Uma pessoa amiga pediu-me para definir felicidade
para ela. Após quase uma semana, depois de supor que não saberia o que escrever,
acordei, hoje pela manhã, com vontade de por alguma coisa sobre felicidade no
“papel”. Peguei o iPad e rascunhei o texto a seguir. Será que ajudei o meu
amigo?
A felicidade para mim é uma palavra fugaz,
matreira. Quando penso que sei o que ela é descubro que não sei. Creio que a
felicidade existe tanto quanto sei que o tempo existe e assim como não sei
definir o tempo também não sei definir a felicidade.
Se me perguntarem se sou feliz, direi que sim. Mas,
por que sou feliz? Por um conjunto de fatores que acontecem simultaneamente. Alguns
desses fatores são internos e outros, externos.
Os fatores internos vão desde a dosagem hormonal, e
outros produtos químicos presentes em meu corpo, incluindo meus sonhos, minhas
perspectivas, meu autodomínio e até os meus conflitos existenciais. Os
externos são as condições de vida a que
sou submetido: segurança, poder de compra, poder de realizar meus desejos mais
sublimes como viajar, conhecer, estudar, presentear a quem eu gosto, visitar
quem eu amo e ajudar um jovem que quer vencer na vida.
Entre os fatores de minha felicidade estão ainda as
minhas oportunidades de serviço, a capacidade de produção, o apoio
institucional que me dá credibilidade, este espaço democrático onde exerço minha
liberdade de expressão e os amigos que me desafiam. Tais fatores são
parcialmente internos e parcialmente externos.
Também são fatores externos de felicidade, a minha
família. Como se comportam os seus membros, como vivem e como me tratam influencia
na minha subjetividade. Mas minha família já foi um fator interno, pois um dia
ela dependeu de mim, da minha capacidade de gerenciar, de mostrar afeto, de
respeitar, de dar exemplo e de viver intensamente a relação que tinha com ela,
uma relação que tinha que ser humana.
Hoje, todos crescidos, a família é, para a minha
felicidade, um fator parcialmente interno e parcialmente externo. Ela tem seus
próprios problemas que me afetam e tem os problemas que eu lhe causo com minhas
ingerências, ausência de simpatia e de afeto.
Ser feliz, como se pode ver, é complexo e
contraditório, pois, ao mesmo tempo em que sou feliz sinto uma pontinha de
infelicidade a me espetar. Tenho necessidades de afeto não satisfeitas, sonhos não
realizados e frustrações frequentes. Tenho alegria de viver, chegar aonde
cheguei, ter o que tenho, ser o que sou e ter alcançado o que alcancei. Tenho a
frustração e não ter ido mais longe, não ter produzido mais, não ter sido mais
amigo, melhor pai, melhor companheiro e um profissional mais competente.
E a religião não supre a todas as suas necessidades?
Perguntará alguém. Ela não supre o que falta? Não proporciona a satisfação
necessária para que haja felicidade plena?
Não, respondo eu.
A religião trabalha com verdades absolutas que me
impedem de crescer, de buscar a verdade mais verdadeira, isto é, impede-me de
estar sempre em busca da verdade plena. O que me torna humano é essa busca
constante, esse crescer diário, esse aproximar sempre sem nunca tocar na
verdade. Logo, a religião com os seus dogmas rouba parte da minha humanidade.
Rouba o que há de mais sublime no viver: a busca ativa por algo melhor.
Outro fator que impede a religião de suprir as minhas
necessidades subjetivas consiste no fato de ela insistir em me tornar uma ovelha
enquanto eu insisto em continuar sendo ser humano, um ser pensante, com
livre-arbítrio, com direito de falar, propor, avaliar e ajudar do modo que
posso. A ovelha é feliz por não pensar, não ter conflitos, em seguir humildemente
o líder e dele depender em todos os sentidos. O ser humano é feliz quando é
autônomo.
E Deus? Esse não te faz feliz? Perguntará outro
amigo após ler essas minhas palavras.
Respondo: parcialmente, sim.
