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sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

A GRAÇA “BROTA” DA DESGRAÇA?

Estava  lendo um texto produzido pela teóloga Jo Ann Davidson quando deparei com a frase: “antes do pecado, não havia necessidade de graça, porque não havia nada para perdoar, nada para desculpar, nada para cobrir”(1).
Parei a leitura. Veio-me uma dúvida. O que autora quis dizer com isso? Será que entendi o seu pensamento?
No meu entender a graça divina independe da existência do pecado. É como o oxigênio que “alimenta” a vida mas independe da existência dela. Ele deve existir antes da vida para alimentá-la quando ela aparecer. O oxigênio penetra em nossos pulmões de forma espontânea, natural e, por isso, “imperceptível”, mas constante. O oxigênio hospitalar é que é usado após a doença.
Perdão, no meu entender, é uma aplicação emergencial da graça. Na metáfora do oxigênio eu diria que o perdão é o oxigênio comprimido em um “balão” para socorrer o moribundo que já não mais consegue respirar sozinho. A graça, nessa metáfora, é o oxigênio (em seu estado natural) da vida espiritual. Ela é também o oxigênio da vida relacional.
Sem graça não há graça, isto é, sem a graça a vida perde o sentido, somos desgraçados. Sem a graça na vida somos impiedosos, arrogantes, estúpidos, etc. É a graça que promove o amor, a tolerância e a compreensão entre as pessoas. O perdão é uma dose condensada de graça para restaurar a vida do desgraçado. Desculpar só é possível se a graça estiver presente e for o motor da vida da pessoa que foi ofendida.
A graça é o motor das ações de Deus. Criar foi um ato de graça porque foi um ato de amor e o amor é filho da graça. Só ama quem está dominado pela graça, ainda que não saiba disso. É como no caso da criança que vive porque respira embora não saiba que está respirando.
Do modo como a autora escreveu tive a impressão de que ela admite que a graça brota da desgraça. Que é preciso haver desgraça para que haja graça. Se esse pensamento está correto então poderíamos também afirmar que misericórdia brota da miséria? 
Penso que a compaixão pelos miseráveis se manifesta, se torna visível, quando estes se apresentam mas ela não brota naquele momento. Ela existe antes. Se não fosse assim todo mundo se compadeceria de um miserável ao vê-lo.
Se a graça é um atributo divino ela deve ser eterna e há necessidade dela antes mesmo de cairmos na desgraça. Pode ser que ela se torne visível quando há uma necessidade explícita. Pode ser que ela seja intensificada em determinados momentos, porém, desnecessária, nunca foi e nunca será.
O perdão pode ser emergencial, mas a graça deve ser perene.
Ainda metaforicamente: a graça é o ar que enche o pneu de um carro. Antes de o carro começar a rodar o pneu deve estar cheio e permanecer cheio durante toda a viagem. Uma infusão especial de ar (perdão) deve ocorrer quando houver uma des-graça, um esvaziamento do ar (graça)
Concluo que a graça já era necessária antes da queda do homem e o perdão, somente depois.
Que acha o leitor?

Campo Grande, 27 de janeiro de 2012.
Antonio Sales                        profesales@hotmail.com

(1)DAVIDSON, Jo Ann. Juízo e graça no Éden. In DAVIDSON, Jo Ann. Vislumbres do Nosso Deus. Lição da Escola Sabatina de 23/01/2012. Tatui, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2012

