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sábado, 30 de julho de 2011

O Amor


É difícil definir o amor, mas quero crer que todos tenham o conceito do que seja ele. Essa ideia de amor como sendo o gostar desinteressadamente de alguém ou da divindade parece ser de domínio público.
Penso que haja dois níveis de amor: o amor-sentimento e o amor-em-ação. Um é contemplativo, reflexivo e resulta do respeito que se tem pelo outro. O outro (amor-em-ação) resulta da preocupação com o bem-estar do objeto amado e da seriedade com que conduzimos as nossas relações sociais.
O amor–sentimento assim com a oração, não é panacéia. Ele não cura infecções, não cicatriza feridas, não evita a violência e não acalma o irritado. O amor-em-ação pode fazer tudo isso porque ele não se limita a palavras ou expressões faciais de afeto, ele produz ação. Ele mobiliza a busca pela solução do problema. O amor-em-ação é o amor-sentimento acrescido de responsabilidade social.
Entendemos que amar é uma arte que pode ser aprendida. Para desenvolver essa capacidade alguns requisitos pessoais precisam ser preenchidos. Dentre eles destacamos:
1.Gostar de si mesmo. Isso significa ter superado fracassos. Ter aprendido a perdoar-se pelos erros não-intencionais cometidos. Ter entendido que nem todo mal que lhe aconteceu foi por culpa sua e que, em algumas circunstâncias, os seus próprios erros foram provocados por outros. Enfim, é preciso ter autoestima.
Quando Jesus disse “amarás ao teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22: 39) estava dizendo que não ama o próximo quem não se ama.
2. Não esperar do outro mais do que um ser humano pode oferecer. Como por exemplo: preencher o nosso vazio existencial, estar a postos em todo momentos, não cometer erros, sorrir sempre, não ter oscilações de humor, entre outros.
Todo ser humano tem seus limites. Limites físicos, emocionais e afetivos, financeiros, intelectuais, etc. Aceitar as limitações humanas (não a má vontade, os vícios, o mau caráter) é condição necessária para desenvolver a arte de amar.
3. Aceitar as diferenças. Redundantemente podemos dizer que há diferença entre admitir as diferenças e aceitar as diferenças.
Admitir as diferenças é um assentimento intelectual, é saber que os outros são diferentes de mim. Aceitar as diferenças é permitir que o outro goste de coisas diferentes das que eu gosto. É tratar com o mesmo respeito (e depois amar com a mesma intensidade) o mais calmo e o mais agitado. É não exigir que o outro tenha as mesmas perspectivas que eu.
4. Respeito. Este item engloba os outros dois que o precedem, porém, ele é mais amplo e vai além de aceitar as diferenças. É fazer valer os direitos do outro. Não apenas aceitar as diferenças, mas admitir que ele tem o direito de ser e defender o seu direito de mantê-las. Vai ainda mais além. Implica em respeitar as regras sociais que proporcionam bem-estar ao outro. Há normas sociais que estabelecem direitos individuais, são direitos objetivos, tais como: liberdade de falar, de ir e vir, de ter o seu salário ou mesada, a sua religião própria e assim por diante. Há diretos subjetivos, que não estão expressos em lei, mas que devem ser respeitados também. Por exemplo: errar enquanto busca a solução de um problema, pensar antes de responder a uma inquirição, guardar segredo, romper com o seu passado, omitir informações que o fragilizem, dormir tranquilo após um dia de trabalho, projetar o seu próprio futuro, gostar de coisas que eu não gosto e ser respeitado em suas diferenças.
Talvez caiba aqui um parênteses para explicar ao leitor que em nenhum momento pensamos em defender o direito de ofender, ser descortês, ser voluntariamente pesado aos outros, ser hipócrita, etc..
Pensamos que tendo cumprido esses quatro requisitos básicos estamos em condições de aprender a arte de amar.
O amor não exige retorno, não exige afeição do objeto amado, não exige ser correspondido. O amor é incondicional. Quando se faz algo por amor a alguém não se espera nem mesmo o reconhecimento.
Diferentemente do amor, a amizade espera retorno. Ela se desenvolve em um ambiente de afinidades, de proximidades de interesses, de confiança mútua, de diálogo, de uma relação franca, transparente. Um amigo espera ser correspondido pelo outro, ser respeitado pelo outro, cativar e ser cativado pelo outro. Por essa razão a amizade “prende” e o amor liberta.   O amigo deseja o outro para si e a pessoa que ama permite que o outro seja o outro.
Quem ama sente-se atraído pelo outro, mas não espera ou exige que o outro seja atraído por ele. Por essa razão um poeta disse que a amizade é “quase amor”.
Chego a pensar que um casamento teria mais chances de ser feliz se os cônjuges primeiro se respeitassem e depois se tornassem amigos. O amor não é necessário para a felicidade no casamento, o respeito sim. A amizade amplia essa possibilidade e o amor seria a culminância, o resultado, a apoteose.
Para transformar o amor-sentimento, contemplativo, despretensioso em amor-em-ação é preciso energia física, determinação e compromisso social.
Tenho ouvido muitos dizerem que Deus é a fonte do amor. Não ouso discordar por entender que Deus é a fonte de tudo. Por outro lado, acho um pouco cômoda essa abordagem. Entendo que se Ele é a fonte, no sentido de que sem Ele não posso amar, isso me desobriga de aprender a arte. Ela me informa que tudo o que tenho de fazer é esperar que a “água” dessa fonte me bafeje ou me inunde.
Prefiro a abordagem de que Deus é o modelo de amor. É aquele que sai da comodidade para a ação. Ele não espera resposta e não exige que correspondamos ao Seu apelo. Ele age e respeita, oferece e não pede em troca para o Seu próprio benefício. Quando exige resposta é para o bem da comunidade de crentes e não Dele próprio.
É difícil amar, é coisa para gente “grande”, isto é, gente que supera, que resiste a indiferença, que não desiste do outro, que aposta no outro, que confia, que venceu a mesquinhez, que soube primeiro ser amigo e respeitar a si mesmo e aos outros.
Sábado 30 de julho de 2011    16:10
Nova Andradina, MS  
Antonio Sales
profesales@hotmail.com

