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terça-feira, 30 de dezembro de 2014

E O NATAL PASSOU



Este ano tive um Natal diferente. Diferente em muitos aspectos.
Em primeiro lugar estava extremamente cansado para escrever algo. O segundo semestre do ano foi exaustivo e a cabeça pedia uns dias de descanso para poder produzir novamente enviar uma mensagem aos meus amigos e leitores. Foi um ano muito produtivo, mas também muito estressante.
Para escrever sobre o Natal é preciso estar tranquilo, para festejar com os amigos, mesmo  que seja através de uma mensagem, é preciso estar calmo.
Viajei esperando que no Natal estivesse já no destino planejado e que, após algumas horas bem dormidas, estivesse pronto para comunicar boas ideias, congratular, falar de paz. Mas foi aí que tive um segundo momento não muito feliz. 
Estávamos no centro de Curitiba, faltando apenas alguns minutos para chegar à casa de familiares quando, numa rua muito movimentada e no horário de pique, tive o dissabor de chocar com outro veículo. Ambos estávamos em baixa velocidade e, consequentemente, os danos materiais foram pequenos e não houve vítimas. O proprietário do outro carro foi muito cortês, mas ainda assim não evitamos de perder várias horas até que acionássemos o seguro, aguardássemos o guincho, etc.
No dia seguinte, segundo os planos iniciais, partiríamos cedo e tocaríamos direto para o destino, mas foi preciso esperar algumas providências da seguradora o que atrasou a nossa viagem em mais de duas horas.
Não pretendíamos sair do caminho. Queríamos chegar ao ponto final em tempo de descansar, mas a notícia  do falecimento de uma pessoa amiga, vítima do câncer,  nos levou para outra cidade e com isso chegamos de madrugada no destino. Eram já as primeiras horas do dia 24 de dezembro quando batemos na porta do anfitrião.
A essas alturas faltava descansar um pouco para que no dia 25 pudéssemos escrever e foi quando, no entardecer, recebemos a notícia de que nossa casa tinha sido arrombada   e estava uma verdadeira desordem. No amanhecer tomamos o caminho volta e ficamos desolados quando vimos a forma como a casa havia sido deixada pelos malfeitores que, além de nos furtarem objetos que somados dariam mais de R$ 5.000,00, fizeram a malvadeza de jogar tudo no chão e pisar nas roupas e papéis.
Ainda não descansamos da viagem, do trabalho de organizar a casa e já estamos cuidando do conserto do carro e providenciando lavanderia para lavar as cobertas sujas de sola de sapato.
Agora, passadas algumas horas, é possível avaliar com mais calma e pensar nas pessoas. Penso no Senhor Paulo, homem gentil, civilizado, que tive a infelicidade de conhecer quando o meu carro abalroou o seu. O seguro cobrirá os danos causados em seu veículo, mas não tenho com ressarcir o estresse que lhe causei. Não tenho dúvidas que se morasse perto procuraria manter amizade com a família e convidar para ceia do Ano Novo. Sua esposa e sua mãe também nos trataram muito bem.
O Fernando e o Rafael, e respectivas famílias, se fizeram presentes e nos ajudaram a diminuir o estresse que tais circunstâncias provocam. Conhecem bem a cidade e contribuíram para que o processo fosse menos moroso. Tudo ficou  mais fácil por causa deles.
No domingo quando fomos à delegacia registar o Boletim de Ocorrência fomos atendidos por acadêmicos, estagiários da academia de polícia, que foram muito solícitos e gentis. Pena que o Estado Brasileiro, em todas as suas instâncias, não está aparelhado para dar suporte ao cidadão. Muitos profissionais estão repletos de boa vontade, mas há uma série de obstáculos para se executar uma tarefa. Muito dinheiro é gasto nas casas de leis, desviados em falcatruas e obras superfaturadas de tal modo que não sobra para aparelhar as instituições que poderiam bem atender o cidadão.
Não sinto ódio pelos malfeitores e nem desejo que uma tragédia os assole, mas também não estou sentindo pena  deles, não os considero  vítimas da sociedade e desejaria ver uma polícia bem aparelhada tendo um encontro com eles. A obrigação de trabalhar para ressarcir o prejuízo que deram ( a mim e a outros vizinhos que já foram vítimas) lhes faria bem. Infelizmente nossos legisladores discursam  em favor da ordem e ao mesmo inibem cada vez mais a ação da polícia como se os malfeitores ficassem sensibilizados com uma polícia reprimida.
Em nossa cultura perversa a Comissão de Direitos Humanos considera como humanos  e assiste apenas os que não se comportam civilizadamente. As vítimas sequer são lembradas em seus discursos. Entendem que já está sendo atendidas pelo Estado e nem se dão ao trabalho de verificar se, de fato, estão.
E assim o Natal de 2014 passou de forma atípica, mas estamos bem e o fato de termos muitos amigos e a família nos faz pensar que valeu a pena, apesar de tudo o que aconteceu. Desejamos aos amigos e familiares um Feliz Ano Novo e dizemos: obrigado por você existir.
Antonio Sales
Campo Grande, 30 de dezembro de 2014.