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

ENSAIO SOBRE A BELEZA FEMININA- II

Escrevi há poucos dias um texto sobre o tema. Está neste mesmo espaço.
Sei que o texto foi bem aceito por alguns e criticado por outros. A principal crítica que recebi veio da milha filha. Ela discordou da minha conclusão. Segundo ela quem deveria receber os cumprimentos deveria ser a mulher que consegue se manter, isto é, trabalhar, estudar, ajudar na casa e ainda manter os custos (financeiros, emocionais e físicos) da beleza exterior. A conclusão deveria ser: parabéns para ela.
Concordo com ela. Penso que minha conclusão (cumprimentar o marido e não a mulher) talvez tenha sido resultado de um cochilo. Na realidade deve ter uma razão para eu cumprimentá-lo. Não devo ter escrito isso gratuitamente, mas não consigo lembrar o que me levou a cumprimentar o homem por ter uma mulher bonita de graça. De qualquer forma, ainda que eu venha me lembrar e possa justificar o que escrevi, ela tem razão. Na melhor das hipóteses ela e o marido teriam que ser cumprimentados. Ela pela conquista e ele pelo privilégio. O equívoco talvez não tenha sido em cumprimentá-lo mas na forma de fazer e na omissão de incluí-la.
Penso que um marido nessa condição é um privilegiado e não pode esquecer que o privilégio tem também o seu preço. Não posso dizer qual é esse preço uma vez que cada casal vive experiências diferentes, tem crises existenciais (no matrimônio) por motivos diferentes, problemas relacionais provindos de fontes diferentes. De qualquer forma, nada é de graça, exceto a salvação. Ela paga o preço de manter-se bela e ele deverá, no mínimo, pagar o preço de não atrapalhar as conquistas dela.
Saber reconhecer o valor de alguém que convive conosco diariamente e que, por vezes, nos irrita com suas exigências, não é fácil. Sou um observador dos relacionamentos familiares. Desde muito tenho me mantido disfarçadamente atento ao trato que um confere ao outro e tenho percebido  casais que não se suportam, que há maridos que não suportam ouvir a esposa, embora ela mantenha uma aparência impecável, esteja sempre bem “polida”. Percebo que há mulheres que investem muito do seu salário  em “polimentos” tentando conquistar a afeição do marido, sem resultado.
Há maridos que gostariam apenas que não fossem tão vigados, que não fossem tão cobrados de coisas que ele não pode dar. Muitos homens não foram ensinados a dar afeto e custam muito aprender isso.
Não sendo conselheiro matrimonial não tenho acesso aos meandros da vida a dois a não ser por algumas poucas leituras na área, mas esse é um assunto que me preocupa. Penso que falta tolerância, respeito mútuo e disposição para o diálogo entre os casais.
Quando falo em tolerância falo em admitir que o outro tenha necessidades diferentes das minhas, que se deve ser franco quando algo está nos incomodando, saber que quando o outro reclama ele está (ou deveria estar) reclamando do meu comportamento e não de mim, saber que respeitar o outro inclui o não ficar simplesmente repetindo o que o  irrita (ou condenando o seu comportamento) sem abrir espaço para que ele expresse a causa da sua irritação (ou explique porque age daquela forma). 
De uma coisa estou plenamente convicto: a vida a dois tem também os seus custos.
Campo Grande, 25 de janeiro de 2012.
Antonio Sales                    profesales@hotmail.com

