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quinta-feira, 22 de setembro de 2011

O Bom Samaritano


No Evangelho Segundo Lucas encontramos, entre as muitas parábolas de Jesus, a conhecida como “Parábola do Bom Samaritano”(Lc  10:25 ). De acordo com o texto bíblico um homem que ia de Jerusalém para Jericó foi assaltado, espancado e depois abandonando como morto. Horas depois passaram por ali dois religiosos, que atuavam diretamente nos serviços do templo, e um  samaritano. Passaram em horários diferentes e o samaritano foi o último deles. Os dois primeiros não se deram ao trabalho de pensar no problema do homem e o terceiro o socorreu  merecendo o respeito de Jesus. O que socorreu pertencia a uma nacão de desprezados pelos judeus, a um grupo tido por apóstata  que perdera o direito à herança divina. Foi ele quem atendeu o moribundo e recebeu a aprovacao divina.
Essa parábola é atual. O homem (ser humano) está desamparado em meio a um turbilhão de informações. Já não sabe mais educar os seus filhos, já não tem mais as garantias de antigamente (embora tenha outras maiores e melhores) que lhe davam um norte. A absoluta autoridade dos pais, a certeza de que o amanhã será igual (ou quase igual) ao hoje,   a “firme” palavra dos líderes religiosos e a moralidade de aparência eram certezas que davam um rumo para  a vida de todos. Tudo isso não existe mais, as certezas ruíram e os homens estão no desamparo.
Nesse  momento solene da história passam por nós os religiosos: os pastores e o líderes leigos das igrejas. Olharão eles para nós e nos socorrerão? Precupar-se-ão com o nosso desamparo?
Durante muito tempo alimentei a ilusão de que um pastor estava a serviço do povo. Pensava que podia contar com ele para orientacão, como mediador de conflitos e como sábio conselheiro. Pensava ainda que ele se posicionaria ao meu lado quando eu estivesse em apuros, sendo caluniado ou ludibriado por alguém.
Eu não esperava ter razão sempre, receber sempre um tapinha nas costas ou coisas do tipo. Esperava que ele defendesse, na prática e do púlpito, a minha dignidade, o meu direito de ser respeitado, o meu direito de, às vezes, errar enquanto tenta acertar, o meu direito de pensar, discordar e sugerir.
Espera que dissesse que não é só ofendedo a Deus que se peca, que não é só a honra da igreja que deve ser protegida (existe instituição sem o ser humano?).
 Queria que ele dissesse que a calúnia me ofende, me faz sofrer. Que ele assumisse que a criança precisa de proteção e que falasse sem rodeios e sem espiritualizações contra a violência doméstica. Que propusesse projetos sociais para orientar os jovens contra as drogas e preparar o  jovem que precisa de emprego. Que distribuísse, na igreja, endereços das delegacias de proteção à mulher e me ensinasse como fazer denúncias. Que se posicionasse quando alguém, maldosamente, solapasse a atividade do outro, na igreja.
Como se pode ver, eu não esperava muito. Esperava que ele fosse humano e não divino, que vivesse nesta terra e não no céu, que se preocupasse com o ser humano tanto quanto se preocupa com Deus e com a honra da igreja. Que assumisse que um sermão condenatório e sem as devidas orientações sobre como proceder é tão irreverente quanto o cochicho dos jovens. Esperava que ele deixasse de ficar repetindo coisas mil vezes proferidas e atualizasse o discurso. Que evitasse as citações enfadonhas e as  compilação por se falta de ética e de competência. Queria que o salário de um pastor trouxesse resultados práticos em benefício da igreja.
Descobri, para o meu desamparo, que não posso contar com eles porque eles estão a servico de Deus e não dos homens. Eles são o levita e sacerdote da parábola e não o samaritano.
Eles não somente vivem isso, mas pregam abertamente sobre isso embora condenem os dois personagens da parábola. Que eles vivem isso constatei na minha vida como membro de uma igreja por mais de 45 anos. Que eles pregam sobre isso qualquer pessoa pode constatar. Quando eles se propõem a tratar de relacioamentos em seus sermões, ou condenar erros, focalizam o tempo todo o desagrado a Deus e a desonra da igreja. Em nenhum momento falam do sofrimento que causamos ao outro com o nosso comportamento, do respeito que devemos ao irmão etc. Eles defendem abertamente a honra de Deus e procuram ocultar as desonras que sofremos porque se elas vierem a público “mancharão” a honra da instituição.
Foi por esse discurso  que percebi que estavam voltados para a defesa de Deus e não do homem. Percebi então um enorme descompasso entre a atividade pastoral e a vida cristã.
Analiso esse descompasso nos parágrafos seguintes. Faço, às vezes,  em forma de questões para que o leitor tire suas próprias conclusões.
