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quinta-feira, 14 de julho de 2011

Serviços Essenciais-II



Antonio Sales
profesales@hotmail.com
Em nossas reflexões sobre serviços essenciais estamos definindo-os como serviços inadiáveis e, por serem prestados em atendimento de situações não previsíveis, não podem também ser antecipados. É por essa característica que os serviços essenciais requerem plantão, inclusive nos feriados e finais de semana.
Em cada época os serviços essenciais foram definidos de acordo com a concepção de qualidade de vida, dependendo dos serviços existentes e sempre em função do respeito que se tem para com as pessoas ou o que se considera necessidade humana.
Em nossa época o avanço tecnológico e uma maior preocupação com bem-estar humano trouxeram novos problemas para serem pensados, criaram e definiram novas necessidades. Problemas tais como os que apresentamos no texto anterior: o autossocorro, o borracheiro e até mesmo o chaveiro. Imaginem alguém chegando de viagem com a família, em um feriado ou final de semana e, ao descer do carro, descobrir que esqueceu a chave da residência na casa dos parentes visitados a uma distância de mil quilômetros. Você consegue se imaginar dizendo-lhe que espere até segunda-feira, no pátio da casa, para ser socorrido?
Se você vai viajar e contrata um serviço de monitoramento de sua residência durante esse período, você gostaria que o pessoal do tal serviço descuidasse da sua casa nos finais de semana?
São questões postas pela sociedade atual que não se constituíam em problema em tempos passados.
No tempo de Cristo, por exemplo, socorrer um animal que se acidentava era serviço essencial, mas curar um homem não era (Mar. 3:2; Mat. 12:11). O atendimento à dor humana era passível de ser adiado. Jesus rompeu com essa visão apoiando os discípulos que colheram espigas no sábado para saciar a própria fome e curando um homem logo em seguida (Mat. 12: 1-21). Ele mostrou que o bem-estar humano está acima dos dogmas e das predefinições.
Nesse mesmo incidente (da colheita de espigas) o discurso de Cristo nos deixou indicações de que um serviço essencial pode ser definido a partir de duas perspectivas: a individual e a social.
Dizemos que a definição ocorre a partir da perspectiva social quando não é o interesse da pessoa que presta o serviço que está em jogo. Explico melhor: uma pessoa que talvez nunca venha precisar de um serviço de autossocorro tira plantão de autossocorrista para atender uma expectativa social, isto é, atender outra pessoa que eventualmente necessitará daquele serviço. O serviço é essencial porque a sociedade o requer. Por outro lado, dizemos que um serviço está sendo definido como essencial a partir da perspectiva individual quando a pessoa, por necessidade da própria sobrevivência, se “obriga” a trabalhar em um desses plantões para garantir o seu sustento e de sua família.
Ao defender os discípulos que colhiam no sábado Jesus definiu o serviço essencial a partir da perspectiva que estamos chamando de individual. Ao curar o homem da mão ressequida ou mirrada, segundo algumas versões bíblicas, Ele pensou no conforto emocional do homem, no bem-estar do outro. Definiu, portanto, o serviço essencial a partir da perspectiva da sua função social. O homem não podia esperar mais, pois a mão ressequida causava-lhe desconforto físico e emocional.
No caso individual está presente a necessidade de quem serve e, no outro caso, o prazer de servir e a importância que a sociedade atribui à prestação do serviço. Penso que ambas as perspectivas devem ser levadas em conta ao se definir um serviço essencial. Ele é essencial na perspectiva de quem? A prestação desse serviço atende as necessidades de quem?
Paulo tinha o pensamento de que ninguém “vive para si” (Rom. 14:7) e um adágio popular de que “quem não vive para servir, não serve para viver” referenda as palavras de Paulo.
Jesus ao ser questionado quando curou um paralítico no dia de descanso, respondeu: “Meu Pai trabalha até agora e Eu trabalho também” (João 5: 17). Diante dessa resposta tão enfática nos deparamos com algumas importantes questões relativas ao serviço essencial.
Os fariseus entendiam que aquele não era um serviço essencial porque quem esperou trinta e oito anos poderia esperar mais um dia (João 5: 19). Jesus, porém, entendeu que quem esperou por trinta e oito anos esgotou as suas “quotas” de espera. Ele nos disse que não se deve fazer esperar ainda mais quem já esperou por tanto tempo. Aqui surgem algumas questões importantes: quanto é muito tempo para uma pessoa esperar pela solução de um problema? Será que cada um tem uma “quota” diferente de espera? As necessidades são iguais para todos? Por que Jesus esperou esse dia para curar esse homem? Não teve outra oportunidade ou quis romper com um paradigma?
O certo é que Jesus Se explicou dizendo: “Meu Pai trabalha até agora ...”. Essa resposta nos intriga e nos leva a uma explicação, no meu entender, simplista. Dizemos que Deus trabalha todo o tempo porque Ele só faz o bem. As perguntas a seguir nos mostram o quanto essa resposta é imprópria:
a)Quando o chaveiro socorre alguém ele não está fazendo o bem?
b)Quando o policial de plantão aborta a ação do marginal que invadiu uma casa no feriado, enquanto o proprietário descansava, não estará fazendo o bem?
c) Quando executo um trabalho, socialmente aceito, para prover o sustento da minha família não estou fazendo o bem?
d) O professor ao ensinar qualquer disciplina para aquele estudante que está se preparando para um concurso, que garantirá o seu bem-estar econômico, não estará fazendo o bem?
Na realidade a questão é: o que não é fazer o bem?
Penso que fazer o bem não é razão suficiente para se definir um serviço como essencial. É a condição humana no momento da prestação do serviço e o fato de ser inadiável que o torna essencial. A pergunta a ser respondia é: é possível adiar o atendimento ou é necessário que se faça agora?
E, em havendo dúvida se o serviço é essencial ou não, o que fazer? Em minha opinião deve-se executá-lo, pois é melhor errar executando um serviço não-essencial do que errar deixando de executar um serviço essencial.
Como o leitor pode perceber o assunto é complexo. Não tive a pretensão de esgotá-lo e quero apenas contribuir para que se veja a vida com a sua complexidade e continuo aberto ao diálogo. 
Junho de 2010

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