Encontramos em várias
passagens bíblicas o anúncio de que haverá um juízo final, um julgamento
seguido de uma sentença (Mt 12:41; Ap 19:2; 1Pe 4:17; Ap 20:11-15; Mt 25:33).
Mesmo deixando de lado a perspectiva bíblica parece não haver dúvida de que em
qualquer sociedade há sempre um tribunal e que vivemos protegidos ou acuados
por ele. Estou pensando em juízo do
ponto de vista de um réu, daquele que
tem contas a prestar.
Diante dessa
expectativa podemos dizer que vivemos à sombra do juízo. No entanto, essa
sombra pode ser vista sob várias
perspectivas. Uma delas é a da moral.
Nessa perspectiva temos
três classes de pessoas: as heterônomas, as autônomas e as "anômalas". O
heterônomo é aquele sujeito que age coagido.
Pode viver honestamente ou cumprindo os seus deveres por temer um
encontro com o juiz, um encontro no tribunal. O heterônomo vive assim. Age de
forma correta por temor, por coação. Cumpre os seus deveres por temor das
consequências, por temer a sentença que paira sobre a sua cabeça. Para o
heterônomo o juízo projeta um assombre sinistra, ele vive no lado escuro da
sombra.
O sujeito moralmente
autônomo não teme o juízo. Ele age motivado por uma ordem moral interior. Para
esse sujeito o juízo projeta uma sombra clara, iluminada, protetora. Vive como
se não houvesse contas a prestar e, pela
mesma razão, como se o juízo não
existisse. Ele é o seu juiz e o encontro no tribunal representa um momento de
glória, uma oportunidade de vindicação (defender a sua pureza), a oportunidade
de receber o galardão (ser honrado, receber a glória que lhe é devida).
Por outro lado, o
sujeito moralmente "anômalo", que vive em estado anomia, leva uma vida de indiferença, simplesmente ignorando
que terá contas a prestar ou que deve satisfação à sociedade. Vive como se não existissem lei, sociedade, ordem; como se não existisse o amanhã. Vive para si e
para o aqui e o agora. Uns ignoram e outros
desdenham do juízo.
Outra perspectiva é a da
fuga do enfrentamento. Deixa-se de tomar posição contra atos de injustiça sob o pretexto de que
no final o tribunal (divino ou humano) fará justiça. É uma forma cômoda de
viver. O sujeito não reclama os seus direitos, não defende os fracos, não se
opõe contras as injustiças supondo que o tribunal tenha olhos, que o juiz seja
onipresente e que se posicionará espontaneamente a seu favor.
Mesmo em se tratando de
juízo divino onde o Juiz, supostamente,
tudo vê e tudo observa atentamente, não é correto esperar sem reclamar
porque a justiça não socorre os que dormem, não pode defender quem não
manifestou o desejo de ser defendido salvo se o sujeito for considerado
incapaz.
A história traz
exemplos dessa postura dos tribunais (divino ou humanos) quando ditadores
tiranos permanecem no poder até que o povo se manifesta e reclama por justiça.
Esse reclamar normalmente é ativo, é manifestado pelas ações do povo que sai às
ruas, que se expõe e que exige renúncia do tirano ou a sua condenação.
Até mesmo Deus tem
agido assim permitindo que injustiças sejam cometidas por décadas contra um
povo que ora e clama por Ele, mas não age. O clamor passivo tem produzido pouco
ou nenhum resultado e mesmo que no final, no ajuste de contas universal, o
tirano seja condenado não haverá como repor os prejuízos causados ou recompor
as vidas destruídas e famílias desfeitas.
Essa perspectiva de
espera passiva é a perspectiva da fuga da responsabilidade pessoal.
Tenho observado que
muitos cristãos vivem à sombra do juízo divino nessa perspectiva de fuga. São
cristãos lamurientos, moralmente fracos e espiritualmente ignorantes. São
heterônomos morais e contraditórios porque
ao mesmo tempo em que agem corretamente por medo do juízo, vivendo na
sombra sinistra, projetam nela as suas esperanças. Uma situação claramente
paradoxal.
Muitas igrejas têm conseguido manter os seus
fiéis nessa perspectiva por anos, às vezes, por toda uma vida.
Antonio Sales
Campo Grande, 01 de
março de 2014.
Acho que me enquadro no grupo lamuriento "espiritualmente ignorante".
ResponderExcluirÉ possível mudar de lugar, amigo leitor. Não permaneça assim, é muito triste.
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