As mensagens de autoajuda cristã que recebo pela
internet (leio menos de 10% delas) quase sempre vêm apelando para que eu
reconheça a necessidade de uma mudança em minha vida, e mais especificamente em
meu modo de pensar, caso eu deseje ter sucesso espiritual.
Não se trata de discordar da validade da mensagem
porque realmente necessitamos reordenar nosso modo de pensar continuamente.
Novos conhecimentos trazem novas concepções e como consequência uma nova forma
de ver o mundo se faz necessária. Um novo olhar se torna imperioso a cada dia.
Bauman (2013, p.10) mostra essa necessidade ao
falar da mixofilia que está sendo impulsionada pela migração intensa que
provoca uma miscigenação sem precedentes. Portanto, entendo ser ponto pacifico
que devemos nos livrar das amarras mentais.
O problema é quando se parte do pressuposto de que é
o outro quem deve mudar para se adequar às minhas interpretações. É
problemático quando suponho que o preconceituoso é o outro, o retrógrado é o
outro, o hipócrita é o outro, quem está no caminho errado é o outro, enfim,
quem tem que fazer ou sofrer ajustes é o outro.
A última que li tratava do camelo que se sentia
amarrado porque o seu tratador fingiu fincar uma estaca no chão e simulou atá-lo
a ela. O apelo que veio em seguida foi: "E você? Está preso a algumas
amarras mentais? Crê que não pode seguir em frente? Melhorar sua saúde, seus
relacionamentos, sua vida? Pare de acreditar que está preso a uma doença,
problemas no trabalho ou qualquer situação ruim, livre-se das amarras é
possível seguir adiante".
Fiquei pensando na origem da mensagem. Por que foi
enviada a mim? Suponho que quem a enviou
talvez nem tenha pensado que eu
necessite realmente dessa mudança. Quis apenas divulgar a ideia, o apelo, que
possivelmente tenha lhe feito bem.
Mas porque ele se dirigiu a mim dizendo: "E
você? Está preso a algumas amarras mentais?”.
Por que não disse: “preciso verificar se não estou
amarrado a processos mentais desatualizados. Preciso ver se comigo não ocorre o
mesmo que com o camelo”?
Saramago (citador por MAZZEO, apud BAUMAN, 2013, p.12) disse que todos nós sabemos o que é
preciso fazer, mas nem sempre estamos dispostos a fazer. Por vezes nem mesmo
queremos aprender como se faz ou justificar para nos mesmos porque devemos
fazer.
Não é necessariamente o outro que está necessitando rever os seus conceitos ou
superar os seus preconceitos. Muitas vezes sou eu quem precisa sofrer os
ajustes. Um problema sério consiste em nos esquecermos de que estamos vivos,
logo, sujeitos a erro. Quem está caminhando sempre está em perigo de ter
perdido o rumo.
Só os brutos não se perdem porque o relento é a sua
casa, o instinto é o seu guia, a genética é o seu padrão, a sobrevivência é a
sua ética e a procriação é a sua moral. O ser humano sempre pode estar errado.
Por que sempre apelar para que o outro mude?
Nova Andradina,
29 de junho de 2013
Antonio Sales
profesales@hotmail.com
BAUMAN, Zygmunt. Sobre Educação e Juventude: conversas
com Ricardo Mazzeo. Rio de Janeiro, Zahar, 2013.