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quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

O SEU NOME ERA VERGONHA


Entre as mulheres que seguiram a Jesus ou que, pelo menos, O proclamaram  como Senhor, está a samaritana (Jo 4). Não sabemos o seu nome porque raramente as mulheres tinham nome. Elas recebiam um nome na infância  mas ao chegar à fase adulta trocavam-no pelo nome do marido. Eram conhecidas simplesmente por senhora X, senhora Y ou senhora  Z, onde  X,Y e Z representam os nomes dos maridos.
Soube pelo Google que no Rio de Janeiro existe a Rua Viúva Lacerda. Como se pode ver, uma cidadã ilustre que não tinha nome próprio. A sociedade do seu tempo não lhe outorgou uma identidade própria. A samaritana estava em situação menos favorável. Como não tinha marido, não tinha nome. Ela era apenas a ....
Imagine o quiser que a mulheres casadas diziam dela e o que os homens, que a exploravam,  também diziam a seu respeito. Esse era o seu nome ou apelido. Ela era a vergonha do vilarejo. Os homens que exploravam a sua fragilidade não se constituíam em vergonha para ninguém, mas a explorada sim. Essa era, sem dúvida, uma vergonha. Ser a parte frágil (e em cada contexto social a fragilidade é diferente) é, certamente, vergonhoso.
Ela foi buscar água sozinha e em um horário impróprio. O sol estava quente e não havia ninguém  para acompanhá-la e protegê-la. As outras mulheres buscavam água em grupo, de manhã, com o sol ameno e um homem para vigiá-las e protegê-las.
Elas jamais falariam com um estranho, pois isso significava expor-se e, talvez, indício de desrespeito para com o marido. Dar atenção a outro homem podia ser entendido como risco de traição.
Ela não tinha marido logo, não poderia traí-lo. Como não tinha quem a vigiasse podia conversar com um estranho. Não tendo quem a “protegesse”  foi  “seduzida” pelo Mestre e encontrou a vida.
Ela era uma mulher caída e pode levantar-se porque encontrou um estranho judeu que mudou a sua vida. Não vivia na chamada “zona de conforto” e por essa razão atreveu-se a ouvir um estranho Rabi junto ao poço. Não tendo mais o que perder aventurou-se e achou o caminho da vida.
Estava “caída”, mas não estava satisfeita com a sua condição. Tinha sede. Sede física e sede espiritual. Sede de água e sede de justiça, sede de reconhecimento pelas lutas que travara para sobreviver e não recebera apoio da sociedade. Sede de ser tratada como um ser humano que cai mas não deseja permanecer na condição em que está. Sede de que alguém reconhecesse que ela não tinha culpa de ter nascido mulher numa época e região desfavoráveis ao gênero feminino.
É possível a sua queda não tivesse sido voluntária e ela mesma tivesse vergonha da sua condição.
O Mestre sabia da sua sede e por isso posicionou-se no seu caminho.
No plano físico sabemos que há crianças que caem porque têm músculos flácidos, estrutura frágil, enquanto outras caem apesar dos músculos fortes. Estas caem porque se aventuram a fugir da rotina, querem galgar alturas ou alcançar lugares que a estrutura da casa não lhes permite. Querem caminhar rápido e alcançar o que os adultos alcançam, mas não lhes são dadas condições ambientais para isso.
Ocorre algo semelhante na esfera moral. Há os que caem por fraqueza de caráter. Esses não sonham com alturas, não desejam ser melhores. Eles apenas vivem mascarando, sob um manto de hipocrisia, as suas fraquezas. Mas também ocorrem quedas por aventuras bem intencionadas, por tentativas de sair de um problema, por não se conformar com as injustas imposições sociais. São quedas por obstáculos que lhes aparecem no caminho enquanto tentam correr, galgar, voar, romper com algumas amarras nem sempre justas e decentes.
A criança que cai por fraqueza muscular requer cuidados de profissionais especializados enquanto as outras requerem apenas que alguns obstáculos sejam retirados do caminho. Que o ambiente  seja mais humanizado.
O que é preocupante, especialmente na esfera moral é que, quando se cai porque estava tentando algo novo, buscando superar os seus próprios limites, nem sempre há alguém por perto para dar a mão e conceder uma nova oportunidade.
Quando uma criança cai, quase  sempre,  está por perto a carinhosa  mãe que diz: “não foi nada, levante para cair outra vez”. Se houve arranhões ela providencia um cicatrizante, ainda que caseiro, e se ocorrer um ferimento mais grave ela providencia logo ajuda especializada. Ela faz tudo isso querendo dizer: isso faz parte do processo de crescimento, não desanime. 
Na história das mulheres que seguiram a Jesus, que aderiram ao Seu ministério encontramos muitas que eram “caídas”  não por serem flácidas moralmente mas por não se curvarem facilmente às exigências da sociedade que estava voltada para o bem-estar dos homens, que não reconhecia  a luta delas. Em busca da própria identidade perdiam-na porque viviam em uma sociedade que não as acolhia, uma sociedade sem “mãe”.
Muitas mulheres desse tempo permaneceram na sombra, continuaram desconhecidas, porque não quiseram abandonar a “zona de conforto”. Não foram a Jesus porque não quiseram sair da comodidade. 
Não posso culpar tais mulheres e nem mesmo posso afirmar que se estivesse lá teria procedido  diferente dos outros homens, mas, após estudar essa lição aprendi a respeitar as pessoas  que se atrevem a fazer diferente, as que ousam embora paguem caro por essa ousadia.
Aprendi isso com Jesus porque Ele tratou com respeito a samaritana sedenta, a endemoninhada Maria Madalena e outras mulheres que foram ousadas; mulheres estranhas para o seu tempo. Ao mesmo tempo, Ele lamentou porque Marta se recusava sair da “zona de conforto” para escrever a sua própria história ainda que com sangue e lágrimas ( Lc 10:38-42).
Campo Grande, MS, Dezembro de 2011
Antonio Sales                     profesales@hotmail.com

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