domingo, 22 de janeiro de 2012

ENSAIO SOBRE A BELEZA FEMININA


“Manter-se bonita custa caro”. A voz feminina chegou por acaso aos meus ouvidos. A frase ficou solta. Pensei em contextualizá-la. Fui conversar com a minha filha sobre o assunto. Comecei falando de mulheres bonitas e mulheres não tão bonitas. Ela atalhou: “pai, não existe mulher feia e mulher bonita. Existe mulher mal cuidada e mulher bem cuidada”. Duvidei e perguntei: por que, então, algumas mulheres mesmo recebendo um “polimento” ainda não adquirem “brilho”? Ela encurtou a conversa: “deve ser alguma mal amada”.
Fiquei quieto. Não entendo a alma feminina. Suas ilusões e desilusões são diferentes das minhas. As reações psicossomáticas também. Homem frustrado vira bêbado e mulher frustrada fica feia?
De qualquer forma resolvi contextualizar a frase. Não o contexto original, mas um contexto produzido pela minha mente inquieta.
Manter uma mulher bonita custa caro. Acredito. É preciso cabeleireiro, manicure, costureira, esteticista, cirurgião plástico e cartão de crédito com bom limite. É difícil manter tudo isso. Esses profissionais cobram alto preço e cartão cobra juros altos. Um colega professor dizia que quem quiser enriquecer-se basta montar um comércio para manter o luxo e o vício dos outros. Parece que ele tinha razão.
Ainda bem que muitas mulheres já se mantêm. Deve ser por isso que tem aumentado o número de mulheres bonitas e de cabeleireiro, manicure, etc., também. Os preços também devem ter aumentado. Não somente acredito que uma mulher bonita custa caro e dá serviço para muita gente como acredito que, em alguns casos, a beleza é impossível.
As mulheres que dependem dos maridos raramente ficam bonitas, pois além do controle financeiro deles tem o problema da autoestima delas que fica abalada. Viver entre mulheres bem cuidadas sem poder competir com elas não deve ser fácil. Nesses casos, além da rotina que se instala na casa, porque mulher desestimulada faz da casa um ambiente pouco agradável, ainda aparece o ciúme e as querelas decorrentes. Os efeitos colaterais de uma mulher não bonita são cruéis. Uma mulher dependente do marido, se é bonita pesa no bolso e não é não bonita pesa no relacionamento.
Quero dizer, porém, que uma mulher bonita não é somente aquela que vai aos profissionais citados ou que investe muito dinheiro na aparência pessoal. Uma mulher de bem com a vida, profissional realizada, culta, comedida ainda que se vista de modo simples é bela. É bonita uma mulher bem cuidada e bela uma mulher bem amada. Quando as duas qualidades se juntam numa única pessoa então não sei qualificar o resultado.
Por outro lado, a mulher que depende unicamente de profissionais para ser bonita é, realmente, muito cara. Portanto, mulher bonita e econômica é aquela que é inteligente, realizada, bem humorada. Nessa, os “arranjos” feitos pelos profissionais duram mais tempo e até um despenteado provocado pelo ventilador a enche de graça. Ela “brilha” com pouco “polimento”.
Mulher com um penteado especial e olhar de quem não está entendendo nada é feia. Mulher com vestido caro, mas que não sabe o que falar é feia. Mulher ciumenta é feia, não importa o que o esteticista ou cirurgião faça em seu corpo. Mulher acomodada é feia. Mulher ranzinza é feia. Mulher controladora é feia. Aliás, toda pessoa, homem ou mulher, mesquinha, não disposta a cooperar, que não se preocupa em incentivar e apoiar, que não valoriza o outro, que não respeita as diferenças ou não tem ética é feia, porque o seu caráter é feio.