A Oração –II



 Não sendo favoráveis aos procedimentos extremos enfatizamos que embora a oração não seja uma panacéia, isto é, não cura e nem evita todos os males, ela continua importante e deve ser praticada. Precisamos de uma ligação com o transcendente, com o Deus que fomos ensinados a crer.
O problema são os extremos de substituirmos a ação pela oração ou a oração pela ação. Supomos que não sejam muitas as pessoas que oscilam nessa “gangorra” de extremos, mas acreditamos que haja umas poucas que têm dificuldades em pautar-se pelo equilíbrio. Normalmente os acomodados e os inseguros substituem a ação pela oração.
Nesta oportunidade quero partilhar com o leitor mais um resultado da leitura de Yancey (2010). Ele descreve os três estágios da oração.
O primeiro estágio é um grito de socorro. É instintivo, espontâneo e ocorre em momentos prementes da vida. É o clamor da mãe que vê o filho apresentar uma febre que recusa ceder diante dos analgésicos. Recorre também a ela o desempregado depois de várias tentativas frustradas de conseguir outro emprego.
É uma oração simples e produto do desamparo humano. É a expressão da ansiedade.
Essa oração traz alivio para a tensão do momento porque através dela lançamos sobre Deus toda nossa ansiedade. Ela abre as portas para intervenção divina, para os milagres, para a solução de um problema impossível para os homens.
É um gesto de insatisfação com o que presencia e um desafio à divindade para que intervenha nesse momento em que as “forças” humanas não deram conta de resolver o problema. É também uma disposição para aceitar ajuda de Deus, de amigos, de profissionais, enfim, de que puder socorrer.
Sabemos que Deus muitas vezes opera por meio de seres humanos preparados e dotados de disposição para ajudar.
O segundo estágio é a meditação e a reflexão. É um momento de aprendizado e de preparo para a ação. Ajuda avaliar os fundamentos da nossa vida. É a busca pela reordenação dos valores e pela compreensão de onde está depositada a nossa confiança. É o processo de rever conceitos. Como nada disso se faz sem comparações, este segundo estágio inclui estudo, disposição para aprender com as leituras que fizer e humildade para aceitar as mudanças que a leitura “sugerir”.
Uma leitura, e consequente reflexão, somente são proveitosas se apontar caminhos de mudança em nosso comportamento. Meditar no que leu e orar sobre isso é dispor-se e preparar-se para agir.  Essa leitura não deve ser única ou unidirecional porque esse tipo de leitura não permite comparação.
Muitos crentes leem apenas a Bíblia o que não se pode considerar um erro, mas com certeza é uma leitura pobre para fins de comparação. Outros leem, além da Bíblia, somente autores de uma acerta orientação religiosa. São leituras unidirecionais que acabam produzindo um estreitamento da visão, um empobrecimento do intelecto.
Conhecemos profissionais que têm certa solidez na ciência ou arte que estudaram e praticam, mas são pobres intelectualmente por terem uma visão unidirecional da vida. Seus recursos intelectuais são limitados produzindo uma contribuição também limitada para os relacionamentos, para os debates, para a compreensão da realidade, para a transformação da sociedade e da própria vida. Quem não sabe o que dele é esperado não consegue mudar o comportamento para satisfazer as necessidades do outro e, até mesmo, as suas.
A leitura multivariada permite essa visão ampla e, por essa razão, supomos que seja muito mais saudável.
Nesse segundo estágio da oração joelho (ou ajoelhar-se) rima com olhar para o outro e suas necessidades, reflexão é sinônimo leituras diversas e meditação é preparo para a ação.
Reflete-se sobre a profundidade dos problemas e o empenho necessário para resolvê-los. Reflete-se sobre os reflexos do nosso comportamento sobre os outros e sobre sua possível relação com as dificuldades que enfrentamos. Reflete-se sobre as múltiplas saídas para um problema, saídas propostas por quem já os enfrentou e venceu.
Disse Yancey: “a religião deve necessariamente produzir iniciativa e frugalidade, e essas duas atitudes só podem produzir riquezas”.
O terceiro estágio ocorre quando desviamos os nossos olhos dos nossos problemas e olhamos para fora, para as necessidades dos outros. Essa é a oração-ação.
Sobre a frase do Pai Nosso “Seja feita a Tua vontade aqui na terra como no céu” Yancey comenta que no céu não há lugar para desabrigados, para crianças desamparadas, para vítimas de enchentes, para drogados, para famílias em desacertos, para jovens desorientados. Com isso o autor quer dizer que o terceiro estágio da oração é uma ação em favor dessas pessoas. É sair do discurso puramente religioso, espiritualizado, centrado apenas no nosso relacionamento com Deus e ir para “os campos da seara”(Jo 4:35,36). É levar  socorro aos desabrigados, amparar as vítimas de violência, orientar os jovens, orientar as famílias e criar clínicas de recuperação.
Tenho um amigo que conquistou o meu respeito pela sua preocupação com os jovens. Ele anseia preparar os jovens para o mercado de trabalho ensinando-os a preparar o seu currículo prático, isto é, elaborar o seu “Projeto de Vida”, investir em si mesmo. Ele faz isso há doze anos e muitos jovens já encontram o seu lugar no mercado de trabalho através do seu esforço. Ele é incansável e apesar do pouco apoio que recebe das famílias, de alguns líderes da sua igreja e até mesmo de alguns jovens que são imediatistas, não desiste.
O Mota é um idealista incansável, um humanista exemplar e um religioso prático. A sua oração do Pai Nosso é: “o pão (trabalho para o jovem) nosso de cada dia nos dá hoje”. Meu amigo desafia a lógica e o senso comum, sacrifica a comodidade, ignora os desafetos, supera o cansaço e as frustrações tão comuns e continua na luta em favor dos jovens da sua comunidade.
Ele pratica o terceiro estágio da oração.
YANCEY, Philip. Para que serve Deus: em busca da verdadeira fé. São Paulo: Mundo Cristão, 2010.
Nova Andradina, MS, 30/07/2011  8:20             profesales@hotmail.com

