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domingo, 14 de agosto de 2011

O Filho Pródigo



 O evangelista Lucas registra a parábola, contada por Jesus, sobre o filho de um rico proprietário que abandonou a casa paterna e foi viver como julgava deveria ser a vida (Lc 15:11-32). Depois de um período de frustrações com a escolha que fizera o jovem voltou implorando perdão ao pai e solicitando acolhida. Foi recebido com alegria pelo pai, mas não pelo irmão mais velho. Este detestou a festa dedicada ao irmão e se recusou dela participar.
Esta história criada por Jesus para ilustrar o amor de Deus, forjada para enfatizar a disposição divina em acolher os que erram, contada para dizer que Deus não joga em rosto as nossas tentativas frustradas e que foi elaborada para nos dizer que ninguém vai tão longe que não possa contar com o amor de Deus, frequentemente, é usada por pregadores para intimidar os jovens, cercear-lhes a ousadia e mantê-los sob a prisão do medo.
Dizem esses pregadores que a parábola ensina que todos que se afastam do lar, da religião ou das orientações dos “rabinos”, voltarão andrajosos implorando misericórdia. Pura mentira.
Com essa interpretação contrariam a própria Bíblia, pois no Salmo 73 o nobre cantor de Israel diz ter inveja do que se afastam da religião porque eles prosperam.
Nossa experiência nos mostra que não se pode dar garantias absolutas quando se trata de decisões humanas. O julgamento deve levar em conta os motivos que levaram o jovem à decisão e não a decisão em si. Qualquer decisão pode dar errado, qualquer uma pode ser a melhor para aquele momento.
Jesus não apresentou em detalhes os motivos que levaram o jovem a sair de casa, apenas diz que pediu a sua parte da herança e partiu. Com isso deixou margem para que cada leitor faça a sua interpretação. Eu vou apresentar a minha leitura.
Que motivos teriam o jovem para sair de casa?
Penso que vida na fazenda era rotineira. Não exigia criatividade, ousadia. Tudo estava pronto. A administração era do pai e os serviços poderiam ser executados por qualquer pessoa. Ele queria algo dinâmico, queria participar, fazer algo novo, propor, ousar, etc.
Talvez alguém me dissesse: tudo bem, mas por que não inovou em casa? Por que teve que sair?
Minha resposta é: com aquele irmão mais velho ranzinza, atravancador de projetos, você se atreveria em tentar alguma mudança?
Lembre-se que, na cultura da época, os irmãos mais velhos mandavam, eram os principais herdeiros de tudo. Ali não havia espaço para ele a menos que derrotasse literalmente o irmão. Entre assassinar o irmão e sair de casa, a segunda opção foi a menos prejudicial para a família, a menos traumática.
O conflito entre eles está evidente no final da parábola e o pai parece que não se posicionava, era o tipo bonachão. Como assim? Perguntará o leitor, irritado. Se o pai representa Deus como você se atreve em dizer que não se posicionava?
Foi exatamente isso que Jesus fez quando alguém O procurou para julgar um caso de herança (Lc 12:13,14). É assim que Deus tem agido conosco quando temos problemas relacionais. Cada um tem que resolver os seus próprios problemas com o próximo. A sociedade tem que criar os seus mecanismos de mediação de conflitos. Concordo com Yancey quando diz:
Por que Deus permitiu que Hitler fizesse tanto mal, ou Stalin ou Mao? Por que não desempenha um papel mais ativo na história humana? Eu consigo pensar em várias razões. De acordo com o Velho Testamento, Deus de fato desempenhou um papel ativo e convincente no passado, e no entanto não conseguiu produzir uma fé duradoura entre os israelitas (YANCEY, 2010, p.279)