domingo, 21 de dezembro de 2014

ENTÃO É NATAL



Estamos na época mais agitada do ano. Fim de ano lembra férias coletivas, décimo-terceiro salário, recesso, Natal, Ano Novo, festas, shoppings lotados, ruas e estradas abarrotadas, encontros familiares e viagens  entre outras coisas.  Coincidência ou não, o Natal também acontece nessa época.
Natal  tem múltiplos sentidos. Tem o sentido religioso  que nos fala de um Deus feito homem, de uma busca divina pela aproximação  com o ser humano. Natal lembra  anjos anunciando a boa vontade divina, sábios orientais trazendo presentes, um malvado rei chamado Herodes perseguindo uma criança porque sentiu-se ameaçado por ela. Uma mulher pobre, de uma aldeia que não gozava de bom conceito, que engravida sem estar casada e tem que viajar longa distância no lombo de um jumento  para ter o filho em uma estrebaria, em um curral de gado.
O mais importante dessa data é que ela nos fala da importância do ser humano no contexto do universo. Ele não é apenas um ponto de uma estrutura harmoniosa à qual deve se adequar para ter sentido. Ele é peça-chave, elemento fundamental, objeto de atenção e de carinho da divindade. O ser humano é mais importante do que a estrutura.
Ele fala de contrastes: os sábios trazem presentes e se inclinam diante do recém-nascido,  o monarca sente-se ameaçado e persegue. Os sábios entendem o objetivo da visita divina como sendo trazer alegria e esperança aos homens, produzir boa vontade entre eles, enquanto  o monarca interpreta essa vista como uma intromissão. Os sábios valorizam a compreensão entre os homens, os governantes valorizam a proteção e exercem o poder para proteger tudo o que considera como seu.
Um segundo sentido do Natal é, sem dúvida, o comercial. Aproveitando o momento de um salario extra  as lojas sabiamente enchem os olhos do  público com “ofertas especiais”, lâmpadas que simulam movimento para desestabilizar o possível comprador, fitas de papel dão a ideia de que comprar é festa, é pura alegria. E pode ser mesmo, quando se compra o necessário e dentro dos limites financeiros da família. A alegria das crianças recebendo presentes é indescritível.
Penso que se déssemos mais presentes durante o ano, quando os produtos são mais baratos,  esse gasto extra do Natal seria desnecessário. Presente não seria o foco do Natal, os encontros familiares sim, porque é quando se tem recesso que permite viajar.
O Natal poderia ser discutido sob outros olhares, mas por hoje  fiquemos com esses. Fiquemos principalmente com o sentido de que Natal é encontro, é compreensão, é aproximação, é Deus buscando a humanidade e tornando-a importante no contexto do universo.
Feliz Natal a todos

