Antonio Sales
O pássaro cativo tem lugar certo para dormir, não precisa se preocupar com a proteção sua e da prole e não necessita procurar alimento. Isso, é sem dúvida, confortante, mas traz as desvantagens de limitar o seu conhecimento às quatro paredes da gaiola, ao cuidado humano e ao sabor de um único alimento. Não aprende a usar as asas e, muitos, nem sequer podem acasalar.
O pássaro livre namora, experimenta vários sabores, conhece a chuva e o sol por experiência, mas tem que voar grandes distâncias para procurar o alimento. A liberdade lhe rouba a garantia da “cama” ao voltar à tarde pois algum predador pode ter destruído o seu ninho ou ocupado o seu espaço no galho da árvore. Ele vê as estrelas, vê a lua, conhece o rio, mas treme ao ver um gavião e se molha na chuva.
Qual dos dois é feliz?
Um tem garantias, mas não tem conhecimento; o outro tem conhecimentos, mas não tem garantias. O cativo mantém a inocência infantil por toda a vida e o livre perde a inocência no primeiro vôo. O cativo canta na presença do gato e o livre se estremece ao ouvir o piar do gavião. O primeiro passa a vida sem entender nada do que se passa com ele, por isso é tranquilo; o segundo entende tudo, conhece o mundo, mas enfrenta uma surpresa (ou mais) a cada dia. O primeiro vive cercado pelas paredes da gaiola e o segundo, pelos perigos da vida.
Qual é o feliz?
Se esses pássaros somos nós e a liberdade é uma opção não faz sentido perguntar pela felicidade. Pergunta-se pela escolha de cada um ou pela consciência da escolha. Ambos podem ser felizes desde que assumam as escolhas que fizeram. Não pode o cativo julgar-se tão sábio quanto o livre, não pode o livre zombar da gaiola do outro. Se cada um escolheu então cada um é feliz ao seu modo.
O que me preocupa é que muitos estão cheios de certezas, seguros em suas concepções porque não sabem que a certeza que possuem é resultado da gaiola que os aprisiona. As ideias preconcebidas e a falta de disposição para avaliá-las conferem-lhes “segurança”, certezas absolutas. A ideologia aprisiona embora dê a sensação de liberdade.
Do mesmo modo há muitos que estão livres não porque escolheram essa condição, mas porque não acharam um caçador que lhes armasse um laço. São os que se angustiam diante dos desafios da vida e tremem diante das decisões a serem tomadas. Esses preferem pensar que estão engaiolados a viverem em liberdade. São esses que se encasulam em concepções mesquinhas e fazem o discurso de que o jovem não está preparado para ser livre.
A liberdade frequentemente nos deixa desamparados e a única certeza que nos dá é que viveremos de incertezas. Conviver com isso não é fácil, portanto, é compreensível que alguns prefiram a gaiola. É difícil quebrar paradigmas, abandonar ideias preconcebidas, viver de incertezas e estar sempre à procura de um referencial. É preciso coragem para ser livre.
Fábula:
Um lobo faminto e um cão gordo e saudável se encontram e, sentados frente à frente à sombra de uma árvore, olham-se por alguns instantes. O lobo, sempre mais livre, começa a conversa:
-Amigo cão, de onde vens? Por onde tens andado que tens encontrado comida com fartura? Tenho levado uma vida difícil. A comida está escassa, os caçadores estão sempre à espreita e a noite é atribulada.
O cão:
-Amigo lobo, moro aqui bem perto. Tenho cama, vacinas e comida tudo no tempo certo. Tenho um dono que não deixa faltar nada para a minha saúde.
O lobo:
- Que inveja! Gostaria de ter um dono assim. Estou tão faminto!
O cão:
-Vamos comigo! Apresento-o ao meu dono e ele te acolherá, com certeza. Nunca mais lhe faltará o pão, a sua água será certa, as suas vacinas ficarão em dia. À noite você dormirá tranquilo.
O lobo:
- Diga-me mais alguma coisa sobre sua vida, antes que eu tome a decisão. Você uiva à noite, saudando a lua?
O cão:
-Não. Não me é permitido uivar e nem mesmo latir na hora que eu desejo. Tenho regras cumprir.
O lobo:
-Mas você pode saudar o seu dono dizendo-lhe muito obrigado pelo alimento?
O cão:
- Na realidade a nossa relação é um pouco distante. Quase não o vejo e quando o vejo não posso lamber suas mãos em gratidão. Não posso acariciar os seus filhos, não posso deitar-me aos seus, não posso entre em sua casa e não posso nem mesmo passear com outros amigos meus ou namorar.
O lobo:
-E isso lhe deixa feliz? Vale a pena o sacrifício?
O cão:
-Vale porque a comida é boa e o sono é tranquilo.
O lobo:
- É muita mediocridade! É muito egoísmo da sua parte contentar-se em comer e nem sequer poder agradecer. Mas, estou com tanta fome que aceito o convite para viver pelo menos um pouco tempo com você. Vou fazer-lhe companhia. Vamos conversar muito. Vamos juntos cumprimentar o amanhecer. Vamos juntos sorrir para a vida.
O cão:
-Então vamos! Meu dono, com certeza, o acolherá.
E o cão virou para indicar o caminho. Nesse momento o lobo viu uma marca em seu pescoço e perguntou: que marca é essa em seu pescoço, amigo?
O cão:
-É que eu vivo preso a uma coleira há muitos anos. Hoje estou aqui porque por um descuido do meu dono a coleira se partiu e eu estou aproveitando para passear.
O lobo:
- Serás bem recebido em casa, quando voltar? Terás a colhida do filho pródigo?
O cão:
- Com certeza, não! Serei punido e passarei muitos outros anos preso a uma coleira nova.
O lobo:
-Então, adeus! Agradeço o seu convite mas vou seguir o meu caminho. Prefiro a incerteza do alimento à certeza da prisão e do castigo.
E cada um seguir o seu caminho.
Qual vai ser feliz?
17/07/2011
17/07/2011
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