sábado, 23 de julho de 2011

A Oração



Muitas são as definições de oração e muito se pode discutir sobre o significado dela. Neste texto oração tem o significado de conversa com Deus, desabafo da alma perante o Eterno, palavras de agradecimento a Deus ou solicitação de ajuda. Pode ser cantada, falada, ou apenas sussurrada. Pode ser em público ou em particular e pode ser espontânea ou memorizada. Enfim, oração neste texto é comunicação do ser humano com o Eterno.
As religiões incentivam a sua prática como forma de aumentar a comunhão, servir de intercessão, aumentar a confiança em Deus, superar problemas de caráter, diminuir a insegurança ou angústia, enfrentamento da tentação, busca de sabedoria ou orientação para decisões importantes, e assim por diante.
Acreditamos que a oração é realmente importante e tem muito a contribuir para o bem-estar emocional e espiritual do ser humano. Defendemos que a sua prática deve ser incentivada, mas pensamos que muito do que se diz sobre o efeito e poder da oração não passa de mitos e, talvez, de hipocrisia ou desculpa por parte de quem divulga.  
Da nossa parte acreditamos que a oração não é panacéia contra todos os males como supõem alguns religiosos. Estamos certos de que a oração não é remédio contra a violência porque o violento não permite que Deus atue na vida dele, logo, o meu pedido não surtirá efeito porque Deus não intervém contra a vontade humana. A oração não é um poder mágico que flui diretamente do devoto em oração para o objeto da mesma.
A oração não cura apendicite (e outras tantas doenças que exigem cirurgia) e a prova disso é que ninguém espera em oração pela cura. Antes, pelo contrário, procura imediatamente um cirurgião.
A oração não proporciona diplomas e não profissionaliza ninguém. Essa é uma tarefa das escolas técnicas e universidades. A oração não transforma o caráter porque este é resultado de uma decisão individual, de mudança de hábitos e do cultivo de um comportamento socialmente aceito.
A oração não cura fraturas expostas.  A oração, em caso de acidente, não protege um e deixa o outro à míngua porque se fizesse isso revelaria um Deus parcial e diferente daquele que Jesus disse que “faz chover sobre justos e injustos” (Mt 5:46 ).
A oração não nos isenta de responsabilidades. Ela não nos desobriga de tomar decisões.
Em algumas igrejas a liderança procura resolver as questões administrativas e relacionais através de oração. Dos casos que conhecemos nenhum foi resolvido e a igreja entrou em decadência. Essa atitude de tentar resolver os problemas através de oração trouxe à tona um pastor inseguro, de caráter fraco, indeciso e, tecnicamente incompetente.
A oração não é um recurso de preparo de sermão por quem não estuda. Muitos pregadores procuram nos convencer de que o sermão a ser apresentado por ele representa a voz de Deus fazendo uma oração antes de iniciar o seu pronunciamento. Em todos os casos que presenciamos essa foi apenas uma forma de acobertar a incompetência ou falta de preparo, porque o sermão apresentado, com certeza, deixou Deus envergonhado pela sua pobreza de conteúdo e até incoerência no pronunciamento. Em muitos casos, tem-se a vontade de perguntar ao pregador porque ele não orou pedindo ajuda a um Deus mais inteligente se é que o sermão foi orientado por Ele através da oração.
A oração não deve ser o único recurso para resolver problemas familiares. Educação de filhos exige planejamento e ação. A manutenção da família exige trabalho e laboriosidade, além  da oração. A “harmonia” entre os cônjuges é resultado de esforço, compreensão, tolerância, desprendimento, maturidade emocional e intelectual, conhecimento das necessidades do outro e disposição para colaborar. A oração é a menor parcela.
A aprovação em concurso exige muito estudo e a oração é apenas um fator coadjuvante para diminuir a tensão no momento da prova.
Em caso de viagem é mais seguro levar o carro em um mecânico para uma revisão do que confiar na oração e sair de casa com o motor prestes a fundir ou com os pneus em etapa final de desgaste.
Em caso de sua casa ser assaltada, e você ser feito refém, é preferível que os vizinhos chamem a polícia ao invés de se reunirem para orar. Em caso de um familiar drogado é mais produtivo buscar ajuda em grupos de apoio e clínicas de recuperação do que ficar recluso em casa orando.
Em todos os casos citados a oração tem o seu lugar e pode contribuir para que alguns problemas se tornem mais fáceis de serem resolvidos, porém ela não deve ocupar o lugar da ação.
Dessa forma concluímos que o que exige ação não pode ser motivo apenas de oração. 
Antonio Sales
profesales@hotmail.com
Produzido em 23/07/2011

