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sábado, 27 de julho de 2013

O FORMALISMO RELIGIOSO E SEUS EFEITOS DANOSOS



Nas ciências o formalismo é inevitável. Todo produto de pesquisa que não for sistematizado fica carente de validade. O conhecimento científico deve ser apresentado  na forma prevista pelas normas, deve ser institucionalizado, portanto, formal.
Mas o formalismo tem também o seu aspecto negativo. Se uma pessoa tentar começar uma pesquisa pela forma sistemática pode correr o risco de não começar. O começo nunca é totalmente formal; ele parte de incertezas, do aparente caos, de questões que intrigam pela falta de respostas. Os passos iniciais da pesquisa são titubeantes e, embora, tenhamos hipóteses ou objetivos traçados os dados não são dados (o trocadilho é pertinente), são construídos pelo pesquisador. As informações não estão organizadas, os objetos não estão em ordem e os sujeitos nem sempre falam o que o pesquisador esperava ouvir. Enfim, os dados estão imersos em um mundo de informações e, frequentemente, dispersos nas diversas fontes. Os dados não se mostram, quase sempre estão ocultos e somente o olhar atento do pesquisador pode desvelá-los e dar-lhes identidade.
Não se começa uma pesquisa pela forma, mas pela falta de forma. Pesquisa-se para dar forma.
Uma critica que Morris Kline fez ao Movimnento da Matemãtica Moderna foi exatamente com relação ao excesso de formalismo como ponto de partida.
Fazer ciência é tentar descobrir a possível ordem presente num aparente caos. Ou buscar origem da ordem pela sua decomposição em busca do caos que a originou.
Querer começar de forma excessivamente ordenada pode inibir o trabalho.
Quando se trata de religião o formalismo é mais perigoso ainda, mas o formalismo mais perigoso não é aquele da rotina das coisas, do culto rotineiro. É aquele do cerceamento do pensamento. Perigoso é o formalismo que engessa as pessoas e inibe a produção de ideias novas.
 Muitas igrejas tradicionais vêm convivendo com certo grau de apatia por parte dos seus membros. Chamam isso de mornidão, numa alusão ao estado laodiceano (Ap 3).  As pessoas estão indo à igreja mais por costume do que por entusiasmo ou comprometimento.  
Normalmente os membros são condenados por essa situação em que se encontram como se fosse por escolha própria que perderam o entusiasmo. Perda de entusiasmo é doença. Perda de entusiasmo é ausência de prazer. E, nesse caso, a ausência do prazer é resultado de carência de sentido no que faz ou na fé que professa.
 Meu pressuposto é que a ausência de prazer em ir à igreja pode estar ligada ao dogmatismo que impede a livre manifestação do pensamento. Tem relação direta com o formalismo exacerbado, não da ordem do culto, mas na doutrinação, nas exigências impostas e não esclarecidas, na prática de castração do pensamento, na esterilização das ideias, na repetição do discurso, na preocupação com a aparência sem alimentar o interior.
A ausência de prazer decorre da intimidação, do monopólio da “verdade” por parte da liderança, do medo de expor o que se pensa. O prazer fugiu porque o culto é um monólogo, um suposto ato de falar em nome de deus. Os discursos são proferidos em nome de um deus que desconhece as necessidades humanas, que despreza o intelecto, que zomba da nossa inteligência, que se alimenta de preconceito contra tudo que se passa ao nosso redor, que despreza as potencialidades dos jovens e que procura intimidar para não perder a causa.
Em muitos discursos (pretensamente inspirados) vê-se claramente a “inspiração” de um deus mentecapto.
Nessas igrejas o culto, ao invés de ser provocativo, é imposto, não deixa espaço para participação, é inquestionável, portanto, tem efeito mortífero.
Participo do pensamento de Finley (2013) quando afirma que “O ritual religioso tem pouco poder para transformar vidas. O formalismo religioso torna as pessoas espiritualmente estéreis. Sozinha, doutrina não transforma corações. O poder do testemunho do Novo Testamento estava enraizado na autenticidade de vidas transformadas pelo evangelho. Os discípulos não estavam encenando. Eles não estavam apenas cumprindo formalidades. Não tinham uma forma de espiritualidade artificial. O encontro com o Cristo vivo os havia transformado e eles não podiam ficar em silêncio”.
A quietude dos membros e o absenteísmo quase generalizado proveem do vazio proporcionado pela própria igreja. 

Perda de prazer é doença e doença não se cura com acusação, com “xingamentos”, com deboche ou com desprezo. Ausência de prazer se cura com ações afirmativas. 
Antonio Sales   profesales@hotmail.com
Nova Andradina, 27 de julho de 2013.

