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segunda-feira, 31 de outubro de 2011

A ESPIRITUALIZAÇÃO DO MAL E DO BEM-II


Quando escrevi o primeiro texto sobre esse tema enfatizei que usamos espiritualizar demais a vida. Essa ênfase incomodou alguns leitores que se posicionaram delicada, mas firmemente, sobre o assunto.
É muito gratificante ter a participação dos leitores ainda que eles discordem do que foi escrito. Um escritor vive de desafios, da necessidade de esclarecer algo ou até mesmo de provar o que disse. Preciso de desafios para continuar escrevendo e os leitores, tanto os que se manifestam concordando como os inconformados com o que leem, são a mola propulsora do meu trabalho.
Vou tecer algumas considerações sobre o que esses leitores escreveram colocando entre aspas a fala deles.
“Como não espiritualizar tudo se acreditamos que tudo que exista é obra de um ser Supremo e Divino?”, perguntou um deles. A pergunta é pertinente e de difícil resposta. Vou tentar tangenciá-la dizendo que Deus não espiritualiza tudo. Ele sabe que muitos problemas têm que ser atacados no seu próprio “terreno”, na dimensão a qual pertencem. Para atacar o problema do pecado e dar esperança ao homem Ele se fez carne a habitou entre nós (Jo 1: 14). Para tirar o povo do Egito Ele usou Moisés e para dar a lei Ele usou pedra e escreveu na língua do povo. Parece-me que para problemas humanos Ele tem usado soluções humanas ou por meio de humanos.
Temos que assumir que a nossa vida não é somente espiritual. Ela é terrena também e é na dimensão terrena que enfrentamos a maior parte dos problemas: drogas, negócios mal feitos, relacionamentos quebrados, sedução, acidentes, violência, desempregos e tantos outros.
“A oração nos aponta caminhos, nos guia, nos fortalece” sentencia outro. Não posso questionar a verdade dessa afirmação. Também creio nesse potencial da oração, porém, na dimensão material da vida, que é onde eu vivo e onde encontro os problemas a serem solucionados, penso que ela realmente “aponta o caminho”, mas não o transforma em uma esteira rolante. Em outras palavras: nesta vida, o caminhar é tarefa minha. A oração não substitui o médico, o mecânico, o ato de estudar, semear e colher. Ela orienta o médico, mas não o habilita a ser médico. Ela acrescenta habilidades ao professor, mas não lhe confere o diploma. Portanto, depender unicamente da oração parece-me uma impossibilidade  nesta vida terrena.
Não podemos negar que temos a dimensão espiritual- campo onde a oração nos aproxima de Deus, alimenta a fé e a esperança. Minha preocupação é com o excesso de espiritualização da parte material da vida.
“Qual seria a "quantidade" de espiritualidade que precisamos para viver, levando em conta todos os problemas da vida, tais como: câncer, fracassos, limitações humanas, tristezas, desastres e acidentes, entre outros problemas que não estão no nosso domínio humano?” questiona um terceiro. Pergunta importante. Também vou tangenciar porque não sei enfrentá-la diretamente. Pergunto: Será que a espiritualidade nos livrará desses problemas?
Paulo, o apóstolo, disse que não. Ele nos mostrou que mesmo as pessoas profundamente espirituais, que mantém um bom relacionamento com Cristo, têm “espinho na carne” (2Co 12:7). O próprio Cristo que orava noites inteiras não ficou livre dos ataques dos escribas e fariseus que O sondavam frequentemente.
A ciência resolve alguns problemas, cria outros e alivia a tensão proveniente de outros. A oração pode curar, pode mascarar o problema ou pode não fazer nenhuma dessas coisas. Viver é complexo, meu amigo.
