o que me falta para ter sucesso como líder comunitário; como ao jovem rico falta-me uma única coisa: capacidade”.
Continuei minha vida como estudante esforçado, profissional dedicado, esposo inseguro, pai sem graça e impaciente, avô fugidio e colega de trabalho dedicado, mas pouco simpático. Durante todo esse tempo uma questão me incomodava: o que me falta? Talvez falte uma única coisa, mas quanta falta me faz!
Por todo esse tempo desejei, como todos os outros, ter sucesso nos meus relacionamentos, mas sentia que faltava algo.
A pergunta do jovem rico ecoava diariamente em meus ouvidos: o que me falta ainda?
Hoje lendo um bem elaborado texto de Yancey sobre a “Maravilhosa Graça”(*) onde o autor ilustra um dos capítulos contando uma anedota que chamou a minha atenção e parece ter respondido a minha pergunta. Ele fala de uma jovem que havia ganhado um livro de presente de uma amiga e estava lendo no ônibus, a caminho do trabalho. Um senhor sentou-se ao seu lado e, curioso, quis saber o que estava lendo e se era interessante. Ela lhe mostrou o índice com a indicação de alguns capítulos: “Disciplina, Amor, Graça, ...”.
O senhor interrompeu-a para  perguntar: “o que é graça?”. Ela respondeu: “não sei, ainda não cheguei lá”.
Pronto, estava respondida a minha pergunta.  O que me falta é alcançar a graça, chegar nesse capítulo do livro da vida. Em outras palavras: sou uma pessoa sem graça, sem espontaneidade, rígida.
Ao longo da vida li sobre muita coisa, escrevi sobre muitos assuntos, experimentei muitas sensações, conheci muitos lugares e muita gente que admiro profundamente, mas não conheci a graça. Ao ler o livro da vida não cheguei nesse capítulo, em minhas visitas não encontrei ainda esse lugar, em meus estudos perscrutatórios não mergulhei nesse oceano, em minhas abluções não me banhei nesse rio, em minhas maquiagens não usei essa base, de todos os remédios que tomei nenhum tinha esse componente. A religião não me proporcionou essa experiência, a educação familiar foi carente dela, a educação formal me furtou essa oportunidade e as experiências da vida, as “estradas” trilhadas, me levaram onde ela não estava. 
Será que a graça não estava nos livros, na família, na escola ou na religião? Tenho pensado que o mais provável é que não tivesse olhos para vê-la ou estivesse sem disposição para incorporá-la. Tenho pensado que a graça esteve disponível para mim o tempo todo, mas eu, absorto com outras questões, passei por ela sem ver.
Sei que ainda não é muito tarde, mas muito tempo foi perdido. Deixei de me perdoar muitas vezes, tive medo de parecer fraco quando a fraqueza estava estampada no meu rosto. Muitas vezes temi o que “iam dizer”, quando nas pessoas dizem o que querem sem se preocupar com os meus sentimentos. Com os meus sentimentos quem deve se preocupar sou eu.
Talvez essa dificuldade de viver em plena graça esteja em minha genética, talvez seja influência da educação recebida, talvez tenha sido motivada pela religião praticada, talvez a experiência de vida tenha contribuído para me afastar dela, talvez, talvez, ..., mas uma coisa  me parece certa: em nenhum momento fui obrigado a esse viver sem graça.
Por último, descobri o que me falta; resta-me descobrir com superar isso.
Antonio Sales                                        profesales@hotmail.com
Nova Andradina,   14 de dezembro de 2013.

(*) YANCEY, Philip. Maravilhas Graça. São Paulo: Vida,2012.