Fonte da Citação
FINLEY, Mark. Testemunho e serviço: o fruto do reavivamento. In: Reavivamento e Reforma. Lição da Escola Sabatina de Adultos de 23/07/2013. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2013.

quinta-feira, 25 de julho de 2013

A LÓGICA DA EXCLUSÃO



O pastor era visitante. Pertencia à elite administrativa de uma organização religiosa não congregacionalista. Há uma hierarquia na instituição e ele estava a caminho do topo. Viera para ver o que  se passava com a igreja que, na sua perspectiva, estava  um pouco  "vagarosa", isto é,  não estava correspondendo aos padrões estabelecidos. Pelo visto o pastor local, pressionado pelo "pouco" resultado obtido em seu trabalho, "entregara" a congregação.
O superior imediato veio "ensinar" a igreja e, como de costume, tomou como ponto de partida um pretexto bíblico.  Começou com a triste história de Uzá (2Sm 6:7 ) o infeliz homem que tentando proteger a arca de Deus, para que não caísse do carro de bois, segurou-a e foi fulminado (no meu entender, pelo remorso resultante  de uma  educação religiosa  que intimida e sobrecarrega o sujeito de culpa; no entender dele, pela ira divina).
A lição que ele tirou e transmitiu a partir do texto foi:  para Deus ou se faz  bem feito ou não se deve fazer. Portanto, se você está aqui e não esta fazendo bem feito, se não está vivendo como se espera que viva está perdendo o seu tempo. Dizendo em outras palavras: vocês são uns estorvos ao progresso da instituição. Estão perdendo tempo e atrapalhando outros.
Curiosidade: toda congregação balançou a cabeça em sinal de aprovação.
O absurdo: ninguém tomou a reprimenda  para si. Ninguém supôs que era ele quem estava sendo convidado a mudar de vida ou  a se retirar. Nem mesmo o pregador suspeitou que o problema pudesse ser ele.
Esse é o problema (inclusive do pregador): supor que o problema sempre é o outro. Quando a mensagem é indireta então ela “atinge” os outros em cheio.  É sempre assim. Ninguém se encontra nessas mensagens obtusas. Quando se fala sem querer falar ou sem saber o que fala ninguém é beneficiado. Quando se parte de pretextos  para "lavar a alma" ou  fazer desafetos  com base em  ideias preconcebidas atira-se em todo mundo e não acerta em ninguém. Assusta, mas não atinge o objetivo. Acusa, mas não ensina. Aponta falhas, mas não diz como corrigi-las.
O maior absurdo, porém, foi ninguém ter percebido que essa logica é a lógica da exclusão e que a lógica da exclusão não é divina.
Jesus quando andou entre os homens acercou-se de rudes pescadores dispostos até a matar e aceitou a participação feminina,  uma categoria excluída na época. Como se isso não bastasse, o Mestre deu oportunidade a uma samaritana, desacreditada na sua aldeia (Jo 4), perdoou uma adúltera (Jo 8) e aceitou que uma outra pecadora O servisse (Mc 12).
 Atendeu um escriba que O procurou à noite (Jo 3),  perdoou o condenado que se arrependeu na última hora (Lc 23) e abençoou uma “imunda” que tocou em suas vestes (Mc 5:24-34). A lógica de Cristo era a lógica da inclusão.
Nós excluímos porque não sabemos ensinar, não sabemos tolerar e porque somos incapazes de tratar as pessoas com o respeito que merecem. Quanto menos competentes formos mais  excludente  seremos. A relação entre competência e exclusão é inversa.
Há, no meu entender, duas formas usadas por algumas igrejas para excluir:
a forma direta e a forma indireta.
Na forma direta a mensagem é agressiva, quase citando nomes, apontando erros, exigindo perfeição, reforçando o caráter exigente de Deus. É de exclusão porque expõe, inibe e proíbe.
Na forma indireta, os discursos enfatizam o medo e uma excessiva necessidade de cuidados. Apontam as possibilidades de erro ou fracasso "em cada esquina" e reforçam o mal existente no mundo, a constante piora deste, a decadência moral e a incapacidade humana de reagir. Com esse discurso criam o medo e a apatia. Intimidam e com isso excluem. Depois de conseguirem produzir a insegurança e apatia condenam o membro pela pouca iniciativa, pela sua timidez. Colocam-no em estado de letargia espiritual e social, incapacitam-no para as lutas e depois culpam pela apatia da igreja e o colocam sob a condenação de um Deus que espera ação.
A igreja deveria ser um lugar de inclusão porque deveria ser um espaço para educação e encorajamento. Ali as mensagens deveriam ser claras, bem fundamentadas, propositivas, acolhedoras (Mt 11:28-30) e atrativas (Jo 12: 32). Deveriam estimular, não condenar. Estimular boas práticas, ensinar como fazer, dar oportunidade aos inexperientes sem exigir perfeição, apoiar os fracos, estimular a tolerância dizer palavras de ânimo em todos os seus discursos.
Essa hipótese de que se deve fazer bem feito ou não fazer, é simplesmente absurda. Ninguém de bom senso erra porque quer. Erra-se por não saber fazer ou por faltar recursos  para um bom trabalho.
Os sujeitos faltos de senso critico ou de ética não encontram espaço em um ambiente de pessoas preparadas e honestas. Eles saem sem serem convidados, eles se autoexcluem como o próprio Judas.
Em um ambiente de pessoas esclarecidas, reflexivas, que aprenderam a exercer a prudência e que são livres para expor a sua opinião, os sujeitos mal intencionados ou incompetentes não ocupam espaço por muito tempo.
Se esses sujeitos estão se mantendo é porque a instituição não está cumprindo o seu papel de orientar e estimular boas práticas. O problema, portanto, é o pastor e a instituição, não as pessoas que frequentam a igreja.
Antonio Sales                       profesales@hotmail.com
Dourados, 17 de julho de 2013.