Mulher não realizada nunca está satisfeita consigo mesma. Não há roupa que se ajuste no seu corpo.  Ela experimenta dez vestidos antes de sair e o marido olha e não vê diferença entre o anterior e o posterior. A sua autoestima está deformada e não há roupa que se ajusta no corpo. Não há cabeleireiro que acerte no corte ou penteado, porque a alma dela está em ruínas. Se o marido tenta intervir ela ainda diz que não está “pedindo opinião”.
Antes de concluir esse pensamento penso que há dois tipos de beleza: a beleza da Forma (exterior, aparência) e a beleza do Ser (interior).
A beleza da forma pode ter três fontes:
1.      A razão áurea
Falar em razão áurea é o mesmo  que falar em número de ouro ou número Fi. O nome Fi foi atribuído pelo matemático americano Mark Barr que resolveu homenagear Fídias, o escultor grego  que teria vivido entre 490 e 430 a.C. e utilizado a razão áurea nas suas esculturas.
O número de ouro é 1,6180339887... , ou o seu inverso 0,6180339887... , e é irracional.
A razão áurea também é conhecida por divina proporção e diz-se, que num segmento AB , existe uma divisão áurea quando o segmento é dividido por um ponto P em duas partes de tal forma que a maior parte seja média proporcional entre o menor e o segmento todo.
Preferimos não gastar tempo teorizando sobre Fi e ir direto à sua aplicação.
Os escultores gregos e posteriores consideravam que uma estátua estava perfeitamente constituída (bela) se a razão entre a  medida do segmento que determina altura do chão até o seu umbigo  e a medida do segmento que determina a altura da estátua for igual ao número de ouro (0, 618...). Da mesma forma a razão entre o segmento que une o umbigo ao topo da cabeça e a medida do segmento que determina altura do chão até o seu umbigo é 0,618... .
Essa mesma razão vale para o rosto. A razão entre a altura do queixo até à linha dos olhos e a altura do queixo até o topo da cabeça também deve ser 0,618... .
Segundo os estudiosos da arte uma escultura que atende esses requisitos matemáticos é agradável aos olhos. Nesse caso, uma mulher que atendesse a esses requisitos seria  a mulher matematicamente bela.
2.                      A simetria (para coisas como objetos, penteados, tecidos, etc.) e a regularidade ou padrão. Em cada região o conceito de beleza exterior é diferente de acordo com a regularidade ou frequência com que aparecem certas particularidades. Em algum lugar do oriente as mulheres mais bonitas são as que têm o pescoço mais comprido e cheio de argolas. Aqui elas seriam feias. Bonito é o que  é mais freqüente, o que está na moda.
3.                      A unicidade ou o inusitado. Quando tudo parece igual, o diferente pode ser bonito.
A beleza do Ser está relacionada com a autoestima, a inteligência, a confiabilidade, a competência, a realização profissional, o linguajar adequado, a ética, a cooperação.
Para concluir: mulher bonita custa caro? Sim e não. Se a sua beleza depende somente do exterior (da forma), sim. Ela é muito cara. Se sua beleza é resultado da aparência exterior e do produto interior, então é preciso rever o que foi dito. Se, além da junção da beleza interior com a beleza exterior, ela ainda se mantém, paga os custos da beleza, então o marido tem uma mulher bonita de graça.
Parabéns para ele!
Campo Grande, 13 de janeiro de 2012.
Antonio Sales             profesales@hotmail.com