“Ou a Oração pode influenciar em todos os fatores que determinam a minha ação diária?” continua o mesmo leitor.  Creio que a minha oração pode influenciar a mim, mas pode não influenciar o outro do qual dependo para resolver alguns problemas. A oração não é algo mágico que retira de mim alguma energia e a transfere diretamente ao outro provocando-lhe “espasmos” que o despertarão para atender a minha necessidade. Oro a Deus e Ele tentará influenciar o outro, podendo conseguir sucesso ou não. O outro tem o livre-arbítrio que lhe confere o direito de aceitar ou recusar a atuação divina na sua vida.
A oração, como se vê, tem seus limites. Ainda bem que é assim. Se a oração resolvesse tudo muita gente bem intencionada, mas mal informada, nos faria muito mal através da oração.
“Até que ponto podemos reduzir a importância da espiritualidade?” pergunta ainda o terceiro leitor. Penso que não podemos pensar em reduzir a importância de nada. Nem da espiritualidade e nem da nossa materialidade. Não somos seres unidimensionais. Temos a dimensão espiritual e devemos cultivá-la. Temos a dimensão física e devemos cuidar dela. Temos a dimensão social e devemos aprender a lidar com ela. Temos a dimensão intelectual e devemos investir nela.
Podemos “comparar [a espiritualidade] com fatos empíricos da vida sem levar em conta os "padrões" internos da palavra de Deus (ou do Cristianismo: Fé, milagres, curas, graça, salvação, arrependimento, etc)?” e a questão levantada por um quarto leitor.  Resposta: não.
Não podemos desvalorizar nada, reduzir nada e não podemos comparar “objetos” de naturezas diferentes. Não podemos reduzir uma coisa à outra. Temos que aprender a por cada coisa em seu lugar. Assim como o dinheiro não substitui o amor, porque são de naturezas diferentes, isto é, pertencem a dimensões diferentes do ser humano, também a espiritualidade não pode substituir as lutas do dia-a-dia e vice-versa.
A minha proposta é que deixemos para o espiritual as questões relativas á salvação: apropriação da graça, aceitação do perdão, crescimento na fé e na esperança, relacionamento com Deus e outros fatores relacionados. Que enfrentemos como seres humanos, cidadãos desta terra, as questões relacionadas a esta vida presente: ética, moral, trabalho, educação, doença, violência, estudo e por ai a fora.
Devemos deixar com “César”  o que é de “César” realizar e com Deus o que só  Deus pode fazer (Mt 22:21).
O que tenho percebido é que temos, literalmente, fugido do enfrentamento dos conflitos diários e deixado que eles permaneçam sem solução, com base numa suposta confiança em Deus e na oração. Se os cientistas tivessem procedido assim ainda hoje não teríamos a anestesia. As novas técnicas cirúrgicas, os remédios que salvam tantas vidas e aliviam tantos sofrimentos, os carros que facilitam a nossa locomoção e a energia elétrica cuja utilidade é inquestionável, apenas para citar alguns exemplos (a lista é interminável), ainda seriam coisas do futuro.
Percebo certa hipocrisia em nossa relação com a oração. Não vejo ninguém tentando substituir uma cirurgia por oração e nem o ato de subir uma ladeira por oração (orar para que ela se transforme em escada rolante, por exemplo), mas vejo muita gente querendo substituir o trabalho de um psicoterapeuta por oração, substituir o estudo   por oração e assim por diante. O que me parece é que aquilo que não pode ser mascarado, a gente faz e o que pode ser mascarado a gente ora sobre ele. Ninguém mascara uma subida e ninguém ora para que ela desapareça. Ninguém mascara uma infecção, uma fratura exposta, ou a dor de um câncer. A ação sobre essas coisas não é substituída pela oração.
É possível mascarar (ou pensar que se pode mascarar) a falta de conhecimento, então se ora ao invés de se estudar. É possível mascarar uma depressão, um trauma emocional, um casamento em fase de deterioração, e tantas outras coisas. Sobre essas se ora e se procura substituir a ação de um profissional e o esforço humano, pela oração.
É sobre isso que quero alertar.
Campo Grande 22 de outubro de 2011.
Antonio Sales   profesales@hotmail.com