sábado, 13 de julho de 2013

SOBREVIVENTES DA NEBLINA



A expressão que dá o título a essas considerações pertence a Yancey. É assim que esse autor considera os heróis da fé (Hb11).
Ele tirou a expressão da experiência de um amigo que nadava em um lago numa tarde.  Estava a 90 metros da margem quando inesperadamente caiu densa neblina e ele não mais sabia para onde ir. Ficou nadando em círculos e correndo o risco de ser vencido pelo cansaço quando alguém resolveu gritar na margem dando-lhe direção. Tornou-se um "sobrevivente da neblina".
José do Egito teve sonhos divinos de que seria o líder dos irmãos, acreditou neles, divulgou-os e foi parar no fundo do poço, vendido como escravo e, por fim, na prisão. A neblina cobriu a sua vida, suas perspectivas (seus sonhos) ficaram imersas num mar de ondas bravias, coberto por neblina e sem nenhum farol à vista.
Por não ter desistido, finalmente ancorou o seu "barco" no porto. "Vozes" na margem indicavam a direção a seguir, as orientações espirituais e éticas recebidas no passado indicavam  a direção da margem e a confiança nessas orientações  manteve viva a fé e a determinação. Ele sobreviveu à neblina.
Outro sobrevivente da neblina foi Abraão. Saiu da terra dos caldeus onde era próspero e se foi sem saber para onde ia. Em Canaã uma terrível seca fez a miséria bater em sua porta e ele teve que descer para o Egito onde sua esposa foi cobiçada pelo Faraó. O filho prometido por Deus apareceu por volta de meio século depois quando sua esposa já estava com noventa anos e ele com cem. A neblina cobriu o lago da sua vida, mas ele sobreviveu. “Vozes” da margem o chamavam e indicavam a direção. Ele procurava indícios da direção divina por toda parte para reorientar constantemente a sua vida. Não é por acaso que Abraão é chamado “pai da fé” e Tiago diz que foi pelas obras que a fé se consumou (Tg 2: 21).
Um homem que foi chamado ara ser profeta e que viu a sua vida coberta por neblina foi Jeremias. Foi lançado no calabouço (Jr 37-38), foi insultado por Hananias (Jr 28), foi mal interpretado pelo rei (Jr 37), teve de depressão porque a sua cidade vivia do engano e da exploração e foi arruinada (Lm 1-5). Chorou profundamente por ela. Ele disse “Eu sou o homem que viu a aflição pela vara do seu furor. Ele me levou e me fez andar em trevas e não na luz. Deveras se tornou contra mim; virou, de contínuo, a sua mão todo o dia” (Lm 3:1-3).
Jeremias também foi um sobrevivente da neblina.
Yancey diz: “E Moisés, escolhido a dedo como libertador do povo hebreu, que se enfiou num deserto durante quarenta anos, caçado pela guarda pessoal de um faraó. E o fugitivo Davi, ungido rei por ordem de Deus, e que passou uma década seguinte esquivando-se de lanças e dormindo em cavernas”.
Dessa forma aprendemos que o caminho traçado por Deus para nós não é fácil. Implica mais do que ter fé. Implica em ter ideal e estar disposto a lutar por uma causa.
Essa causa não é a oração intercessória, é o trabalho intercessório. Não são madrugadas de oração, são dias e dias de luta enfrentando as intempéries físicas e sociais, lutando contra as mazelas, competindo com os bons para oferecer um trabalho melhor.
Somente quem se dispõe a ouvir o clamor dos oprimidos, sair do comodismo e lutar por uma sociedade mais justa, mais igualitária, se deparará com neblinas no trajeto do seu barco. Também somente eles ouvirão “vozes vindas da margem” para guiá-los. Somente eles serão “sobreviventes da neblina” e comporão outro capítulo onze de outro livro aos “hebreus”.
Os demais serão banhistas do raso, aqueles que desfrutam da praia somente pelo olhar, que fotografam o lago e apenas imaginam como será um dia de neblina naquelas águas. Para fazer isso não precisa ter fé, basta ser acomodado. Não haverá nenhum capítulo de livro para eles.
Antonio Sales    profesales@hotmail.com
Campo Grande, 13 de julho de 2013.

Fonte da citação:
YANCEY, Philip. Decepcionado com Deus. São Paulo: Mundo Cristão, 2004, p. 217.