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

AMOR E SEXUALIDADE-II

Falei sobre a sexualidade na adolescência masculina. Sobre o fervor provocado pelos hormônios, sobre o “cavalo selvagem” que se instala no interior do adolescente. Mas falei também do “cavalo domado” da vida adulta, isto é, dos hormônios em equilíbrio, dos impulsos sexuais controlados e do domínio sobre os órgãos sexuais. Isso acontece com a maioria dos homens; um ou outro permanece “adolescente” ou por excesso de hormônio ou por carência de “conquistas” bem sucedidas.
E na velhice? Diz Rubem Alves que os casais de idosos não vivem de sexo, vivem de afetos. Não significa que não se pratica sexo na velhice, significa apenas que ele tem outro sentido. Significa que outros são os motivos para a intimidade. É na velhice que o ato sexual é belo porque a beleza de uma relação reside no controle. Alves (2001) diz que o “poder bruto é feio” e, citando Nietzsche, “quando o poder se torna gracioso, então a beleza acontece”. Surge então o sexo movido a ternura, o sexo verdadeiramente belo.
Os velhos sabem esperar, preparar o ambiente, aguardar o momento oportuno.
“Aí os órgãos sexuais descontrolados deixam de se movimentar por conta própria. Só se movimentam quando comovidos pela ternura e beleza. Sem a ternura da beleza eles ficam inertes. Os tolos acham que é impotência. Ou frigidez. É nada”(ALVES, 2001, p.115).
Essas considerações nos falam de alguns cuidados. Os casais precisam desenvolver a ternura se quiserem envelhecer juntos e tendo uma velhice saudável. Para que haja ternura é preciso que haja afinidades, respeito e cooperação. O diálogo deve ser possível e para que ocorra o diálogo não pode haver imposição de ideias, controle e ciúmes.
O respeito mútuo, a cooperação, a liberdade que um concede ao outro produz o amor e o amor na velhice tem poder revitalizante, produz potência sem hormônios. O amor na velhice rejuvenesce.
Rubem Alves escreve uma história de amor que começa com um casal de jovens enamorados. Ela, por imposição dos pais, se casou com outro rapaz. O moço, sem alternativa também se casou. Ele gostava de tocar violino, mas a esposa detestava o som desse instrumento. Para agradá-la, o violino ficou guardado por décadas. Um dia muito tempo depois ela enviuvou. Se já estava envelhecida, mais envelhecida ainda ficou. Algum tempo mais, ele também se enviuvou e ambos se reencontraram. Ele estava com 79 anos e ela com 76 quando se apaixonaram novamente e se casaram. O amor trouxe novo ânimo. Ele voltou a estudar violino e tirar daquelas cordas, que por anos estiveram mortas, uma vibrante melodia. Podia agora fazer serenata para a sua amada.
Um ano depois do casamento ele morreu e quando Rubem Alves publicou uma crônica sobre essa história ela ligou para o filósofo para falar dos bons momentos que passaram juntos. Falou do novo vigor que o encontro trouxe para ambos, do profundo significado daquele último ano de vida deles e concluiu: “não ligávamos muito para sexo, mas vivíamos de ternura”.
Sexo na juventude é necessidade física. É como a fome, a sede, o sono, a vontade de fazer xixi. É necessidade emocional: necessidade de demarcar o território, de  dizer quem manda.
Na pessoa madura o sexo é realização pessoal, como comprar uma casa ou escolher um carro juntos. É algo para os dois. É como almoçar ou jantar juntos em um restaurante que ambos gostam, ou curtir uma viagem parada por parada. Primeiro o orgasmo mental e depois o contato físico na intimidade do casal.
Na velhice sexo se confunde com afeto. É o mesmo que abraçar, beijar, passar horas conversando e relembrando as realizações do passado. Depois, só depois, os genitais se tocam
Campo Grande, 24 de dezembro de 2011.
Antonio Sales            profesales@hotmail.com

