Translate

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Por que Ir à Igreja?- VI


Minha experiência religiosa foi constituída na convivência com uma igreja  evangélica tradicional que se considera a portadora da verdade eterna. O culto formal, os horários programados para cada atividade, os hinos previamente ensaiados, as orações com começo e fim programados e muitas delas repetidas faziam parte do meu mundo religioso e constituíam a minha verdade sobre a forma de adoração. Qualquer variação  nessa rotina soava estranha e me incomodava.
Um culto diferente desse era desordem, desagradava o meu  Deus e provocava mal-estar. Certo dia fui convidado a visitar uma igreja evangélica não convencional. Atendi o convite. Ao entrar, já um pouco atrasado,  deparei com o coral apresentado uma mensagem supostamente ensaiada, embora diferente do que estava acostumado a ouvir. Ao mesmo tempo ouvi, atrás de mim, uma voz clamando aleluias e glórias a Deus.  Aturdido olhei para um lado e vi dois “irmãos” que se cumprimentavam sorridentes e, em rápidas palavras, punham em dia as informações familiares e pessoais.
Nesse ambiente estranho e em busca de confirmação de que ali não reinava nenhuma ordem racional, olhei para o outro lado esperando encontrar alguém ajoelhado orando. Não encontrei, mas mesmo assim tudo me pareceu estranho. Minhas convicções de que a minha igreja era a verdadeira e tinha a forma correta de culto se confirmaram. Na época o que estava em questão na minha vida era provar que as outras formas de adoração estavam erradas, que havia uma única ordem correta.
Hoje, depois de muito tempo, e buscando entender a dinâmica da adoração,  penso diferente e constantemente me pergunto:
O que havia de errado naquele culto? Que mal haveria se alguém se ajoelhasse naquele burburinho e falasse com Deus?
Um culto assim é o caos, dirá alguém. Uma verdadeira desordem, dirão outros. Talvez, sim, respondo eu. Tudo depende do ponto de vista. O matemático Benoît Mendelbrot mostrou que há ordem no caos. Há uma ordem microscópica no universo aparentemente caótico. Pensemos em uma escola. Enquanto o professor faz uma coisa, o aluno faz outra, o diretor faz outra, a cozinheira “destoa” totalmente desse conjunto e o pessoal da limpeza, então, está ocupado com outra coisa. Há desordem na escola?
E a cidade, com suas múltiplas funções concomitantes, é desordenada?
Dirá alguém: mas a igreja é um espaço pequeno!
Pequeno é um advérbio polissêmico, tem múltiplos significados. A sua igreja é pequena em seu aspecto físico, isto é, pela estreiteza das suas paredes ou é pequena pela estreiteza mental das pessoas que a frequentam? É pequena pela pouca altura do seu teto ou pela pobreza das ideias? É pequena porque as janelas são estreitas ou por causa do olhar enviesado dos seus líderes?
Pergunto: havia caos nesse culto que citei linhas atrás ou apenas uma ordem diferente? Não haveria uma ordem individual nesse, aparentemente caótico, culto coletivo?    
Se a igreja é um lugar para adorar, para aprender, para ver a Deus, para compartilhar com os irmãos, para me autoavaliar e para olhar para fora, como é possível fazer tudo isso em um culto formal? Se temos que ficar em silêncio, como podemos cumprimentar os irmãos? A adoração é um ato coletivo ou individual? Se é coletivo então o tradicional está correto, se é individual então aquele culto que me assustou tem a sua razão e ser.
Parece que a religião é coletiva, mas o culto é individual. É possível adorar a Deus em espírito e em verdade coletivamente? Há sentimento coletivo de gratidão? Todos têm os mesmos motivos ao mesmo tempo? Todos se expressam do mesmo modo? Quem não consegue cantar tem que cantar assim mesmo? Quem vai à igreja para encontrar os irmãos tem que ficar em silêncio ouvindo o sermão? Quem quer louvar a Deus, sem cantar, não pode?
O que haveria de errado em um culto onde enquanto um canta o outro ora, o outro clama aleluia e o outro sorri para o seu amigo? Todos terão que ir à igreja para ouvir o mesmo sermão ou cantar os mesmos hinos?
Tenho um amigo que encontrou uma maneira, no meu entender, inteligente de burlar os sermões  improdutivos. Ele leva um livro e se o sermão não está palatável ele desliga-se e concentra na leitura.
Outra pessoa leva a Bíblia e o IPAD. Se o sermão está improdutivo ela liga o aparelho e faz buscas em sites interessantes. Um dia o pregador se incomodou e criticou o uso do IPAD na igreja e ela, à saída, com bom humor brincou com ele: trago a Bíblia impressa e a Bíblia no IPAD. Quando acaba a bateria da Bíblia impressa uso a do IPAD. Em outras palavras: se o sermão está sem vida busco vida em outra fonte.
Penso que uma igreja para todos tem um culto para todos também. Um culto para todos admite que uns cantem enquanto outros oram, que alguém permaneça no pátio  enquanto o outro prega. Até porque a conversa de quem está no pátio pode ser sobre o sermão ou a elaboração de um projeto de assistência. Será que temos que pressupor que todas as pessoas são mal-intencionadas, desinteressadas, etc.?
Se o sermão for interessante possivelmente todos, exceto as crianças, prestarão atenção. Se a música tiver relação com a experiência de cada um possivelmente se ouvirá améns, brados de aleluia e até um ou outro sorriso de felicidade. Se a oração pública for envolvente é possível que se ouçam múltiplos améns.
É possível também que durante algum hino envolvente alguém se ajoelhe para orar ou que alguém se levante e vá o púlpito para entregar-se voluntariamente ao Senhor e  outra pessoa vá, no mesmo instante, recebe-lo e orar com ele.
Estou propondo outra ordem no culto, uma ordem para todos, uma ordem que atenda as particularidades.
Será que aquele irmão que ficou no pátio conversando voltou para casa menos revigorado do que aquele que ficou na nave da igreja se controlando para não rir do sermão? Será que aquela irmã que gastou todo o seu tempo tentando entender um sermão desconexo foi mais beneficiada do que aquela que passou o mesmo tempo embevecida com o sorriso do seu filhinho? Será que aquele irmão que  leu durante o culto aprendeu e adorou menos do que aquele ficou ouvindo um sermão em que o pregador ocupou o púlpito somente para preencher espaço? Há pregadores que ocupam o púlpito para desabafos e outros, porque estão na escala. Há ainda aqueles que não sabem que não sabem, que pensam que têm uma mensagem mas têm apenas uma enrolação. De que vale a formalidade desse culto? Qual a ordem que li existe? Será  a ordem do autoritarismo ou a ordem da ignorância que predomina?
Nova Andradina, 15 de setembro de 2011.
Antonio Sales                                profesales@hotmail.com

Um comentário:

  1. Você realmente está se revelando um verdadeiro ensaísta. Interessante as perguntas e questionamentos que nos levam a pensar sobre os sentidos da adoração coletiva e individual.

    O que você fez em forma de ensaio, penso que fiz em forma de poema. Vou enviar para você.

    ResponderExcluir