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terça-feira, 16 de agosto de 2011

Liberdade-III


Meus leitores já perceberam que não trato da liberdade física. Minha preocupação é com a liberdade da mente, com a capacidade de conviver com novas ideias, com a coragem de pensar diferente.
Conviver com uma ideia fixa é uma prisão; “a prisão de um só pensamento” (CHESTERTON, 2008, p.102). Viver nesse mundo pequeno (de um só pensamento) é pensar o universo como ainda estando na casca de noz.
O que caracteriza uma prisão física, metáfora da prisão da mente, é que sempre se vê as mesmas paredes sob os mesmo ângulos e percorrem-se sempre os mesmos corredores. Um prisioneiro da mente alimenta, durante anos, os mesmos medos, cultiva sempre as mesmas preocupações e julga sempre pelos mesmos critérios.
Na prisão mental cultiva-se a ideia de completude e a completude apequena. O “presídio” é o seu espaço mais amplo, não há mais para onde ir. Lá “fora” a vida estagnou. Novas aprendizagens não fazem sentido. Para que estudar o universo se as paredes frias são tudo o que existe para ele?  
Nesse universo amesquinhado repetem-se as mesmas frases já desgastadas e o discurso não sai do lugar comum. O prisioneiro põe a possibilidade de expansão sob rigorosa guarda, dogmatiza o que poderia ser opcional e com isso estreita ainda mais os horizontes, admite que a verdade esteja só de um lado e com isso encerra o diálogo, decide a priori e, dessa forma, inibe a ousadia. Seu mundo é uma fantasia, como é uma fantasia o “lago” de um peixe criado no aquário.
O livre, por outro lado, sabe que quem faz uma estátua grande pode fazer também uma estatueta (CHESTERTON, 2008). Quem agiu de um modo pode agir diferente e quem redigiu um texto pode dizê-lo também em outras palavras. Sabe que não há limite para a criatividade humana e que Deus não se contenta com a mediocridade.
Sabe também que os males da vida devem receber tratamentos diferenciados. Quem sofreu um acidente precisa de repouso para ser curado e quem foi vítima de um golpe financeiro deve agir duplicadamente para recuperar o prejuízo. Quem está com virose precisa ser paciente e quem sofreu uma falcatrua precisa ser impaciente (CHESTERTON, 2008).
Só a liberdade permite compreender essas metáforas.
Tenho um colega que é professor no Instituto Federal de São Gabriel da Cachoeira (AM), cidade situada na região que no mapa se parece com a cabeça de um cão. Dizia-se ter vindo da “cabeça do cachorro” para estudar em Campo Grande. Segundo ele, cerca de noventa por cento da população daquela cidade é constituída de indígenas de diversas etnias.
Com ele aprendi que entre os índios não se costumava encontrar gêmeos ou pessoas com alguma deficiência. Não porque não nascessem, mas porque tais crianças eram abandonadas na mata para serem devoradas pelos animais selvagens. Em caso de gêmeos, o mais frágil era o amaldiçoado.
Prisioneiros “de um só pensamento” esses índios não conseguiam conviver com as diferenças. Não sabiam o que fazer com tais pessoas e não estavam dispostos a pensar em outras possibilidades. Todo diferente era uma maldição.
Os prisioneiros da mente veem o demônio em todo lugar e inspirando todas as ações que discordam do modelo concebido por ele (pelo prisioneiro). Essa prisão impede de respeitar e amar. Mas, mas para apoiar é preciso amar. Para mudar é preciso apoiar, para apoiar é preciso acreditar e pensar em outras possibilidades.
Múltiplas são as razões para viver, servir, amar e adorar.
Einstein era um homem livre e a ele é atribuída a frase: “a mente que se abre para uma nova ideia jamais voltará a ser a mesma”. Um gênio nem sempre é alguém com um alto quociente intelectual, mas sempre será alguém que permite que sua mente se engravide com novas ideias. Não há problema que a gravidez seja de gêmeos, pode ser de gêmeos múltiplos e de “sexos” opostos. O importante é pensar, ousar, admitir outras possibilidades.
O conhecimento se expande, a tecnologia se aperfeiçoa e facilita a vida cada vez mais, a sociedade se transforma e melhora na distribuição da justiça, a fé se robustece e o amor se manifesta em sua verdadeira essência, unindo sentimento e ação, graças às pessoas de mente livre.
Jesus alertou aos prisioneiros fariseus da necessidade de uma mente livre. Ele disse: “conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (Jo 8:32). Ele falava da  verdade de que a vida é complexa, que as possibilidades são múltipas, que Deus não é indiferente aos progressos humanos e não corrobora a mesmice.
Abro parêntese. “Ouço” as vozes dos prisioneiros “de um só pensamento” relacionando liberdade com promiscuidade e dizendo: a liberdade não pode produzir danos morais?
Para eles só há um sentido para a palavra liberdade: irresponsabilidade.
Os livres sabem que liberdade é a disposição para conjeturar e para conviver com o diferente; é potencialidade para conceber que a verdade pode ter mais de um lado. Fecho o parêntese.
A leitura é a chave que abre as janelas e portas da prisão da mente. Uma leitura direcionada, de um único gênero literário, abre uma janela. Ilumina a cela, mas não permite ver o movimento fora daquele minúsculo espaço. É a leitura de variados gêneros que abre as portas em toda a sua amplitude.
“Ler é preciso”, afirma Genival Mota em cada mensagem que manda.
CHESTERTON, G.K. Ortodoxia. São Paulo: Mundo Cristão, 2008.
Antonio Sales

4 comentários:

  1. "...a liberdade da mente, com a capacidade de conviver com novas ideias, com a coragem de pensar diferente".

    Realmente este é o princípio que deve nortear a vida de quem quer crescer, sair da mesmice, trilhar outros caminhos.

    Mas, como ensinar liberdade para quem se acostumou com o espírito escrabo de um só pensamento e com a música de uma nota só?

    E a lição da ES desta semana é um prato cheio para os fundamentalistas...

    Quem não tem a liberdade de "coxear entre dois senhores, como vai distinguir o Senhor do Tirano?

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  2. Amigo, se a gente conseguir ser livre já é um avanço. Pouco a pouco iremos conquistando outros.

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  3. Ser livre em instituições dogmatizantes e burrificantes, pode se tornar uma tarefa pra vida toda. E aí, onde colocamos o medo e o preconceito de errar e desagradar um deus criado aquém do conceito bíblico de que Deus é amor em essência. Onde e quando fomos ensinados a guardar ou excluir esse Deus ( O do amor)?
    Os dogmas afastam e emburrecem os que creem!
    Os dogmas escravizam e geram conflitos entre os pensantes e os que aceitam tudo sem pensar.
    Deus está pronto para excluir aqueles que não se enquadrarem no esquema. Aqueles que ousarem ser diferentes. Aqueles que se sentirem no direito de tomarem posse de sua liberdade.
    Deus é amor, em liberdade! E quer que sejamos livres!

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  4. "Tarefa para toda a vida". Essa frase merece destaque.
    Como desfazer o mal que nos causaram? É preciso reescrever a nossa história e isso é, realmente, terefa para toda a vida.

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