Referência
ALVES, Rubem. As cores do crepúsculo: a estética do envelhecer. Campinas, SP: Papirus, 2001.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

AMOR E SEXUALIDADE

Minha formação puritana levou-me a conviver por muito tempo com alguns mitos que eu suspeitava cairiam um dia, mas não tinha como enfrentá-los na época. Quando ainda jovem, os homens e as mulheres eram  igualmente bombardeados com discursos recheados de moralismo cujas  justificativas apresentadas eram contraditadas pela minha experiência pessoal. A minha experiência dizia serem frágeis os argumentos apresentados. Não tinha como contestar porque, às vezes, não é prudente  apresentar a experiência pessoal para uma contestação.
Um dos arroubos de moralismo que assisti muitas vezes foi o discurso de que a vestimenta de uma mulher pode induzir um homem ao “adultério” mental com ela. Quando mais ela expunha o seu corpo mais um homem se excitaria por sua causa. Comigo, muitas vezes, acontecia o contrário, mas se falasse poderia me expor ao ridículo. Percebia que comigo quando não havia atração pela pessoa não importava como ela se vestia. Quando faltava a famosa “química” não havia roupa que dava jeito.
Talvez a regra valha para alguns homens que não procuram mulheres, procuram fêmeas simplesmente. Nesse caso eu diria que são portadores de algum distúrbio da personalidade e se comportam como animais travestidos de homem.
A estória, muitas vezes contada, de que o homem é seduzido pelo olhar e a mulher é seduzida pelo que ouve, sempre me deixou em dúvida. Fico em dúvida porque na realidade não sei como as mulheres pensam ou sentem, mas sei que para mim não funciona. Nem sou seduzido sexualmente simplesmente pelo olhar e nem tive sucesso em minhas investidas na tentativa de conquistar uma mulher pelo que eu lhe dissesse.
De qualquer forma eu aguardava mais informações para me posicionar sobre o assunto. Penso que encontrei. Encontrei lendo Rubem Alves, um filósofo da vida e psicanalista. Alves (2001) fez-me lembrar que na adolescência um jovem está dominado pela ebulição dos hormônios. Nessa fase, nos dias em que os hormônios estão mais  concentrados na corrente sanguínea, um rapaz “adultera” mentalmente com qualquer mulher, mesmo que ela esteja ausente. “Adultera” em sonhos, “adultera” pelo olhar, “adultera” pela lembrança, “adultera” pela foto. Na realidade esse “adultério” não depende do objeto e sim da quantidade de hormônios em circulação. Para alguns essa fase é mais longa, mas normalmente na fase adulta há um certo equilíbrio e domínio sobre o “cavalo selvagem” que está no seu interior. O “garanhão” começa perder forças e vai ganhando forma com o tempo, mas “o desejo sexual na adolescência é um sofrimento” para os homens, diz Rubem Alves.
É quando o poder dos hormônios é controlado que a beleza da masculinidade acontece. O que tem a mulher e sua vestimenta a ver com o “adultério” mental do homem? Nesse caso, nada. Evidentemente que essa conclusão não a isenta de ter cuidados com a vestimenta, pois se a mesma sugerir que ela está disponível (free, como dizem os jovens) corre-se o risco de uma investida (física ou verbal) imprópria por parte de um “cavalo selvagem” ainda não domado.
Vemos, portanto, que o discurso moralista que culpa a mulher pelos “pecados mentais” dos homens carece mesmo de fundamento. Eu estava certo quando duvidava dele.
Não faço a menor ideia do que tudo isso significa para  a mulher. Não sei como se sente uma menina, em termos de desejo sexual, quando os hormônios dominam a sua corrente sanguínea, mas sei que um homem fica em desespero. Os órgãos sexuais masculinos parecem adquirir autonomia quando se eleva a taxa de certos hormônios. Irrompem “gratuitamente sem necessitar de nenhuma provocação” (ALVES, 2001).
Campo Grande, 24 de dezembro de 2011.
Antonio Sales            profesales@hotmail.com

Referência
ALVES, Rubem. As cores do crepúsculo: a estética do envelhecer. Campinas, SP: Papirus, 2001.