O jovem resolveu o problema do seu modo e, se não havia uma receita, como posso condená-lo por isso?
Muitas adolescentes engravidam por irresponsabilidade, mas quantas delas não o fazem como uma tentativa de fugir da tirania paterna ou da falta de expectativa da vida que levam no ambiente em que os pais as obrigam viver? Muitas engravidam para fugir de uma vida sem significado.  A vida não é simples e somente os simplistas têm receitas prontas, condenação na ponta da língua, saídas “fantásticas” para os problemas (dos outros).
Mesmo entre as adolescentes que engravidam por irresponsabilidade muitas experimentam uma transformação radical na vida. Tornam-se responsáveis, melhoram o relacionamento com a família, voltam a estudar e procuram trabalho. Muitos pais ganham as filhas depois delas “se perderem”.
O pai disse: “estava perdido e foi achado”. O jovem já estava perdido antes de sair de casa e foi achado antes de voltar para casa. Ele foi achado quando “caiu em si”, isto é, foi achado quando “se achou” estando entre os porcos.
Evidentemente que não estou estimulando atitudes extremas, estou refletindo sobre as suas implicações. Quero apenas dizer que sempre se corre riscos: em casa ou fora dela. Fora há o risco do “acidente” e dentro, o risco da nulidade.
Nem todos que “se perdem” são casos perdidos desde que a família saiba acolher quando houver retorno. Dificilmente alguém procura o caminho de volta para casa se ela for um lugar pior  do que aquele onde ele está. Por isso a parábola está centrada no pai e não nos filhos.
Por que o jovem saiu de casa? Queria ser empreendedor em outro lugar? Supôs que os amigos pudessem orientá-lo uma vez que em casa não havia diálogo? Aprenderia fora o que não aprendera em casa? Ficam as perguntas sobre os motivos, fica a certeza sobre o fato.
A certeza é que ele foi amado pelo pai, quando voltou, e odiado pelo mesmo irmão que, no meu entender, foi a causa da sua partida.
Há ainda nessa parábola mais algumas lições a serem aprendidas:
1. Não há perdidos a priori. Cada um se perde quando quer se perder. Perde-se dentro ou fora de casa.
2. Poucos “se perdem” propositadamente. Eles estão perdidos apenas porque não conseguem “se achar”. E se você, pai, não souber provocar a autobusca terá o filho perdido para sempre.
3. Deus está de braços abertos para o filho que retorna de suas aventuras mal sucedidas. E eu, sei acolher o filho que volta?
4. A “casa paterna”(casa de Deus), isto é, a igreja  nem sempre é um lugar agradável. Os irmãos “mais velhos” costumam provocar desconforto pela sua intolerância e intromissão, pela insegurança e medo de perder o espaço.
Esses irmãos “mais velhos” consideram-se guardiões da verdade e controlam tudo. Muitos ditam normas que nem eles cumpririam se fossem ditadas por outros. São inseguros e preferem a acomodação à ousadia.
 O irmão mais velho do pródigo fingia estar tudo bem. Era um hipócrita que agradava o pai por interesse de manter-se no poder.
Conviver com hipócritas não é saudável. Provoca irritação ou sufocamento. Os que se conformam não crescem e os inconformados ficam estressados.
5. Experiências amargas e aventuras frustradas pode ser o início de um encontro com vida significativa, para muitos.
6. Biologicamente podemos afirmar que “filho de peixe é peixinho”, embora haja exceções como no caso dos híbridos. Socialmente, “filho de peixe” pode ser “sapinho”, “baratinha” ou até mesmo um “grilo”. Filhos de pais honrados podem não guardar essa característica. Filhos de Deus podem ser demônios e filhos das trevas podem vir a irradiar luz. Os filhos de um bom pai procederam, cada um, ao seu modo.
Preocupa-me quando vejo pessoas que se dizem sábias ou que se colocam à frente dos jovens para transmitir certezas que não existem.  Eu só tenho uma certeza: sou amado por Jesus.
YANCEY, Philip. Para que serve Deus: em busca da verdadeira fé. São Paulo: Mundo Cristão, 2010
Nova Andradina, 13 de  agosto de 2011.
Antonio Sales
profesales@hotmail.com

Um comentário:

  1. Texto ousado que nos permite reflexões diferenciadas das que ouvimos nos púlpitos. Eu tenho uma nova abordagem da família a partir deste texto; é um sermão que escrevi para o Projeto de Vida e já pregamos a mensagem em algumas igreja. Vou enviar para você.

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