Antonio Sales
Campo Grande, MS, 21 de dezembro de 2014

terça-feira, 21 de outubro de 2014

UMA LEITURA LIVRE DO LIVRO DE TIAGO



Para quem espiritualiza todos os aspectos da vida cristã o livro de Tiago traz algumas dificuldades. Por tratar dos aspectos práticos do cristianismo esse apóstolo parece “caminhar” na contramão de Paulo, porque o apóstolo dos gentios (Gl 1:16) trata das questões espirituais, da nossa justificação perante Deus, dos relacionamentos verticais, enquanto o apóstolo Tiago trata da nossa justiça social. Alguém que espiritualiza a vida cristã tem dificuldades para entender a mensagem desse que escreveu para que aprendêssemos a praticar o cristianismo nos nossos relacionamento horizontais.
A linguagem de Tiago é própria, embora use termos comuns do cristianismo dos seus dias. Ele atribui a esses termos um significado próprio.
Suportar a provação (Tg 1:12), por exemplo, significa não ceder às pressões para compactuar com o erro, não se beneficiar do cargo que possui ou da posição privilegiada. Deus não contemporiza com a exploração ou com o oportunismo e esta é a razão pela qual quem vence a provação receberá a coroa da vida.
O apóstolo também corrige alguns conceitos equivocados correntes em seus dias. Para um público a que atribui tudo a Deus ele diz que Deus não tenta a ninguém.
Mas, Se Deus não é o autor da tentação (Tg 1: 13,14) de onde provém ela? Vem da nossa cobiça por posição, do nosso desejo (não necessariamente mau) de ultrapassar fronteiras que nos detêm, de nos superar (moral, economicamente, na aparência pessoal, etc.) e até de não sair do comodismo. A cobiça ou um desejo não controlado ou sobre o qual não se faz uma reflexão pode nos colocar em uma situação de tentação quando a oportunidade aparecer. Por exemplo, por comodismo, posso ser tentado a votar em um candidato que propõe arrumar emprego para o meu filho em detrimento de um programa social que trará benefício para toda a sociedade. Essa é a cobiça que gera o pecado (Tg 1:13-15).
A falta da capacidade para dizer “não” quando esse deve ser dito, o egocentrismo que gera o comodismo, que nos faz viver em torno de certas benesses, gera uma condição propicia para que o pecado (como ato consumado) apareça, isto é, para que consigamos realizar o que nos propomos (ou desejamos) ainda que isso não seja a melhor coisa que deveria acontecer. Suportar a provação é resistir às propostas não muito decentes do ponto de vista social e cristão.
A vitória sobre essa tentação não é resultado somente da oração, mas da ação e do fortalecimento do caráter. O caráter se fortalece com a prática da reflexão e ação de correção de rumo a cada vez que se perceber (ou for alertado de) que algo não está bem. 
Tiago procura ensinar que Deus não deve ser responsabilizado pelos contratempos morais que enfrentamos porque, como disse o salmista (Sl 103:14), Ele sabe que já temos muitas lutas.
Jesus, seguindo o mesmo raciocínio, ensinou-nos a orar (Lc 11:4) para que Deus nos livre desses momentos. Ao dizer para que tenhamos alegria na provação (Tg:1:2) o apóstolo entende que quem passa por provações morais é porque está em destaque social. "Ninguém atira pedra sem árvore sem fruto" diz um ditado popular.
A dádiva que vem do alto pode se referir à chuva que rega a terra e ao sol que traz vida (Mt 5: 45 ), mas também pode se referir aos ensinamentos divinos (palavras que são espírito e vida), pode ser uma referência às orientações relacionais como encontradas no pentateuco (Lv 19: 18 e 32).
Por estar preocupado com os reflexos do nosso viver sobre os outros o apóstolo recomenda o controle da língua e o cuidado no falar. Esse falar, que no seu tempo se limitava às manifestações verbais, hoje adquire maior amplitude com as postagens em redes sociais. Tiago recomenda cuidado com as notícias veiculadas, com as postagens que tomam tempo e não edificam e, muitas delas, ainda veiculam mensagens carregadas de preconceitos. Seja "tardio em falar" recomenda, isto é, análise antes, pense nas consequências do que veicula, antes de divulgar suas ideias (Tg 1:19) porque não é divulgando inverdades que se estabelece a verdade (Tg 1: 21).
Antonio Sales                                 profesales@hotmail.com
Nova Andradina, 20 de outubro de 2014.