domingo, 1 de dezembro de 2013

O PECADO QUE SE AGARRA EM NÓS



O apóstolo Paulo, preocupado, com o desenvolvimento daqueles a quem pregou  o Evangelho escreveu muitos conselhos sobre como conduzir-se na vida cristã. Um desses conselhos foi dirigido à comunidade dos hebreus (Hb12:1). Ele apela para que procurassem se desembaraçar "do pecado que se nos apega”, segundo uma versão bíblica, ou “que tenazmente nos assedia", “pecado que tão de perto nos rodeia” ou, ainda, “pecado que se agarra firmemente em nós”, segundo outras versões.
O que é desembaraçar do peso do pecado ou livrar-se do pecado que nos assedia?
Poderíamos trabalhar aqui com duas concepções de pecado.
Em primeiro lugar podemos pensar no pecado como um ato praticado intencionalmente. Um erro que se sabia de antemão que traria desconforto aos outros ou prejuízos às instituições.
O desinteresse pela justiça, a falta de preocupação com a equidade, o corporativismo exacerbado, a falta de ética no trabalho e a ausência de compromisso com o bem comum, são exemplos de falha na constituição do caráter, portanto, pecado, na concepção cristã. Esse pecado realmente nos rodeia de perto porque habita em nós.
É o pecado da maldade que o cristão deveria abandonar tão logo Cristo começasse produzir efeito em sua via, tão logo a religião começasse produzir a sua influência.
Deixar de ser fofoqueiro, por exemplo,  é deixar de  ser mau caráter. Abandonar as trapaças e tornar-se cidadão é corrigir a rota da vida, é desembaraçar-se do pecado. Do mesmo modo, deixar de lado a bajulação como modo de vida, abandonar o uso indevido de drogas, fugir da pratica da chantagem, aprender a agir com honestidade e disposição para cooperação é desembaraçar-se do pecado como falha do caráter.
Ha uma segunda concepção de pecado: a condição humana. Os percalços da vida que nos irrita e produz estresse. As situações de trabalho ou relacionais que trazem desgaste e produzem conflitos internos e externos. As diversas vezes que nos indispomos com alguém porque nossos interesses, embora nobres, são conflitantes; porque nosso entendimento da situação aponta para o sentido oposto ao do outro.
Quando defendemos uma ideia com a melhor das intenções, mas ela não interessa ao outros se instala um conflito provocado por nós (ou pelo outro) sem intenção de prejudicar ou de ferir. É o pecado como condição de vida, decorrente das nossas condições  de existência.
Nossa experiência de vida nos conduz para entendimentos particulares  muitas vezes e, outras  vezes, nos induz a julgamentos incorretos, nos incapacita para tomar decisões menos drásticas. Em alguns momentos ela nos predispõe à intolerância bem como a certos comportamentos e a irritações desnecessárias.
Nesses casos, desembaraçar-se do pecado é aceitar o perdão, se livrar do peso da culpa, aliviar a consciência culpada e avançar para o crescimento como pessoa e como profissional. Esses são os pecados ou as oportunidades que põem em prova a nossa formação ética e profissional, nossa capacidade de decidir. Eles nos provam, nos desafiam.
O apóstolo Paulo, ao apontar para o crescimento do cristão, tem em mente a necessidade de desvencilhar-se dos defeitos de caráter e também do sentimento de culpa decorrente de erros, não intencionais, cometidos.
Penso que é a esse processo de cura da  "alma" ferida e de correção do caráter que ele chama de desembaraço "do pecado que tenazmente nos assedia".
 Antonio Sales     profesales@hotmail.com
Dourados, 30 de novembro de 2013.

 
 
 

sábado, 23 de novembro de 2013

A CABEÇA E O CORPO (parte 2)




Em texto anterior escrevi sobre cérebros que se dão o direito de viver mesmo confinados em um corpo que podemos considerar sem vida, como é caso de quem sofre de ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica). O corpo fica rígido e imóvel, parece mesmo petrificado, mas o cérebro continua produzindo, sentindo, vivendo, amando, sonhando, requerendo o prolongamento da vida e, com a ajuda da tecnologia, se conectando com o mundo tanto familiar quanto o macro mundo das redes sociais.
Citei superficialmente os casos de corpos desgovernados, dos corpos que não cumprem as ordens do cérebro, mas que abrigam um cérebro cheio de vida. Um cérebro vigoroso que ama, sonha e, sobretudo, que não desiste de tentar comandar o corpo. São cérebros lúcidos, com alvos definidos, involucrados em corpos sem rumo. Cérebros que além de não desistirem da sua função de comando produzem verdadeiras pérolas de sabedoria. Não cedem diante dos obstáculos, insistem e lutam enquanto o oxigênio lhes abastecer.
Uma adolescente da APAE emocionava a todo ao falar do seu sonho em ser bailarina enquanto ensaiava uma dança tentando vencer a dicotomia entre a cabeça disciplinada e o corpo rebelde.
Recentemente li o caso de Herman Wallace, o homem que ficou preso por 41 anos em uma solitária americana. Durante os últimos 15 anos, diz a nota(*), ficou enclausurado uma média de 23 horas por dia em um espaço de 6 metros quadrados e sem contato afetivo com qualquer outra pessoa.
Uma situação como essa atrofiaria o físico e o cérebro de qualquer outra pessoa, mas não o de Wallace. Com os jornais que recebia mantinha-se atualizado, conectado com om mundo e ainda fazia exercícios de levantamento de peso para manter o físico em forma. Procurou manter correspondência com o exterior através de cartas e assim se manteve até que o câncer no fígado o levou ao hospital penitenciário.
Foi preso por pertencer ao grupo PPN (Partido dos Panteras Negras) que defendia o direito dos negros. Depois acusado de assassinar um guarda prisional foi cumprir pena na solitária.
Quando estava no hospital recebeu a notícia de que estava livre uma vez que não havia provas de que fora o assassino. Ao receber a noticia do alvará de soltura inicialmente não acreditou e depois disse apenas: "agora estou livre". A sua advogada informou que ele manteve a compostura, técnica que desenvolvera para sobreviver e, momentos depois, acrescentou: "o isolamento é a pior coisa que podem fazer a um ser humano".
Muitos suicidam na solitária usando métodos rudimentares, mas o cérebro de Wallace se recusou a morrer, recusou ceder o seu espaço e manteve o controle da situação ainda que extremamente adversa. Ele decidiu que era melhor viver mesmo sofrendo injustiça, do que fugir da vida para não ver a injustiça.
Gosto de ler sobre pessoas que não desistem. Aprecio ainda mais aquelas que superam as dificuldades físicas ou sociais como também os contratempos emocionais e, finalmente, se apresentam sem magoas. São pessoas adultas de verdade e eu as invejo. Desejo imita-las, embora sem muito sucesso. Não obstante, elas são o meu modelo, a minha inspiração. São os meus ídolos.
Antonio Sales                 profesales@hotmail.com
Campo Grande, 04 de outubro de 2013.

(*) A história do homem que passou 41 anos na solitária nos EUA. http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/10/131003_confinamento_prisao_rp.shtml. Acesso em 04/10/2013.