sábado, 7 de janeiro de 2012

É IMPORTANTE SER FELIZ


Quando dois jovens planejam se casar normalmente se espera que ele esteja trabalhando, tenha uma profissão definida. Apesar das conquistas sociais, da propalada  igualdade entre os gêneros, a profissão ainda é uma obrigação para o homem e uma opção para a mulher. Embora muitos casais já estejam optando por ela trabalhar fora e ele cuidar da casa e dos filhos, ainda parece ser mais natural ela cuidar da casa. Não se rompe com uma cultura multissecular de uma hora para outra. O modelo clássico ainda predomina sobre o moderno.
Particularmente não tenho preferência por este ou aquele modelo de família, penso que cada família deve se ajeitar como melhor lhe parecer. No entanto, vou tomar o modelo clássico como exemplo apenas porque é mais fácil citá-lo. É com base nele que teço as considerações seguintes:
Por que o homem precisa ter profissão ao se casar? Por que a mulher necessita ter habilidades domésticas? Por que se recomenda que o casal tenha própria casa?
Os velhos chefes de família tinham uma explicação machista. Como ele vai sustentar a mulher e os filhos? Era a justificativa que davam para a exigência que faziam. Como ela vai cuidar do marido e dos filhos se não souber cuidar de uma casa? Era o que diziam as senhoras.
Vão morar com os pais, onde todo mundo dará palpite no relacionamento dos dois? Era a justificativa para exigir que tivessem casa.
As justificativas apresentadas não são desprovidas de sentido, mas penso que poderiam ser outras. Quais?
Primeiramente quero lembrar que é muito difícil conviver com uma pessoa infeliz. Um cônjuge infeliz torna-se um fardo para o outro. Ele exige o que o outro não pode dar:  a felicidade. Quem se casa com uma pessoa infeliz vê-se constantemente cobrado de coisas que lhe são impossíveis de executar. Vive sob vigilância constante porque o outro está em busca de uma atitude sua que justifique a própria infelicidade. Os infelizes precisam de motivos, ainda que hipotéticos, para serem como são.
Os felizes não precisam explicar a si mesmos porque são felizes, mas os infelizes, sim. É essa necessidade de encontrar razões que torna difícil o relacionamento com um infeliz.
Em segundo lugar penso que para que uma pessoa possa ser feliz ela precisa ter certa estabilidade, já ter conseguido alguma realização pessoal. Uma pessoa com estabilidade, satisfeita consigo mesma, que tenha, no seu histórico, pelo menos, uma realização pessoal exige menos da outra. É mais fácil conviver com alguém que tenha alguma satisfação no que faz porque ela exige menos da gente. Penso que aqui estão as justificativas para esperar que os jovens que vão se casar tenham casa, profissão e habilidades domésticas.
Ter uma casa é uma realização que traz estabilidade e gera menos exigência. Ter uma profissão proporciona satisfação pessoal, segurança, autoestima, logo, produz menos exigências em relação ao cônjuge. Ter habilidades domésticas, de igual modo, proporciona satisfação. Deve ser gratificante saber fazer um saboroso bolo para oferecer ao cônjuge que este chegar do trabalho.
Essa satisfação pessoal produz estabilidade emocional e amplia a chance de felicidade conjugal. Evidentemente que casa, trabalho e habilidades não são os únicos fatores de felicidade. Contribuem para isso múltiplos fatores como: respeito, diálogo, cooperação, afinidades, etc. Quisemos apenas justificar porque no modelo clássico é preciso ter casa, profissão e habilidades domésticas para se casar. Em verdade o que se queria era que as pessoas tivessem alguma estabilidade, alguma realização pessoal, ao se unirem em matrimônio.
Penso isso pode ser generalizado para qualquer modelo de relacionamento.
Campo Grande, 25 de dezembro  de 2011
Antonio Sales            profesales@hotmail.com

