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sábado, 8 de outubro de 2011

PRINCÍPIO OU TÁTICA?*

Em certo sentido tática e estratégia podem ser tomadas como palavras sinônimas porque ambas se referem à arte da guerra. Em realidade é a arte de dispor e empregar as tropas para o combate. A estratégia, porém, está relacionada  com questões maiores, planos de longo prazo enquanto a tática se refere a ações visando fins imediatos. Por essa razão, às vezes, se diz que os generais têm estratégia e o guerrilheiros têm táticas. Um bom governo tem estratégias e um governo medíocre têm táticas ou, como se diz no ditado popular, o primeiro evita incêndios e o segundo passa o tempo a apagá-los.
A tática também pode ser usada no sentido figurado de habilidade, jeito para  gerir conflitos ou negócios. Nessa perspectiva, pode ser sinônimo de bom negociador. A estratégia também significar, figurativamente, ardil ou manha.
O biógrafo de Nelson Mandela, o conhecido líder Sul-africano, escreveu que ele era um homem de um princípio e muitas táticas e estratégias. O princípio era: “igualdade de direitos para todos”. Para garantir esse princípio ele usou táticas e estratégias, preocupou-se em resolver problemas imediatos e de longo alcance (STENGEL, 2010). Apagou fogo e evitou incêndios.
Em nosso texto não distinguiremos uma da outra e faremos uso do sentido figurado.
Princípios, por sua vez, são criados para todos, são universais. São as causas primeiras e a partir das quais as leis passam a existir.
Por exemplo, há um princípio universal de que ninguém deve ingerir bebidas alcoólicas além dos limites  definidos pela ciência como tolerável pelo corpo humano ou que não causa prejuizos a terceiros.  Alguns respeitam-no e outros não, mas ele é universal e fundamenta uma lei. Cada ciência tem seus conceitos fundamentais (princípios) dos quais derivam propriedades.
Uma vida humana deve ser regida por princípios mas não consigo imaginar princípios pessoais, a menos que se use a palavra no sentido figurado ou outro sentido que não lhe é próprio. Um princípio permite a emissão de um juízo de valor, formulação de uma lei, e não se pode julgar uma pessoa por aquilo que ela julga ser correto ou não. O julgamento deve ter por base o que a sociedade (comunidade, instituição) estipula como correto. Logo, no meu entender, não existem, isto é, não existem legalmente (ou não devemos levar em conta) princípios pessoais. Imagine que alguém adote como “princípio”  invadir a casa de quem ele quiser! Os princípios pessoais que existem (são reconhecidos como tais) são aqueles que se enquadram nos critérios coletivos. Penso que o indvíduo pode até escolher entre aderir ou não a um princípio, mas não tem autonomia para defini-lo.
 Dessa forma definimos princípios como perenes, universais, aplicáveis a todas as circunstâncias e pessoas e táticas ou estratégias como mutáveis, adaptáveis às circunstâncias e aos objetivos.
Quando ouço alguém dizer que não vai ler tal assunto por uma “questão de princípio” fico pensando se não seria uma tática ao invés de princípio.
O princípio que conheço é que se deve examinar tudo e reter o que é bom (1Ts 5:21) e a tática é não ler aquilo que  pode provocar insegurança, que pode aumentar as nossas incertezas. Há leituras que tiram o nosso “chão”, especialmente quando já não se está muito seguro. Nesse caso pode ser uma boa tática não  ler. Lembremos que tática (no sentido de ardil, manha ou destreza para enganar visando  fins imediatos) pode ser o recurso, a alternativa, de quem não está em vantagem, de quem precisa escapar do mais forte, esconder as  próprias fraquezas
Certa vez estava em Ponta do Seixas, o ponto mais oriental do continente, na cidade de João Pessoa, PB, quando, olhando para uma barraquinha do outro lado da rua, deparei-me com uma placa que anunciava sorvete de caipirinha com cobertura de pinga. Meus companheiros resolveram experimentar  e eu recusei-me a provar a “iguaria” oferecida. A vendedora, tentando me convencer de que deveria partilhar  da escolha do grupo, procurou me provocar dizendo que eu estava com medo de não resistir a “tentação”.
Resisti aos apelos e não “mordi a isca”, mas concordo com ela que eu estava mesmo com medo. Só não lhe disse que era a minha tática para não por em risco a minha possível tendência para o alcoolismo uma vez que meu pai era alcoolista. Pode mesmo ser que eu sucumba à prova e por essa razão minha tática é: não experimentar (evitar o primeiro gole). Tenho medo de escorregar no “tobogã”.
Vejo que em alguns meios religiosos a palavra princípio é usada com muita frequência sem que se saiba o que ela significa. Há, na realidade, uma banalização dessa palavra.  Diz-se que não se pode fazer isso ou aquilo para não “quebrar princípios” ou por  “uma questão de princípios” quando em verdade  a prática do ato pode não resultar na transgressão direta de nenhum princípio.  A advertência significa apenas que não se tem autoconfiança, que a pessoa supõe que pode entrar em um “escorregadouro” e não saber mais como sair dele. É uma questão de comodismo ou escapadela pela tangente. Pode ser também a simples repetição de uma frase cujo significado se desconhece mas que se sabe portadora de grande poder: uma palavra mágica.
Dá uma falsa ilusão de intelectualidade afirmar que se tem princípios e não quer transgredí-los, mesmo que não se saiba que princípios são esses. Possivelmente ninguém perguntará mesmo qual o princípio e assim a pessoa se afirma como intelectual. Eu, como às vezes sou do contra, já perguntei pelo princípio que estava em jogo  e estou aguardando a reposta.
Se a pessoa é frágil e se arrisca  é evidente que vai terminar transgredindo um princípio o que não ocorrerá, necessariamente,  com outra pessoa que sabe dar um basta na hora certa. Deixar de fazer algo, para evitar expor a sua fragilidade, não é um princípio, é uma tática; é  a tática do fraco, de quem está inseguro. Não provei o sorvete de caipinha para não expor a minha possível fragilidade ao alcoolismo. Acho que fiz bem. Continuarei usando a tática, mas adimito que ela revela um medo; mostra a minha insegurança (e penso que prudência também).
A pessoa que tem medo de perder o controle deve mesmo usar a tática de não arriscar-se. Por outro lado, em alguns casos, a boa tática é exatemnte proceder ao contrário, isto é, arriscar-se. Dizia-me a vendedora de sorvete de caipirinha: quem não arrisca não experimenta o que é bom. Ela tinha razão embora, no meu entender, esse princípio não se aplicava naquele caso. Eu não estava perdendo nada de bom naquele momento. Quando já se suspeita do fim, e já se sabe que não é bom, a boa tática é não arriscar.  Quando o fim é desconhecido  e algo precisa ser feito então arriscar é  melhor tática.
O comodismo, a fuga, a desculpa e a banalização nunca foram boas táticas. O princípio é: agir com prudência, mas agir.
O medo é paralizante, a prudência é sabedoria. Arriscar-se quando preciso é sinônimo de maturidade, recuar quando o risco (já previsto) é maior do que o benefício é indício de prudência.
Usar “palavras mágicas” não ajuda, o que ajuda é assumir a própria fraqueza.
Ponta do Seixas, João Pessoa, 02 de outubro de 2011.
Antonio Sales                                                 profesales@hotmail.com
Referência
STENGEL, Richard. Os caminhos de Mandela: lições de vida, amor e coragem. São Paulo: Globo, 2010.
*Este texto foi reformulado a partir das observações de dois leitores. Continha incorreções conceituais e faltava definir o que é um princípio.

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