A Contribuição da Religião para o Indivíduo

Antonio Sales
profesales@hotmail.com
Neste texto o termo religião tem significado de instituição religiosa ou igreja. De modo mais específico estaremos nos referindo a uma religião, a que mais conhecemos, embora não a identificaremos.
Talvez seja desnecessário enfatizar que, de forma geral, as igrejas evangélicas têm mais sucesso no trabalho com pessoas de classe social mais humilde. Essas são mais acessíveis às investidas de quem promove campanhas de evangelização, estão à espera de atenção e mais sujeitas a serem atraídas para “iscas”.  Diante dessa constatação teceremos nossas considerações pressupondo que este seja um fator percebido pelos nossos leitores.
As pessoas dessa classe social normalmente têm dificuldades para se inserirem em um contexto social diferente daquele a que estão acostumadas. É ai então que a religião presta o serviço humanitário, isto é, tem a sua oportunidade de contribuir para a socialização dessas pessoas.
Primeiramente a pessoa é saudada com entusiasmo quando vem à igreja e recebe toda a atenção que precisa. Ao ser batizada é encarregada da recepção, fazer oração em público ou assume a liderança de algum departamento. Mais tarde é eleita líder local da igreja ou encarregada do diaconato ou ainda é escolhida para coordenar algum departamento que envolve várias pessoas. Tudo isso representa crescimento, implica em desenvoltura e destaque social. Alguns se tornam pregadores, secretários, instrutores bíblicos, coordenadores de jovens e assim por diante. Nesse contato memorizam uma centena de textos bíblicos, aprendem uma meia centena de palavras ou frases novas e especializadas e decoram uma meia dúzia de estórias ou ilustrações. Esta é a grande contribuição da religião evangélica para as pessoas: leva-as a romperem a inércia inicial.
Esse processo é muito importante. Para muitas pessoas essa inserção representa a oportunidade de ascensão social em virtude da desenvoltura adquirida nesse processo de afiliação a uma igreja evangélica.
O problema é que, normalmente, a inserção social do sujeito para nesse estágio inicial. A secretária não recebe nenhuma instrução sobre como elaborar uma ata, a recepcionista não é assessorada com alguma teoria sobre a arte de recepcionar, o líder não é instruído sobre a arte de liderar, os cantores dificilmente recebem treinamentos incluindo técnica vocal ou de regência, os pregadores aprendem a “técnica” de pregar apenas vendo os outros pregadores. Raramente há cursos sobre como preparar um sermão, sobre ética na pregação, informações técnicas sobre a postura física, orientação sobre a linguagem ou esclarecimento sobre a finalidade de um sermão.
Os membros não são estimulados a novas leituras, sendo inclusive coibida a consulta a fontes externas. Não são estimulados a produzir ou ter iniciativas próprias. Passam a receber sermões prontos e não recebem estímulo à reflexão sobre a sua prática ou sobre a administração da igreja. Não podem criticar sermões e são convencidos de que, quando pregam, falam em nome de Deus, portanto, estão isentos de erros e não podem ser corrigidos.
Diante dessa ausência de acompanhamento, da falta de estímulo à criticidade, o sujeito estabelece-se como já tendo aprendido tudo e para de crescer intelectualmente. Alguns se tornam arrogantes como se fossem donos da verdade e prosseguem na vida religiosa sem fazer outro progresso além daqueles passos iniciais. Aliena-se, fechando-se em seu pequeno mundo religioso e se limita a um linguajar programado e a uma visão direcionada.
Com essas limitações os sermões tornam-se repetitivos, rasos e acusatórios. Não trazem informações novas, não produzem reflexões, não estimulam o crescimento intelectual e nem o crescimento cristão.  As ilustrações são sempre as mesmas e, muitas vezes, são contadas como se fossem fatos históricos deixando evidente que o pregador não sabe distinguir estórias de história. Os textos bíblicos usados nos estudos são sempre os mesmos, as ilustrações se repetem e as aplicações raramente sofrem variações.
Ao pregar sobre o valor da oração fazem uma caricatura de Deus. Apresentam-nO ora como um Deus de plantão e ora como um Deus caprichoso (inescrupuloso). Quando ocorre um acidente, por exemplo, e uma pessoa escapa ilesa e a outra sofre as consequências então é porque a mãe da ilesa estava orando e a da outra, não. É como se Deus não cuidasse de quem não ora ou ainda programasse acidentes para ensinar lições aos que não se dobram diante Dele em clamor e humilhação.
Quando fazem uma abordagem da atualidade fazem-no sob o viés do preconceito. Os “de fora” são todos de mau caráter e exercem influências sempre negativas sobre os jovens da igreja. Dessa forma os jovens tornam-se arredios e descorteses para com os visitantes à igreja. O “mundo” não oferece nada de bom (nem mesmo tecnologia?) e não contribui para a felicidade. São, portanto, discursos alienantes.
Alguns “pecados” condenados nesses sermões são imprecisos como, por exemplo, a moda, o mundo e as práticas mundanas. Esses conceitos nunca são definidos. Não dizem o que há de mal ou imoral na moda, não definem o que é mundo (ver artigos analisando o mundo neste blog) e não explicitam o que é uma prática mundana. Não explicitam porque o exercício de uma profissão, por exemplo, que é uma prática do mundo, não é condenável. De igual modo, não dizem se o fato de os homens usarem, ou não, bigode é moda condenável. O preconceito contra as mulheres não possibilita que as questões tipicamente masculinas sejam incluídas no debate.
Esse segundo estágio é o ponto frágil da religião. É ele que torna os seus membros hipócritas porque na presença do pastor são ovelhas e na ausência, lobos devorando-se uns aos outros. Usam a internet ostensivamente e condenam a internet publicamente, em um gesto de grotesca hipocrisia. São incoerentes, porque no seu discurso a igreja, isto é, todos os seus membros e a administração são adeptos do mundanismo, menos quem fala (ver artigos sobre os Guias Cegos). Da mesma forma se comportam  os ouvintes porque cada um aplica o discurso aos outros e nunca a si mesmos, pois se o fizessem não concordariam quando algum pregador afirma que a igreja está cheia de hipócritas.
Tornam-se ainda apáticos, sem iniciativas próprias (só fazem o que está no programa da igreja) ou arrogantes (consideram-se donos absolutos da verdade e que falam em nome de Deus). Essa condição (incluindo tudo o que foi descrito anteriormente) leva-os de volta a antigas práticas tais como fazer intrigas, estimular a formação de grupos paralelos, preocupação com exterioridades (roupas, aparência), debates sobre questões secundárias que não ampliam a visão e não melhoram os relacionamentos humanos.
Embora essa seja uma condição nada recomendável é pouco provável que tal situação sofra mudanças. As pessoas não questionam, logo não incomodam a liderança. Elas brigam entre si, mas silenciam na presença dos pastores. Mostram-se submissas (por temor) na presença do pastor, embora insatisfeitas com a atenção que recebem. Como não leem outros autores não têm parâmetros de comparação e ficam incapacitados para julgar um sermão ou emitir uma opinião consistente sobre a administração que tanto discordam. Apesar dessas fragilidades eles devolvem os dízimos e contribuem com as ofertas que garantem a manutenção das despesas administrativas e salariais. Nesse caso, para que mudar? Quem se interessará em produzir mudanças? Que pastor ou administrador da igreja fará isso? Quem poria em risco a sobrevivência se está materialmente confortável?
Parece que um filósofo muito detestado pelos cristãos, e por isso o seu nome é omitido aqui, tinha razão quando afirmou que as religiões cristãs têm preferência por ovelhas (seres que seguem de cabeça baixa), e não por homens (seres que pensam e decidem). Seus líderes  sempre querem ser seguidos, nunca questionados.
Produzido em 23/07/2011