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

O SEU NOME ERA VERGONHA


Entre as mulheres que seguiram a Jesus ou que, pelo menos, O proclamaram  como Senhor, está a samaritana (Jo 4). Não sabemos o seu nome porque raramente as mulheres tinham nome. Elas recebiam um nome na infância  mas ao chegar à fase adulta trocavam-no pelo nome do marido. Eram conhecidas simplesmente por senhora X, senhora Y ou senhora  Z, onde  X,Y e Z representam os nomes dos maridos.
Soube pelo Google que no Rio de Janeiro existe a Rua Viúva Lacerda. Como se pode ver, uma cidadã ilustre que não tinha nome próprio. A sociedade do seu tempo não lhe outorgou uma identidade própria. A samaritana estava em situação menos favorável. Como não tinha marido, não tinha nome. Ela era apenas a ....
Imagine o quiser que a mulheres casadas diziam dela e o que os homens, que a exploravam,  também diziam a seu respeito. Esse era o seu nome ou apelido. Ela era a vergonha do vilarejo. Os homens que exploravam a sua fragilidade não se constituíam em vergonha para ninguém, mas a explorada sim. Essa era, sem dúvida, uma vergonha. Ser a parte frágil (e em cada contexto social a fragilidade é diferente) é, certamente, vergonhoso.
Ela foi buscar água sozinha e em um horário impróprio. O sol estava quente e não havia ninguém  para acompanhá-la e protegê-la. As outras mulheres buscavam água em grupo, de manhã, com o sol ameno e um homem para vigiá-las e protegê-las.
Elas jamais falariam com um estranho, pois isso significava expor-se e, talvez, indício de desrespeito para com o marido. Dar atenção a outro homem podia ser entendido como risco de traição.
Ela não tinha marido logo, não poderia traí-lo. Como não tinha quem a vigiasse podia conversar com um estranho. Não tendo quem a “protegesse”  foi  “seduzida” pelo Mestre e encontrou a vida.
Ela era uma mulher caída e pode levantar-se porque encontrou um estranho judeu que mudou a sua vida. Não vivia na chamada “zona de conforto” e por essa razão atreveu-se a ouvir um estranho Rabi junto ao poço. Não tendo mais o que perder aventurou-se e achou o caminho da vida.
Estava “caída”, mas não estava satisfeita com a sua condição. Tinha sede. Sede física e sede espiritual. Sede de água e sede de justiça, sede de reconhecimento pelas lutas que travara para sobreviver e não recebera apoio da sociedade. Sede de ser tratada como um ser humano que cai mas não deseja permanecer na condição em que está. Sede de que alguém reconhecesse que ela não tinha culpa de ter nascido mulher numa época e região desfavoráveis ao gênero feminino.
É possível a sua queda não tivesse sido voluntária e ela mesma tivesse vergonha da sua condição.
O Mestre sabia da sua sede e por isso posicionou-se no seu caminho.
No plano físico sabemos que há crianças que caem porque têm músculos flácidos, estrutura frágil, enquanto outras caem apesar dos músculos fortes. Estas caem porque se aventuram a fugir da rotina, querem galgar alturas ou alcançar lugares que a estrutura da casa não lhes permite. Querem caminhar rápido e alcançar o que os adultos alcançam, mas não lhes são dadas condições ambientais para isso.
Ocorre algo semelhante na esfera moral. Há os que caem por fraqueza de caráter. Esses não sonham com alturas, não desejam ser melhores. Eles apenas vivem mascarando, sob um manto de hipocrisia, as suas fraquezas. Mas também ocorrem quedas por aventuras bem intencionadas, por tentativas de sair de um problema, por não se conformar com as injustas imposições sociais. São quedas por obstáculos que lhes aparecem no caminho enquanto tentam correr, galgar, voar, romper com algumas amarras nem sempre justas e decentes.
A criança que cai por fraqueza muscular requer cuidados de profissionais especializados enquanto as outras requerem apenas que alguns obstáculos sejam retirados do caminho. Que o ambiente  seja mais humanizado.
O que é preocupante, especialmente na esfera moral é que, quando se cai porque estava tentando algo novo, buscando superar os seus próprios limites, nem sempre há alguém por perto para dar a mão e conceder uma nova oportunidade.
Quando uma criança cai, quase  sempre,  está por perto a carinhosa  mãe que diz: “não foi nada, levante para cair outra vez”. Se houve arranhões ela providencia um cicatrizante, ainda que caseiro, e se ocorrer um ferimento mais grave ela providencia logo ajuda especializada. Ela faz tudo isso querendo dizer: isso faz parte do processo de crescimento, não desanime. 
Na história das mulheres que seguiram a Jesus, que aderiram ao Seu ministério encontramos muitas que eram “caídas”  não por serem flácidas moralmente mas por não se curvarem facilmente às exigências da sociedade que estava voltada para o bem-estar dos homens, que não reconhecia  a luta delas. Em busca da própria identidade perdiam-na porque viviam em uma sociedade que não as acolhia, uma sociedade sem “mãe”.
Muitas mulheres desse tempo permaneceram na sombra, continuaram desconhecidas, porque não quiseram abandonar a “zona de conforto”. Não foram a Jesus porque não quiseram sair da comodidade. 
Não posso culpar tais mulheres e nem mesmo posso afirmar que se estivesse lá teria procedido  diferente dos outros homens, mas, após estudar essa lição aprendi a respeitar as pessoas  que se atrevem a fazer diferente, as que ousam embora paguem caro por essa ousadia.
Aprendi isso com Jesus porque Ele tratou com respeito a samaritana sedenta, a endemoninhada Maria Madalena e outras mulheres que foram ousadas; mulheres estranhas para o seu tempo. Ao mesmo tempo, Ele lamentou porque Marta se recusava sair da “zona de conforto” para escrever a sua própria história ainda que com sangue e lágrimas ( Lc 10:38-42).
Campo Grande, MS, Dezembro de 2011
Antonio Sales                     profesales@hotmail.com