terça-feira, 25 de outubro de 2011

“OBRAS DA LEI”


O apóstolo Paulo foi um intelectual invejável. Ele não viveu com Cristo e talvez estivesse fora da Palestina quando Jesus andou por aquelas terras pregando. Somente algum tempo depois ele foi incorporado aos apóstolos após ter encontrado a Jesus de forma singular (At 9). O seu preparo acadêmico facilito com que entendesse a mensagem do Mestre muito antes dos outros discípulos, mesmo tendo entrado em  contato com ela algum tempo depois.
Fico pensando se não foi esse o motivo de Jesus tê-lo chamado de forma tão singular. Talvez aqui pudéssemos dizer que Jesus chama a todos, indistintamente, mas não é verdade que Ele tem preferência pelos iletrados. Há salvação para todos e todos podem crescer a partir do momento que aceitam o evangelho, mas os intelectuais que O aceitam podem caminhar mais rápido.
Uma coisa que Paulo entendeu rápido foi o    que alguns denominam de “justificação pela fé”. Talvez fosse mais prudente dizer apenas: justificação. A fé entra aí para adjetivar a proposta de Deus, captada por Paulo, visando diferenciá-la da proposta judaica. Na realidade Paulo escreveu suas cartas aos romanos e aos gálatas visando desmanchar um “nó” que os judeus haviam conseguido dar nos raciocínio dos gálatas a esse respeito. Parece que os judeus tinham uma pergunta “na ponta da língua” sempre que um cristão lhes falava do evangelho. A pergunta era: e a lei onde fica?
Paulo acreditava no poder transformador da graça mais do que eu acredito no poder transformador da educação e da cultura. Para mim a educação e a cultura transformam, mas levam décadas para produzir resultados enquanto Paulo acreditava que a graça produzia resultados imediatos. Na sua perspectiva a educação, ou instrução,  teria função complementar. A graça transporta, imediatamente, o sujeito para outra “comunidade” e a instrução ensina-o a viver nessa outra “comunidade”; uma “comunidade” onde a lei das proibições* não se faz necessária.
Nesse embate entre lei (leia-se judaísmo) e o evangelho Paulo escreveu aos gálatas que “o homem não é justificado pelas obras da lei (Gl 2:16).
A pergunta que me proponho analisar é: que são “obras da lei”?
Como o meu raciocínio não é abstrato sempre penso em bases concretas. Vou apresentar alguns exemplos que nos ajudarão a entender o que penso sobre o assunto.
Há pais que se mantêm distantes (física ou emocionalmente) do filho e depois quando pressentem algum problema começam oferecendo presentes na tentativa de conquistá-lo. Há cônjuges que transgridem os votos matrimoniais e para que o outro não suspeite procuram estar sempre a tempo em casa, ser carinhoso, etc. Há aqueles que atrasam desnecessariamente no retorno ao lar e, para não  provocar discussões, quando chegam entram pé-ante-pé procurando não acordar o outro.
Tudo isso é “obra da lei”. Faz-se para “comprar”, enganar parecendo apaixonado, esconder que chegou atrasado, etc.
Pode acontecer diferente. O pai é presente, dá a assistência física e emocional que o filho necessita, e ainda assim oferece-lhe presentes para comemorar a boa relação que existe entre ambos. O cônjuge está realmente apaixonado pelo outro e o cobre de afeto. O sujeito precisou chegar atrasado, telefonou avisando, e chegou com cuidado para não perturbar o outro. Isso NÃO É “obra da lei”.
Qual a diferença? A diferença está nos motivos e, como não podemos julgar os outros pelos motivos, temos que levar em conta o contexto e determinados fatos para dizer se é a lei ou a graça que está imperando.
Campo Grande, 22 de outubro de 2011.
Antonio Sales                                                   profesales@hotmail.com
*Sobre outras funções da lei veja o meu livro “o homem, a lei e a graça em romanos”. A distribuição é gratuita bastando que o interessado pague o porte do correio.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

RELIGIÃO: REFÚGIO OU FUGA?