terça-feira, 19 de julho de 2011

Conhecimento e Certeza


Antonio Sales
profesales@hotmail.com
Quando escrevi sobre o “medo da liberdade” usei a metáfora do pássaro livre e do pássaro engaiolado. A  certa altura do texto afirmei que um tem garantias mas não tem conhecimento e o outro tem conhecimento mas não tem garantias.
Imagino que algum leitor tenha se perguntado: não é possível ter os dois? Será que conhecimento nunca rima com certeza?
Talvez sim. Tudo depende do universo de cada um. Depende do que se entende por certeza e por conhecimento. Depende da certeza que você tem e do conhecimento que pretende ter.
 Se considerarmos que ser alfabetizado é ter conhecimento então a resposta à pergunta anterior é “sim”, pois uma criança alfabetizada com certeza conhece todas as letras do alfabeto.
Uma criança que terminou as séries iniciais com boas notas com certeza sabe as quatro operações fundamentais da aritmética. Naquele universo limitado é possível saber tudo e ter certeza de tudo.
Deixemos, porém, as coisas de criança e pensemos nas coisas de adulto.  Pensemos nesse universo infinito em que sábios são aqueles que sabem que ainda há muito a aprender. Sábios adultos têm certeza de uma coisa: apenas tocaram na orla do conhecimento. Portanto, vivem na incerteza do que lhe falta conhecer; desconhecem o que lhes aguarda em cada “esquina “ da vida. Um advogado sábio tem certeza que pode perder a causa do seu cliente, pois o outro pode ter um advogado mais sábio do que ele. Um professor sábio só tem uma certeza: pode ser surpreendido pela resposta de um aluno. Um médico experiente sabe que não pode dar garantias do seu trabalho. Um remédio que curou 99 pessoas pode ser fatal para a centésima.
O conhecimento fornece certezas que não gostaríamos de ter e nos rouba as certezas que almejamos.
No relato do Gênesis sobre Éden tudo isso fica muito claro. Deus retirou o primeiro casal do jardim, isto é, retirou a proteção tão logo se apropriaram do conhecimento. O direito ao convívio tranquilo com os animais, a garantia de alimento, de ausência de dor e de ausência do cansaço evaporou-se no momento em que tiveram “conhecimento do bem  e do mal”. No momento em que perceberam que algo poderia não ser daquele jeito fugiu-lhes a tranquilidade, perderam a garantia do pão e a certeza da paz.
Houve a promessa divina de restauração. Um promessa que embora seja uma certeza  do ponto de vista divino ( isto é, Deus dá garantias), é uma  incerteza do ponto de vista humano porque tudo está sob condições. Em outras palavras: é certo que Deus cumprirá a Sua promessa, mas não é certo que o homem se beneficie dela. Os fariseus não se beneficiaram com o cumprimento da promessa divina de enviar o Seu Filho ao Mundo.
Dessa forma concluímos que conhecimento não rima com certeza. O conhecimento que não traz incertezas é um conhecimento infantil, limitado a um universo do tamanho de uma gaiola.
Algumas certezas são possíveis em qualquer  nível de conhecimento mas não são convenientes em nenhum deles. A certeza de que poderemos ser surpreendidos por uma má noticia amanhã, ou que podemos estar equivocados em nossas  afirmações, é diretamente proporcional ao conhecimento de um sábio  e inversamente proporcional ao que se julga conveniente ter como certo.
Como felicidade não depende de certezas e nem de conhecimento é possível ser feliz em qualquer caso. Portanto, felicidade  e contentamento não são critérios para avaliar grau de certeza ou de conhecimento.
19/07/2011