Primeiro preciso definir ou redefinir o Deus em
quem eu creio, pois o Deus que a religião me apresentou parece não corresponder
ao Deus dos evangelhos. Em segundo lugar porque a presença de Deus em minha
vida não é algo palpável. E talvez seja bom que não seja mesmo.
Ele Se ausenta porque precisa respeitar os meus
limites e, como pai, deve me impulsionar na buscar por autonomia. Mas essa
"ausência" ao mesmo tempo em que me conforta e me impulsiona também
me angustia porque Ele não "dá tapinhas em meu ombro", não diz nada
em meu ouvido, mesmo quando necessito que o faça. Ao dizer que Deus não diz
nada ao meu ouvido estou pensando no "ponto" que os entrevistadores “ao
vivo” têm no ouvido para receber sugestões de perguntas por parte da produção.
Dessa forma o meu Deus também deixa vazios na minha
vida. Curioso é que a minha felicidade tanto depende dos meus vazios como das
minhas plenitudes. Depende tanto das minhas crenças como das minhas descrenças,
tanto das presenças como das ausências que sinto. Depende tanto dos meus
"sonhos" como dos meus sonos profundos. Depende tanto dos meus
"sonhos" mais sublimes como dos meus "pesadelos" mais angustiantes.
Dessa forma ouso dizer que sou feliz porque não sou
plenamente feliz e não sou totalmente feliz por não ser plenamente feliz.
Assim amigo, minha definição de felicidade tanto
pode ser motivo de felicidade para você como motivo de infelicidade. Tanto pode
ter ajudado em suas incertezas como aumentado as incertezas e produzido angústia.
Depende de você.
Posso dizer que sou mais feliz porque você me
desafiou.
Antonio Sales profesales@hotmail.com
Nova Andradina, 15 de junho de 2013.
"A busca da felicidade". A cada amanhecer é isso que procura-se buscar para a vida.Ser feliz. Penso que essa busca é difícil porque não conseguimos definí-la. Às vezes pensamos que a felicidade está na conquista de alguma coisa, quando chegamos próximos a essa conquista queremos mais e percebemos que a vida faz parte de algo maior.Buscar a felicidade é algo meio vago,não se sabe por onde começar. Concordo quando dizes que depende de um conjunto de fatores internos e externos. Nada muito duradouro. Parece modismo. Vivemos uma época que a regra é: Quem não é feliz é indesejado. Por isso é preciso vivenciar intensamente os momentos que consideramos felizes...Professor Sales, cada vez que leio teus textos, fico maravilhada com a facilidade com que desenvolves uma ideia. Parabéns. Abraço
ResponderExcluiras emoções de cada dia que são passageiras, de acordo com que ganhamos ou perdemos.A FELICIDADE É ESTÁVEL. Abraços
ExcluirAMIGO:Concordou com a resposta anterior?
Excluirão sei se felicidade é estável. Como disse, ela é algo complexo. Quando estou feliz posso ao mesmo tempo ter pontinhos de infelicidade. Há no ser humano um desejo insatisfeito de buscar mais, uma certa incompletude.
ExcluirMesmo nos momentos de profundo desespero, em que a infelicidade parece ser soberana, posso ter um lampejo de felicidade (ou de esperança?) que me livra de um suicídio, por exemplo. Esperança é um dos componentes da felicidade.
Dessa forma não sei se concordo ou não, porque as emoções são componentes da felicidade também.
Obrigado pelo desafio que fica sem ser respondido.
Duvidando aqui, duvidando ali. Não crendo aqui, não crendo ali. Vem a dificuldade para entender, mas agora sim entendi tudo que foi exposto. Podemos dizer que a felicidade é igual a uma balança que nunca se encontra o peso certo. Muito e muito obrigada. Desculpe-me alguma coisa, (o troféu é teu).
ExcluirABRAÇOS.
O troféu é nosso, amiga. Suas ponderações enriquecem este espaço. Continuamos sem saber muito bem o que é felicidade, mas, com certeza, um pouco mais felizes.
ExcluirAbraço
Fico feliz em contribuir. Obrigado
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