Refúgio tanto pode significar fuga como proteção, amparo. Neste texto, porém, ele está sendo tomado com o sentido de proteção, ponto de apoio e fuga está sendo tomada com o sentido de escape, retirada. Portanto, aqui, eles não são sinônimos.
A religião pode ser um refugio contra a falta de esperança ou fuga da realidade.  Refúgio contra a dor emocional ou fuga dos compromissos com a verdade ou com os bons relacionamentos.  Refúgio contra a finitude humana ou fuga da responsabilidade social. Ponto de apoio para construir amizades ou fuga das amizades.  Busca de superação ou uma forma de esconder a mediocridade.  
A religião,  para uns é liberdade. Liberta dos preconceitos, alarga a mente, facilita os relacionamentos, eleva a autoestima  e dá forças para superar a dor. Para outros é uma prisão. Produz preconceitos, cauteriza a consciência,  dificulta o estabelecimento de novas amizades, estimula a exigência e a  incompreensão, estreita a mente e ainda pode produzir a falsa de segurança de que se está com a verdade. Para outros ainda ela é um esconderijo, um lugar de fuga. Usam-na para fugir de servir ao exército, para não participar da vida pública, para desculpar a falta de sucesso, para buscar culpados, para não prestar socorro (o levita e o sacerdote Lc 10: 25-37) e assim por diante.
O salmista buscava refúgio  na religião.  Ele ia ao templo (Sl 73) em busca de compreensão,  buscava conforto e amizade  em Deus (Sl 3;4; 23) ia o templo em busca de proteção (Sl 46). Os judeus no tempo de Cristo usavam a religião como fuga.  Jesus os condenou por usarem a religião para fugirem da responsabilidade de cuidar dos pais (Mc 7:8).
João Batista foi direto ao ponto quando disse aos judeus que eles o procuravam e queriam ser batizados para fugir da ira futura (Mt 3:7).
Ainda hoje há muitos que usam a religião para desculpar a falta de tato para lidar com o cônjuge ou com os filhos, para não cumprir determinados deveres escolares, etc. Um biógrafo de Nelson Mandela (STENGEL,  2010)  nos conta que tão logo o biografado se casou ele se envolveu com a luta contra o regime do apartheid e que sua esposa não o acompanhou. Ao invés disso, ela se refugiou na religião. Uma religião que prega a não participação. O casamento se desfez.
Não realidade na nossa perspectiva a ex-esposa de Mandela ela não buscou refúgio na religião. Ela fugiu para a religião. Fugiu de apoiar o marido, fugiu de incentivar outros à luta e assim por diante.
Quem busca refúgio não foge à luta, apenas quer reforço, maior segurança, um ponto de apoio. Foi assim com o salmista.
Campo Grande, 15 de outubro de 2011.
Antonio Sales              profesales@hotmail.com
Referência Bibliográfica
STENGEL, Richards. Os caminhos de Mandela: lições de vida, amor e coragem. São Paulo: Globo, 2010.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

O QUE VER EM UMA IGREJA?


Quando vamos a uma igreja nos encantamos ou nos frustramos com a arquitetura, com a pintura com o ar condicionado ( ou a falta dele), mas não nos detemos no essencial. O que é essencial numa igreja?
Alguém poderá dizer que é a formalidade do culto ou a adoração. Outros poderão dizer que é Deus. Penso diferente e vou ilustrar com uma história contada por Yancey (2010).
Ele diz que o pastor da sua igreja é um homem muito espirituoso e que quando algum visitante elogia a parte física da igreja (pintura, tamanho, lustres, etc.) ele diz: “obrigado. Venho fazendo regime ultimamente e fico feliz que você tenha observado”.
Yancey explica que com isso ele quer alertar o visitante deque ali o importante são as pessoas. Que, para ela,  mais importante  do que uma  igreja bonita é um povo feliz e que se preocupa com o bem-estar do outro. Mais importante do que o ritual, mais saudável do que ouvir os belos hinos cantados pelo coral e mais bonito do que paredes pintadas, é  as pessoas  estarem envolvidas, gostarem do local e umas das outras.
Uma igreja é bonita pela heterogeneidade dos seus membros, pelo respeito às diferenças que ali for cultivado e pelo nível de envolvimento com causas sociais.
Campo Grande 20/10/11   
Antonio Sales  profesales@hotmail.com
YANCEY, Philip. Igreja: por que me importar? São Paulo: Vida Nova, 2010.