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Medo de ser Livre


Antonio Sales
O pássaro cativo tem lugar certo para dormir, não precisa se preocupar com a proteção sua e da prole e não necessita procurar alimento. Isso, é sem dúvida, confortante, mas traz as desvantagens de limitar o seu conhecimento às quatro paredes da gaiola, ao cuidado humano e ao sabor de um único alimento. Não aprende a  usar as asas e, muitos, nem sequer podem acasalar.
O pássaro livre namora, experimenta vários sabores, conhece a chuva e o sol por experiência, mas tem que voar grandes distâncias para procurar o alimento. A liberdade lhe rouba a garantia da “cama” ao voltar à tarde pois algum predador pode ter destruído o seu ninho ou ocupado o seu espaço no galho da árvore. Ele vê as estrelas, vê a lua, conhece o rio, mas treme ao ver um gavião e se molha na chuva.
Qual dos dois é feliz?
Um tem garantias, mas não tem conhecimento; o outro tem conhecimentos, mas não tem garantias. O cativo mantém a inocência infantil por toda a vida e o livre perde a inocência no primeiro vôo. O cativo canta na presença do gato e o livre se estremece ao ouvir o piar do gavião. O primeiro passa a vida sem entender nada do que se passa com ele, por isso é tranquilo; o segundo entende tudo, conhece o mundo, mas enfrenta uma surpresa (ou mais) a cada dia. O primeiro vive cercado pelas paredes da gaiola e o segundo, pelos perigos da vida.
Qual é o feliz?
Se esses pássaros somos nós e a liberdade é uma opção não faz sentido perguntar pela felicidade. Pergunta-se pela escolha de cada um ou pela consciência da escolha. Ambos podem ser felizes desde que assumam as escolhas que fizeram. Não pode o cativo julgar-se tão sábio quanto o livre, não pode o livre zombar da gaiola do outro. Se cada um escolheu então cada um é feliz ao seu modo.
O que me preocupa é que muitos  estão cheios de certezas, seguros em suas concepções porque não sabem que a certeza que possuem é resultado da gaiola que os aprisiona. As ideias preconcebidas e a falta de disposição para avaliá-las conferem-lhes “segurança”, certezas absolutas. A ideologia aprisiona embora dê a sensação de liberdade.
Do mesmo modo há muitos que estão livres não porque escolheram essa condição, mas porque não acharam um caçador que lhes armasse um laço. São os que se angustiam diante dos desafios da vida e tremem diante das decisões a serem tomadas. Esses preferem pensar que estão engaiolados a viverem em liberdade. São esses que se encasulam em concepções mesquinhas e fazem o discurso de que o jovem não está preparado para ser livre.
A liberdade frequentemente nos deixa desamparados e a única certeza que nos dá é que viveremos de incertezas. Conviver com isso não é fácil, portanto, é compreensível que alguns prefiram a gaiola. É difícil quebrar paradigmas, abandonar ideias preconcebidas, viver de incertezas e estar sempre à procura de um referencial. É preciso coragem para ser livre.
Fábula:
Um lobo faminto e um cão gordo e saudável se encontram e, sentados frente à frente à sombra de uma árvore, olham-se  por alguns instantes. O lobo, sempre mais livre, começa a conversa:
-Amigo cão, de onde vens? Por onde tens andado que tens encontrado comida com fartura? Tenho levado uma vida difícil. A comida está escassa, os caçadores estão sempre à espreita e a noite é atribulada.
O cão:
-Amigo lobo, moro aqui bem perto. Tenho cama, vacinas e comida tudo no tempo certo. Tenho um dono que não deixa faltar nada para a minha saúde.
O lobo:
- Que inveja! Gostaria de ter um dono assim.  Estou tão faminto!
O cão:
-Vamos comigo! Apresento-o ao meu dono e ele te acolherá, com certeza. Nunca mais lhe faltará o pão, a sua água será certa, as suas vacinas ficarão em dia. À noite você dormirá tranquilo.
O lobo:
- Diga-me mais alguma coisa sobre sua vida, antes que eu tome a decisão. Você uiva à noite, saudando a lua?
O cão:
-Não. Não me é permitido uivar e nem mesmo latir na hora que eu desejo. Tenho regras cumprir.
O lobo:
-Mas você pode saudar o seu dono dizendo-lhe muito obrigado pelo alimento?
O cão:
- Na realidade a nossa relação é um pouco distante. Quase não o vejo e quando o vejo não posso lamber suas mãos em gratidão. Não posso acariciar os seus filhos, não posso deitar-me aos seus, não posso entre em sua casa e não posso nem mesmo passear com outros amigos meus ou namorar.
O lobo:
-E isso lhe deixa feliz? Vale a pena o sacrifício?
O cão:
-Vale porque a comida é boa e o sono é tranquilo.
O lobo:
- É muita mediocridade! É muito egoísmo da sua parte contentar-se em comer e nem sequer poder agradecer. Mas, estou com tanta fome que aceito o convite para viver pelo menos um pouco tempo com você. Vou fazer-lhe companhia. Vamos conversar muito. Vamos juntos cumprimentar o amanhecer. Vamos juntos sorrir para a vida.
O cão:
-Então vamos! Meu dono, com certeza, o acolherá.
E o cão virou para indicar o caminho. Nesse momento o lobo viu uma marca em seu pescoço e perguntou: que marca é essa em seu pescoço, amigo?
 O cão:
-É que eu vivo preso a uma coleira há muitos anos. Hoje estou aqui porque por um descuido do meu dono a coleira se partiu e eu estou aproveitando para passear.
O lobo:
- Serás bem recebido em casa, quando voltar? Terás a colhida do filho pródigo?
O cão:
- Com certeza, não! Serei punido e passarei muitos outros anos preso a uma coleira nova.
O lobo:
-Então, adeus! Agradeço o seu convite mas vou seguir o meu caminho. Prefiro a incerteza do alimento à certeza da prisão e do castigo.
E cada um seguir o seu caminho.
Qual vai ser feliz?
17/07/2011