domingo, 12 de outubro de 2014

A VIDA CRISTÃ SEGUNDO PAULO E TIAGO

Minha perspectiva é que o livro de Tiago trata das questões práticas da fé cristã, isto é, dos relacionamentos humanos.
Olhando por esse ângulo, fé em Tiago tem significado diferente do mesmo termo (fé) em Paulo. Paulo  está preocupado com o relacionamento do ser humano com Deus, isto é, das questões relativas à graça divina e salvação. Ter fé, para esse apóstolo, é confiar no interesse de Deus em nos salvar e na Sua disposição para nos agraciar com a perspectiva da salvação. É crer no evangelho (Rm 1:16, 17).
Tiago, por sua vez, estava preocupado com os aspectos práticos da vida e fé, para ele, significa convicção nos princípios éticos e morais do cristianismo (Tg 1:19-21, 26).
Paulo, ao dizer que devemos ter fé, está se referindo à nossa confiança no poder que o evangelho tem para transformar o nosso caráter (Rm 1:16) e também que devemos ter certeza do que há um continuo esforço divino para nos salvar.
Tiago, ao apelar para que exerçamos fé está nos estimulando a praticar em nossa vida os princípios do evangelho, tais como: respeito ao outro, ética, a prática da misericórdia, etc. Esta visão de Tiago fica evidente em alguns versículos que condenam a acepção de pessoas (Tg 2: 2-4), o comportamento dos ricos em explorar os pobres (Tg 5:1-8)e também nos textos que aconselham a não se limitar à pratica da oração quando o próximo está com fome (Tg 1:27; 2:15,16).
Portanto, fé, em Paulo, é apostar no desejo divino de nos salvar e fé, em Tiago, é a capacidade que devemos ter de apostar no ser humano, investir nele, de dar oportunidade.
Ambos os apóstolos falam em sabedoria também com significados diferentes.
Sabedoria em Tiago é a capacidade de gerenciar conflitos relacionais (Tg 3:13, 17). Por isso ele afirma que devemos sempre pedir a Deus sabedoria garantindo que ele nos ouvirá, isto é, nos preparará para agir com decência (Tg 3:8; 4:11), praticar a misericórdia (Tg 2: 13), não fazer acepção de pessoas (Tg2:2-4) e promover a paz (Tg 3:18).
Em Paulo, sabedoria é descansar no esforço de Cristo, nos benefícios salvíficos da Sua morte e ressurreição. Tiago concebe uma sabedoria dinâmica, em transformação, porque as relações humanas se transformam continuamente. Dessa concepção surge o conselho de sempre pedir a Deus sabedoria (Tg 1:5). Paulo, ao tratar do relacionamento humano com Deus (e Este é estável em Seus propósitos) concebe uma sabedoria estável, já planejada, prescrita (2 Tm 2:15). Sabedoria ê exercer fé.
Até mesmo a palavra tentação que, para Paulo, significa desejo impuro ( 1Tm 6:9) para Tiago é a estranheza do  mundo diante da firmeza de propósitos de um cristão (Tg 1:12).
Nessa perspectiva não há discordância entre Tiago e Paulo e também não há contradição interna em Tiago.
Antonio Sales                                profesales@hotmail.com

Nova Andradina, 12 de outubro de 2014.

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

A INDIVIDUALIZAÇÃO DA RESPONSABILIDADE



Há um argumento fortemente ideológico, permeando algumas igrejas evangélicas, de que cada crente é responsável por si e pela proclamação do evangelho. A igreja, como organização, fica isenta da responsabilidade de proporcionar assistência intelectual, orientação relacional e profissional aos seus membros. Cada pessoa ou família que "se vire nos trinta" (como se expressou um desses crentes diante das minhas investidas contra essa ideologia). Ao ouvir isso citei como exemplo o nosso caso, como brasileiros. Como cidadãos, devemos trabalhar, estudar, orientar e sustentar a família, mas cabe aos governantes construir e pavimentar estradas, construir e manter em funcionamento as escolas,  construir e manter em funcionamento os hospitais e postos  de saúde,  garantir a segurança  e aplicação da justiça. Cabe ainda ao poder público assistir aos fragilizados com políticas específicas.
Todos têm responsabilidade: eu, como indivíduo, fazendo a minha parte, e o poder público, através de políticas específicas e investimentos em infraestrutura, cumprindo a sua parte. Ninguém pode "lavar as mãos" e se isentar de responsabilidades nesse processo. No entanto, o que se percebe é que as igrejas fazem o discurso da individualização para se eximir de responsabilidade, para guardar para si o dinheiro que recebem em dízimos e ofertas. Fazem esse discurso para não serem cobradas quando falham (o que sempre acontece) no cumprimento dos seus deveres sociais, quando falham em administrar corretamente os recursos que recebem e em assistir adequadamente aos membros que necessitam de apoio espiritual, material e intelectual.
A individualização não estava nos planos de Jesus. Ele disse claramente: ficai em Jerusalém até que do alto sejais revestidos de poder (Lc 24:49 ), e "estarei convosco" ( Mt 28:20).
Penso que se a igreja, como organização, cumprisse a sua parte desenvolvendo projetos de assistência aos dependentes químicos, apoio aos familiares, orientação sobre educação de  filhos, orientação profissional e relacional para os jovens; se ela "saísse do esconderijo" e se mostrasse nas ruas através de ações sociais concretas o mundo seria melhor pelo fato de elas existirem.
Antonio Sales   profesales@hotmail.com
Campo Grande, 30 de agosto de 2014.