Deus precisa de defensores ou de testemunhas da Sua bondade, tolerância e respeito pelo outro? Um Deus de verdade precisa de defensores (Jz 6:31)? Por que Jesus elogiou o samaritano se eram os outros dois que defendiam a Deus, que viviam e defendiam a religião?
Sei que defender a Deus ou voltar-me apenas para as questões religiosas é muito  mais facil. Não se corre o risco de desagradar ninguém  (Deus não manifesta o Seu desagrado) e se é  tido por neutro, imparcial. Essa postura garante o emprego em uma instituição que perdeu de vista a sua funçào social.
Além disso (nessa perspectiva de suposta neutralidade), sempre se pode dizer que não fez por questão de consciência e se pode até burlar aqueles que querem nos cobrar alguma coisa. Toda pessoa que serve a um patrão e trabalha cedida para outro patrão consegue, se desejar, enganar os dois. Para um ele diz que não recebeu tal ordem e para o outro dirá que não recebeu apoio para executar a ordem. Será que é essa a intencão dos pastores: escapar de qualquer cobrança?
Em segundo lugar penso que essa ideia de trabalhar para Deus está em descompasso porque o salário é pago pelos homens.  Alguém poderá protestar dizendo que é pago pelos dízimos e os dízimos são de Deus. Os dízimos são de Deus como os impostos são do governo: quem paga é o povo, é na mesa do povo que ele faz falta, e por isso deve retornar em benfício do povo.
Por que Deus não envia o dinheiro diretamente dos cofres celestiais para eles? Será que o fato de Deus instituir o dízimo (a ser pago pelos seres humanos) não é uma indicação de qual deveria ser o foco do trabalho do pastor? “Digno é o trabalhador do seu salário” disse o apóstolo (1Tm 5:18). Digno é o povo de ter retorno pelo que pagam, dizemos nós.
Nem eles acreditam que são pagos por Deus, pois se acreditassem não ficariam desesperados quando os dízimos começam cair  e não fariam tantos apelos à chamada mordomia cristã, sempre com ênfase no dinheiro.
Não estou propondo que os fiéis deixem de devolver o dizimo assim como nunca passou pela minha cabeça pregar a sonegacão de impostos. Questiono o uso, o discurso e quero apenas entender e chamar a atencão dos fiéis acerca dos direitos que eles têm de receber um bom atendimento por parte dos pastores. Esse bom atendimento já foi parcialmente definido parágrafos acima.
Tanta coisa para ensinar ao povo, tanta coisa para fazer pelo povo, mas não se faz porque se trabalha para Deus. O que diria Jesus a esse respeito? Pastor tem que ser neutro? Pastor é para pastorar o povo ou  a Deus? É para cuidar do povo (orientando, promovendo justiça), tomando posição ou só da igreja? Deve se poscionar ou ficar “em cima do muro” para evitar reveses e  garantir o salário?
Trabalhar para o ser humano não e só pregar. Inclui  ensinar, mediar confitos, orientar com base em conhecimentos científicos, promover um relacionamento saudável, ajudar mais e cobrar menos, se fazer mais presente, condenar menos e incentivar mais as iniciativas particulares. É ter um compromisso com o povo e seguir o exemplo de Moisés (Êx 32:32). É saber que um sermão com base no senso comum não ajuda ninguém. É ter consciência de que um sermão com base em citações prolongadas e juntadas por acaso não acrescenta saber.
E tudo isso e muito mais.
Alerto que escrevo essas linhas tendo por base minha vivência religiosa em um instituição específica. Pode não ser a experiência de mais ninguém e cada leitor escreverá a sua própria versão moderna da parábola do Bom Samaritano.
Antonio Sales  profesales@hotmail.com
Nova Andradina, 21 de setembro de 2011.

4 comentários:

  1. Texto muito apropriado para pensarmos as funções dos pastores e a necessidade de consciência dos membros que acabam se acomodando e sendo manipulados em nome da tradição.

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  2. texto muito apropriado mesmo. mas acredito que pastores nao trabalham para o ser humano por falta de capacidade.. o curso teologico nao ensina a lidar com a humanidade contemporanea..todo pastor, alem da teologia, deveria estudar psicologia, se capacitando para lidar com o homem do seculo 21, suas certezas, seus conceitos, suas virtudes,e seus defeitos. ASS: ZILDDO.

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  3. todos os pastores deveriam voltar pra escola, e cursar psicologia. mas creio que dentro das limitações atuais, o grande ERRO dos pastores seja NÃO ADMITIR QUE NÃO ESTAO PREPARADOS. são chamados para fazer transplantes quando são capacitados somente para a area administrativa do hospital. ASS: ZILDDO

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  4. Nada a acrescentar aos comentários. Os leitors "captaram" a minha mensagem e eu "captei" a deles. Estamos em sintonia.
    Nossa angústia é a mesma.

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