sábado, 16 de julho de 2011

Liberdade



Quando escrevi sobre a “saudável aventura fora dos muros” defendi abertamente o direito à liberdade e em seguida veio-me à lembrança a visita que recebi de um religioso, tempos atrás.
Em nossa breve conversa expus minhas convicções e meu anseio pela liberdade e o grau de liberdade que conseguira alcançar. Antes que pudesse concluir o pensamento ele adiantou-se e, com o dedo em forma de advertência, sentenciou: “com responsabilidade”.
Concordei plenamente com ele, mas tive dificuldade em entender porque a pressa em advertir-me. Nunca imaginei escrever o poema da minha vida rimando liberdade com promiscuidade ou com licenciosidade. Para mim liberdade rima com respeito (aos outros e a mim mesmo), tolerância e racionalidade.  Nunca consegui imaginar que um viciado pudesse ser livre; que alguém que tem dívida (financeira ou moral) seja um sujeito livre. Liberdade  rima com erro, mas o erro da busca pelo acerto, o erro de percurso, o erro como efeito colateral de uma ação bem intencionada.
Ser livre para mim é buscar a verdade, ver com os próprios olhos, admitir as fragilidades, chorar, sorrir, amar, servir, abraçar, viajar, dar bronca quando precisar e acariciar quando supuser que fará bem. É não se contentar com evidências, sair da mesmice, não ter certezas  e não temer o encontro com a verdade.
Ser livre é não ter idéias preconcebidas, não submeter-se às amarras de um conjunto de dogmas, não ter medo de defender  o que acredita ser verdade, não hesitar em pedir perdão quando errar sem estar sob pressão e, não ter medo de manter a posição assumida quando ofender forçado pelas circunstâncias. Ser livre é poder ler qualquer autor, saborear qualquer livro, assistir teatro, ouvir a música que gostar e declamar poesia.
Ser livre é brincar com as crianças, contar piada para os idosos, desligar a televisão quando o programa não for inteligente, agradecer um abraço ou elogio recebido, falar abertamente para o público sem rodeios e sem arrogância. É admitir que não sabe tudo, aprender com as crianças e com os alunos de qualquer idade, desmascarar os hipócritas, participar de passeatas, protestar contra a violência, denunciar a imoralidade e dizer tchau quando der vontade de ir embora.
É, como Paulo, saber que “todas as coisas me são lícitas, mas nem todas me convêm”(1Co 10:23). É não ter medo do sucesso e sonhar subir no pódio. Romper paradigmas, não buscar culpados, não viver à sombra do juízo, quebrar tabus, não se orientar pelos mitos, ser capaz de ouvir “nãos” sem ficar emburrado, não ficar papagaiando (simplesmente repetindo o que já foi dito), não querer se parecer sábio, não se fingir de intelectual, andar à pé quando todos vão de carro, ler um livro só até à metade porque achou “chato”, acionar a polícia quando sentir-se ameaçado e não temer o que “vão dizer”.
Ser livre é deixar o carro na garagem e viajar de motocicleta, entrar  a numa loja com dinheiro suficiente e  comprar somente o necessário, “olhar para trás”, “olhar para frente”, “olhar para os lados” e decidir em cada “encruzilhada” da vida o novo rumo a tomar.  É respeitar o ateu, cumprimentar o mendigo, sorrir para o gari, assumir a própria idade e  usar o cinto de segurança ou o capacete sem o filho mandar. É livre quem não precisa de uma igreja para sentir-se  amigo de Jesus.
Liberdade é curtir os amores que a vida nos traz: abraços respeitosos, elogios sinceros, promoções profissionais, leituras agradáveis, reuniões de amigos, oportunidades de serviço, ler, pesquisar, publicar, tocar instrumento e escrever (livros, artigos, textos para blogs). É não precisar de vigilância para não ferir os outros sem necessidade, evitar provocações mal intencionadas, não iludir, “não dever nada a ninguém, exceto o amor” (Rm 13:8).  É trabalhar além do horário sem esperar pelo bônus da hora extra, é chegar sóbrio em casa e discutir abertamente os conflitos vividos. É tratar o cônjuge como adulto, é investir nos filhos, curtir os netos, fazer trabalho voluntário e não ter pressa de aposentar.
Liberdade é uma condição interior, é o resultado de um crescimento, é mais do que autovigilância. É ter prazer em viver com responsabilidade.
Sou livre. Deus me concedeu deu-me essa graça de viver até conseguir a liberdade.
17/07/2011 
Antonio Sales
profesales@hotmail.com

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Uma Saudável Aventura Fora dos Muros


Muitos pregadores cristãos investem pesadamente  contra o “mundo lá fora”, classificando tudo o que é produzido por ele como impróprio para o uso do jovem cristão.  A música, a arte de forma geral, as amizades e os livros são classificados como impuros; nada serve. Salvam-se dessa aguilhoada  a tecnologia e a ciência porque não conseguem viver sem elas, mesmo assim há quem afirme que a ciência contém elementos perigosos.
Os jovens norteados por esse discurso ficam arredios, cheios de culpabilidade quando olham para um cartaz de cinema, assistem a um filme em casa ou jogam xadrez ou dama com os amigos. Aprendem que não devem perder tempo com jogos e que participando de movimentos políticos ou atividades culturais  estão se colocando em terreno por demais escorregadio, afastando-se de Jesus e da presença dos Seus anjos.
Muitos parecem não questionar essa “verdade” que lhes é  imposta e vivem tranquilos nessa bolha transparente. Outros, ao que parece,  sentem a incoerência desse discurso e passam a viver numa certa “frouxidão espiritual” tentando conciliar duas verdades contraditórias. De um lado a verdade que lhes é ensinada pela pregação e, por outro, a que veem com os próprios olhos: a beleza de um romance, o encanto de uma música, a sabedoria de um filósofo, a desenvoltura de um político, a humanidade de um cientista, a cortesia de um motorista de ônibus, a inteligência de um enxadrista, as facilidades da tecnologia  e assim por diante. Alguns se sentem culpados per terem uma impressão tão favorável do “mundo lá fora”.
 Estive entre esses últimos por muito tempo. A transparência da bolha me incomodava. Ela não vedava o meu olhar para as coisas boas que existem fora dos muros. Minha crença tentava negar o que os meus olhos viam, o conflito se instalava e a culpa me fazia sofrer.
Reescrever a minha história, sem negar a fé em Jesus, não foi uma tarefa confortável. Consegui. Continuo crendo em Deus e confiando e Jesus, mas desconfio da honestidade dos seus pregadores. Tudo o que ouço deles coloco em suspensão como aprendi quando estudei Fenomenologia. Submeto o que dizem a um crivo de sensatez, coerência pessoal, lógica e racionalidade, antes de aceitar.
Hoje sou cristão. Escapei das amarras de uma religião que isola, que intimida, que vê maldade em tudo, que tenta escurecer a luz do dia, que coloca um “óculos” escuro em todos os fiéis. Uma religião centrada na culpa e que esquece a alegria de ser cristão, que tolhe a liberdade de ser cidadão de dois mundos, que procura ocultar as coisas boas que há no mundo (tolerância, conforto, saúde, cultura, amizade, ciência, beleza) ao mesmo tempo em que delas  se beneficia.
Estava já convicto disso quando recebi, como presente de um amigo,  o livro “Para que serve Deus: em busca da verdadeira fé” de Philip Yancey. O autor passou pela experiência de ter vivido numa bolha  e escreveu um capítulo  sobre isso. No capítulo intitulado “A Vida Numa Bolha” há este parágrafo:
“Temos modelos bíblicos  de gente que se serve de recursos do mundo exterior. Por exemplo, os israelitas usaram o ouro dos egípcios para construir o tabernáculo. Vocês provavelmente também se lembram da história, narrada em 2Reis, do que aconteceu quando a cidade de Samaria foi sitiada e sofreu uma carestia mortal. Desesperados, os leprosos excluídos arriscaram a vida aventurando-se além dos muros da cidade em busca de comida. Eles tiveram uma visão surpreendente: as sobras de um exército que havia desaparecido, e assim voltaram com as provisões abandonadas ao encontro dos israelitas encolhidos de medo dentro dos muros. Às vezes precisamos sair da igreja para conseguir alimento - arte, beleza, conhecimento - que depois podemos trazer para dentro e apreciar de forma plena”.
E Yancey continua:
“Espero que deixem este ambiente artificial - e mesmo antes de o deixarem - vocês explorem o mundo lá fora. Cultivem amigos não cristãos e demonstrem-lhes que a beleza, o anseio, a curiosidade e a alegria são dons que Deus nos deu para serem corretamente explorados”.
Partilho do pensamento de Yancey e tenho me decepcionado menos com os amigos de “fora” do que com os amigos de “dentro”. Recebo muito apoio fora e sou visto com suspeita pelos de “dentro”. “Fora” confiam em mim, “dentro” desconfiam e eu sou o mesmo em ambos os lugares, me comporto da mesma maneira, transmito a mesma mensagem, trabalho com a mesma garra e uso o mesmo parâmetro de respeito às pessoas.
Dá para entender? A bolha intimida, produz uma “brancura” frágil e fácil de “sujar”. A bolha fragiliza, tira a liberdade de pensar e inibe o prazer de desfrutar a vida .
Escrito em 14/07/2011
Antonio Sales