sábado, 15 de outubro de 2011

A ESPIRITUALIZAÇÃO DO MAL E DO BEM


Quem participa ativamente de determinadas congregações evangélicas perceberá que ali se fala uma língua estranha da maioria das pessoas: o “espiritualês”.
Esse nome foi dado pelo jornalista americano, Phillip Yancey, que descreve muito bem o que se passa em algumas igrejas.
Observando os “versados”  nessa língua conversarem é fácil perceber que ela é pobre em vocabulário, portanto, traduzir uma palavra dessa língua para o Português é tarefa quase impossível.
Lembro-me de um aluno indígena que tentava me explicar as dificuldades de tradução da sua língua materna para o Português. Ele disse: “na minha língua não tem mosca, mutuca, pernilongo, carrapato, piolho, pulga, formiga e outros animaizinhos que nos importunam. Lá existe uma palavra só para todos. É como se eles usassem a palavra “inseto” para tudo isso. Suponha que um índio lhe diga que a sua casa está infestada  de “inseto”, o que você diria em Português?”
O espiritualês é assim, uma língua que esconde mais do que revela. Que diz tudo sem dizer nada ou quase nada. Difícil de traduzir. Se uma moça lhe diz que foi “abençoada por Deus” naquela semana o que será que ela quis dizer? Arrumou emprego? Arrumou um namorado? Ficou grávida? Passou no vestibular? Recebeu a vista de uma amiga? Desfez uma inimizade?
Mas o problema maior não é a espiritualização do bem. Não há problema que se atribua a Deus as vitórias conquistadas com esforço como passar no vestibular, por exemplo. Não há problema que se considere a gravidez planejada como uma bênção divina. Namorar é bom e quando Deus dirige o relacionamento ele fica melhor. São coisas para curtir e curtir com Deus dá mais sabor. Reconhecer que nada se conquista sozinho é grandeza de alma. Invocar a Deus no início de um relacionamento é saudável. Portanto, aqui não há problema.
O problema é quando se espera por Deus para fazer aquilo que deve ser feito por nós. Por exemplo: procurar um ex-amigo para desfazer um desafeto e reatar uma amizade. No espiritualês diz-se, simplesmente: “ore”. Quando se está desempregado em virtude de falta de capacitação para o trabalho em espiritualês se diz que  “falta oração”. Quando alguém (uma mulher ou uma criança) está sendo violentado, no espiritualês se diz: “falta oração”. Dessa forma, temos que: “orar”, “falta de fé” e “falta de oração”, são três expressões que englobam toda ação humana.
Quando alguém me diz, em espiritualês, que tenho que “orar mais” fico a me perguntar: o que ele quis dizer? Que devo trabalhar mais? Que devo estudar mais? Que devo aprender a respeitar o outro? Que devo decidir o que fazer da minha vida? Que devo procurar um terapeuta? Que devo denunciar à polícia? Que devo acionar a justiça? Que devo cuidar do meu vocabulário que está muito agressivo? Que devo me conter porque estou muito vanguardista?
A situação se complica quando se diz que é o “diabo” quem está agindo na vida ou família de alguém. Saio para verificar o que está acontecendo e vejo as drogas assolando a juventude, a estupidez paterna maltratando crianças, o vício acabando com as famílias, a depressão tirando o prazer de muitos viverem,  a falta de atitude fazendo com que problemas pequenos se avolumem e fiquem sem solução, a falta de  estudo (ou outro preparo) deixando pessoas desempregadas, o comodismo  de uns provocando sobrecarga nos outros, o ciúme destruindo lares,  a insegurança e baixa autoestima produzindo ciúmes,  a tibieza dos pais provocando “ousadia” nos filhos,  a falta de caráter produzindo adultério,  a insatisfação com o casamento produzindo famílias desestruturadas, a frieza ou indiferença de  uns provocando o afastamento de outros, a arrogância produzindo antipatia, a falta de honestidade causando prejuízos, a falta de acionar a polícia alimentando a violência,  a indisposição para o trabalho ou estudo produzindo miséria, a corrupção assolando o país, a estreiteza mental atravancando o progresso e tantos a outros fatos, facilmente constatáveis, recebendo um único nome em espiritualês: “ação diabólica”.
Imagine você chegar ao médico dizendo que foi “ofendido por um bicho do chão”, como se faz no Pantanal. O que poderá o profissional fazer por você?  Não seria mais prudente dizer que foi uma cascavel, uma jararaca, uma aranha ou um escorpião?
Afinal o Português é uma língua rica em vocabulário enquanto o “espiritualês”, assim como o “pantanês”,  não ajuda. Por que espiritualizar tanto a vida?
Campo Grande, 14 de outubro de 2011.
Antonio Sales                      profesales@hotmail.com