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sábado, 15 de outubro de 2011

A ESPIRITUALIZAÇÃO DO MAL E DO BEM


Quem participa ativamente de determinadas congregações evangélicas perceberá que ali se fala uma língua estranha da maioria das pessoas: o “espiritualês”.
Esse nome foi dado pelo jornalista americano, Phillip Yancey, que descreve muito bem o que se passa em algumas igrejas.
Observando os “versados”  nessa língua conversarem é fácil perceber que ela é pobre em vocabulário, portanto, traduzir uma palavra dessa língua para o Português é tarefa quase impossível.
Lembro-me de um aluno indígena que tentava me explicar as dificuldades de tradução da sua língua materna para o Português. Ele disse: “na minha língua não tem mosca, mutuca, pernilongo, carrapato, piolho, pulga, formiga e outros animaizinhos que nos importunam. Lá existe uma palavra só para todos. É como se eles usassem a palavra “inseto” para tudo isso. Suponha que um índio lhe diga que a sua casa está infestada  de “inseto”, o que você diria em Português?”
O espiritualês é assim, uma língua que esconde mais do que revela. Que diz tudo sem dizer nada ou quase nada. Difícil de traduzir. Se uma moça lhe diz que foi “abençoada por Deus” naquela semana o que será que ela quis dizer? Arrumou emprego? Arrumou um namorado? Ficou grávida? Passou no vestibular? Recebeu a vista de uma amiga? Desfez uma inimizade?
Mas o problema maior não é a espiritualização do bem. Não há problema que se atribua a Deus as vitórias conquistadas com esforço como passar no vestibular, por exemplo. Não há problema que se considere a gravidez planejada como uma bênção divina. Namorar é bom e quando Deus dirige o relacionamento ele fica melhor. São coisas para curtir e curtir com Deus dá mais sabor. Reconhecer que nada se conquista sozinho é grandeza de alma. Invocar a Deus no início de um relacionamento é saudável. Portanto, aqui não há problema.
O problema é quando se espera por Deus para fazer aquilo que deve ser feito por nós. Por exemplo: procurar um ex-amigo para desfazer um desafeto e reatar uma amizade. No espiritualês diz-se, simplesmente: “ore”. Quando se está desempregado em virtude de falta de capacitação para o trabalho em espiritualês se diz que  “falta oração”. Quando alguém (uma mulher ou uma criança) está sendo violentado, no espiritualês se diz: “falta oração”. Dessa forma, temos que: “orar”, “falta de fé” e “falta de oração”, são três expressões que englobam toda ação humana.
Quando alguém me diz, em espiritualês, que tenho que “orar mais” fico a me perguntar: o que ele quis dizer? Que devo trabalhar mais? Que devo estudar mais? Que devo aprender a respeitar o outro? Que devo decidir o que fazer da minha vida? Que devo procurar um terapeuta? Que devo denunciar à polícia? Que devo acionar a justiça? Que devo cuidar do meu vocabulário que está muito agressivo? Que devo me conter porque estou muito vanguardista?
A situação se complica quando se diz que é o “diabo” quem está agindo na vida ou família de alguém. Saio para verificar o que está acontecendo e vejo as drogas assolando a juventude, a estupidez paterna maltratando crianças, o vício acabando com as famílias, a depressão tirando o prazer de muitos viverem,  a falta de atitude fazendo com que problemas pequenos se avolumem e fiquem sem solução, a falta de  estudo (ou outro preparo) deixando pessoas desempregadas, o comodismo  de uns provocando sobrecarga nos outros, o ciúme destruindo lares,  a insegurança e baixa autoestima produzindo ciúmes,  a tibieza dos pais provocando “ousadia” nos filhos,  a falta de caráter produzindo adultério,  a insatisfação com o casamento produzindo famílias desestruturadas, a frieza ou indiferença de  uns provocando o afastamento de outros, a arrogância produzindo antipatia, a falta de honestidade causando prejuízos, a falta de acionar a polícia alimentando a violência,  a indisposição para o trabalho ou estudo produzindo miséria, a corrupção assolando o país, a estreiteza mental atravancando o progresso e tantos a outros fatos, facilmente constatáveis, recebendo um único nome em espiritualês: “ação diabólica”.
Imagine você chegar ao médico dizendo que foi “ofendido por um bicho do chão”, como se faz no Pantanal. O que poderá o profissional fazer por você?  Não seria mais prudente dizer que foi uma cascavel, uma jararaca, uma aranha ou um escorpião?
Afinal o Português é uma língua rica em vocabulário enquanto o “espiritualês”, assim como o “pantanês”,  não ajuda. Por que espiritualizar tanto a vida?
Campo Grande, 14 de outubro de 2011.
Antonio Sales                      profesales@hotmail.com