O Rico e o Mendigo



Antonio Sales
profesales@hotmail.com
Não tenho a intenção de propor uma interpretação para esta parábola narrada por Jesus e que está registrada no evangelho segundo Lucas (Lc16: 19-31). Não me perguntem pelo significado teológico da parábola. Há múltiplas interpretações tantas quantas são as teologias e, por essa razão, desejo apenas extrair algumas aplicações para a nossa vida. Jesus disse que o mendigo da parábola tinha o corpo coberto de chagas e vivia acompanhado de um cão que compadecia dele e tentava aliviar a sua dor lambendo as feridas. Aplicava-lhe constantemente o que chamaríamos “unguento canino”. É provável que não contribuísse para a cura, mas com certeza aliviava o desconforto físico e provia companheirismo. “Falava-lhe” de compaixão e de amizade a toda prova.
Um problema de quem tem o corpo coberto de chagas é que ficamos sem saber como agir. Não podemos tocar nele porque corre-se o risco de provocar-lhe mais dor. Não podemos nos aproximar muito porque um resvalo pode provocar o indesejável toque. Não podemos nos afastar porque sugere abandono, nojo, medo e assim por diante. Felizmente temos hoje à nossa disposição os recursos médicos e farmacológicos, mas estamos pensando nas relações pessoais que, por vezes, ainda é agravada pelo medo do contágio.
Quero falar agora um pouco das chamadas pessoas “sensíveis” porque se ofendem facilmente.  Penso que podemos compará-las ao “mendigo” porque têm a alma e, às vezes, a vida moral em “chagas”. Estão profundamente “machucadas” em sua autoestima ou com uma carga muito grande de culpabilidade. São dominadas pela incerteza do que fizeram ou pela dor das injustiças que sofreram ou julgam ter sofrido. Têm dificuldades para compreender a liberdade dos outros ou a aparente felicidade deles.
Foram vítimas do bulling ou provocadoras de situações embaraçosas desnecessárias. Estando em primeiro plano não sabem administrar as responsabilidades decorrentes da posição que ocupam e estando em segundo plano têm dificuldades para aceitar essa condição.
 Pelas razões expostas sentem-se agredidas por qualquer discurso que ouvem ou por qualquer gesto que lhes fazemos. Tanto a nossa tentativa de aproximação como o nosso distanciamento provoca a mesma dor. Nosso silêncio assim como nossa fala toca no mesmo ponto sensível. São pessoas que precisam de ajuda profissional mas não estão dispostas a aceitar essa ajuda. Precisam de “amigos” que lhes “massageiem o ego” porque não querem correr o risco de ver exposta a sua fragilidade. Não aprenderam a lidar com as dores provenientes dos problemas que causaram ou superar as dores das frustrações que sofreram.
Li algures uma frase que, embora tosca, nos fala sobre a condição de algumas pessoas. Dizia essa frase: “é mais fácil lidar com um coxo da perna do que com um ‘coxo da mente’. O primeiro reconhece ser ele quem precisa de ajuda e o segundo supõe que sejam os outros”.
A situação fica ainda pior quando outras pessoas se arvoram como protetoras delas. É como “proteger” um doente de uma consulta médica ou de uma cirurgia necessária. Procuram acobertar suas fragilidades ou pedir aos outros que evitem tocar em determinados assuntos para não ofendê-las. Na tentativa de proteção acabam por denunciá-las, por revelar as suas faltas e por afirmar subjetivamente que são frágeis. Aliás, dependendo da proteção disponibilizada pode tornar a pessoa ainda mais frágil e escancarar ainda mais as suas chagas.
O mendigo da parábola tinha a seu favor o fato de não esconder a sua condição de necessitado e aceitar ajuda até mesmo de um cão.
Produzido em abril de 2011