7 comentários:

  1. Esse é um assunto bem polêmico, pois qualquer um de nós está sujeito a espiritualizar a vida. Por exemplo: quantas vezes falamos para irmãos que o que falta na vida deles é fé e oração? Ou quantas vezes ouvimos pregadores falando que o que a igreja precisa é de mais oração?
    Não quero desmerecer a oração não, acho que ela é um dos atos mais importante na vida de um cristão, mas nós sempre procuramos um culpado ou uma razão pra ter acontecido algo, parece que o ser humano tem essa necessidade de achar um culpado...
    Então Sales, eu lanço minha pergunta: Como não espiritualizar tudo se acreditamos que tudo que exista é obra de um ser Supremo e Divino?

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  2. Pessoal, orar é tudo! A oração nos aponta caminhos, nos guia, nos fortalece!!
    Ore e confie no Senhor!

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  3. Olá amigo anônimo, que pergunta difícil hein!?
    Penso que tudo é obra de Deus como um prédio é obra de um engenheiro:o projeto e a responsabilidade são dele, a mão de obra é dos pedreiros.
    Quando digo que espiritualizamos demais estou dizendo, entre outras coisas, que nem tudo que aocntece de errado em nossa vida é por falta de oração. Um câncer pode não ser resultado de falta de fé, um acidente pode não ser por falta de oração, um desemprego pode não ser por falta de comunhão com Deus (pode ser por falência da firma)e nem tudo se resolve com oração.
    Nunca vi Deus vir cozinhar para alguém, educar filhos de pais relapsos, curar a violência de quem gosta de ser violento, e assim por diante.

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  4. Olá Viviane. Que bom que você participou. Isso dignifica este espaço.
    Posso opinar sobre o que você disse?

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  5. Também concordo com as palavras do "anônimo" (1º comentário). Além disso, acredito que nossas concepções de espiritualidade podem agregar outros sentidos a medida que distanciamos do real propósito de Deus para nossas vidas. Qual seria a "quantidade" de espiritualidade que precisamos para viver, levando em conta todas os problemas da vida,tais como: câncer, fracassos, limitações humanas, tristezas, desastres e acidentes, entre outros problemas que não estão no nosso domínio humano? Será que a Oração tem fortes vínculos apenas com os aspectos relacionados com a comunhão entre o ser humano e Deus? Ou a Oração pode influenciar em todos os fatores que determinam a minha ação diária?
    Acredito que a oração nos faz ligados com Deus e muito mais que isso!
    O ser humano busca alimentar seus sonhos e suas esperanças em algo e a Oração pode potencializar essa busca de Fé! Jamais trocaria minhas concepções espirituais por uma vida desconectada, offline com Deus.

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  6. Até que ponto podemos reduzir a importância da espiritualidade? Ou comparar com fatos empíricos da vida sem levar em conta os "padrões" internos da palavra de Deus (ou do Cristianismo: Fé, milagres, curas, graça, salvação, arrependimento, etc)? Poderia receber algum benefício de Deus pela oração? Ou a oração é vazia de sim mesma, serve apenas para alimentar uma "falsa" esperança...
    Relato de experiência: Na minha infância, meus pais diziam que no local onde se formava o arco-íris existia um imenso pote de ouro. A ingenuidade de uma criança faz ela ter uma esperança de que um dia ela poderia encontrar esse pote. Eu acreditava nisso! Será que a Fé e a oração caminham neste mesmo sentido, se considerarmos as concepções aqui apresentadas?

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  7. Muito bem amigos. Não podemos aceitar passivamente tudo o que dizem. Nem o mesmo o que eu digo deve ser aceito como inquestionável.
    Estou feliz com a participação de vocês. Vou pensar no que disseram e, se tiver condições de opinar, voltarei com minha opinião.
    Abraços

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