Quando escrevi sobre a “saudável aventura fora dos muros” defendi abertamente o direito à liberdade e em seguida veio-me à lembrança a visita que recebi de um religioso, tempos atrás.
Em nossa breve conversa expus minhas convicções e meu anseio pela liberdade e o grau de liberdade que conseguira alcançar. Antes que pudesse concluir o pensamento ele adiantou-se e, com o dedo em forma de advertência, sentenciou: “com responsabilidade”.
Concordei plenamente com ele, mas tive dificuldade em entender porque a pressa em advertir-me. Nunca imaginei escrever o poema da minha vida rimando liberdade com promiscuidade ou com licenciosidade. Para mim liberdade rima com respeito (aos outros e a mim mesmo), tolerância e racionalidade. Nunca consegui imaginar que um viciado pudesse ser livre; que alguém que tem dívida (financeira ou moral) seja um sujeito livre. Liberdade rima com erro, mas o erro da busca pelo acerto, o erro de percurso, o erro como efeito colateral de uma ação bem intencionada.
Ser livre para mim é buscar a verdade, ver com os próprios olhos, admitir as fragilidades, chorar, sorrir, amar, servir, abraçar, viajar, dar bronca quando precisar e acariciar quando supuser que fará bem. É não se contentar com evidências, sair da mesmice, não ter certezas e não temer o encontro com a verdade.
Ser livre é não ter idéias preconcebidas, não submeter-se às amarras de um conjunto de dogmas, não ter medo de defender o que acredita ser verdade, não hesitar em pedir perdão quando errar sem estar sob pressão e, não ter medo de manter a posição assumida quando ofender forçado pelas circunstâncias. Ser livre é poder ler qualquer autor, saborear qualquer livro, assistir teatro, ouvir a música que gostar e declamar poesia.
Ser livre é brincar com as crianças, contar piada para os idosos, desligar a televisão quando o programa não for inteligente, agradecer um abraço ou elogio recebido, falar abertamente para o público sem rodeios e sem arrogância. É admitir que não sabe tudo, aprender com as crianças e com os alunos de qualquer idade, desmascarar os hipócritas, participar de passeatas, protestar contra a violência, denunciar a imoralidade e dizer tchau quando der vontade de ir embora.
É, como Paulo, saber que “todas as coisas me são lícitas, mas nem todas me convêm”(1Co 10:23). É não ter medo do sucesso e sonhar subir no pódio. Romper paradigmas, não buscar culpados, não viver à sombra do juízo, quebrar tabus, não se orientar pelos mitos, ser capaz de ouvir “nãos” sem ficar emburrado, não ficar papagaiando (simplesmente repetindo o que já foi dito), não querer se parecer sábio, não se fingir de intelectual, andar à pé quando todos vão de carro, ler um livro só até à metade porque achou “chato”, acionar a polícia quando sentir-se ameaçado e não temer o que “vão dizer”.
Ser livre é deixar o carro na garagem e viajar de motocicleta, entrar a numa loja com dinheiro suficiente e comprar somente o necessário, “olhar para trás”, “olhar para frente”, “olhar para os lados” e decidir em cada “encruzilhada” da vida o novo rumo a tomar. É respeitar o ateu, cumprimentar o mendigo, sorrir para o gari, assumir a própria idade e usar o cinto de segurança ou o capacete sem o filho mandar. É livre quem não precisa de uma igreja para sentir-se amigo de Jesus.
Liberdade é curtir os amores que a vida nos traz: abraços respeitosos, elogios sinceros, promoções profissionais, leituras agradáveis, reuniões de amigos, oportunidades de serviço, ler, pesquisar, publicar, tocar instrumento e escrever (livros, artigos, textos para blogs). É não precisar de vigilância para não ferir os outros sem necessidade, evitar provocações mal intencionadas, não iludir, “não dever nada a ninguém, exceto o amor” (Rm 13:8). É trabalhar além do horário sem esperar pelo bônus da hora extra, é chegar sóbrio em casa e discutir abertamente os conflitos vividos. É tratar o cônjuge como adulto, é investir nos filhos, curtir os netos, fazer trabalho voluntário e não ter pressa de aposentar.
Liberdade é uma condição interior, é o resultado de um crescimento, é mais do que autovigilância. É ter prazer em viver com responsabilidade.
Sou livre. Deus me concedeu deu-me essa graça de viver até conseguir a liberdade.
17/07/2011
17/07/2011
Antonio Sales
profesales@hotmail.com
Muito bela a sua descrição de liberdade. A liberdade pode ser um estágio imaginário porque sempre estamos enlaçados com as amarras culturais e certos valores são pré-estabelecidos. Penso que podemos romper com algumas coisas. Ser livre é ter a consciência tranquila de poder transitar por diversos pontos de vista sem perder o equilíbrio.
ResponderExcluirIsto exige grau de maturação elevado. Requer que se viva sem ser assombrado pelo fantasma da culpa. Mas para podermos romper com algumas amarras é preciso ter coragem e ousadia.
Os anos de religião nos deixaram presos e tristes. Mas, às vezes, tínhamos momentos de alegria porque ali era bem mais confortável, seguro, mas alguns pássaros querem aventura em lugar fora do ninho. E porque isto seria errado? Quando tiramos este fardo institucional de nós, respiramos melhor, é normal este sentimento. Por que para herdar o céu que um lugar feliz tem-se que suprimir nossa felicidade do presente? Por que tem alguém que se sente feliz com rituais? Felizes com o aprisionamento de corpos dentro de uma igreja fria?
O que há de errado em alguém que tem uma força propulsora dentro de si? Seremos condenados por isso? Eu escolhi ter esta personalidade? Não seria mais fácil fazer o que todo mundo faz? Dizer “sim senhor” para tudo? Viver uma vida programada?
Ponho em xeque os valores cristãos, afirmo alguns, pois somos cristãos culturalmente. Mas sempre me pergunto o porquê de sermos julgados se entramos no jogo que já vinha se desenrolando, e somos obrigados a fazer uma escolha. Que liberdade é essa, meu amigo se, em decorrência desta escolha, temos um julgamento em que será decidido o nosso destino? Ora, há liberdade? O que vem a ser liberdade? O que vem a ser livrearbítrio?
Parece que qualquer deus teria medo que o homem comesse da maçã, ou da árvore da vida. Poderemos ser iguais aos deuses, conhecedores do bem e do mal. Seriam bem-vindas a ignorância e a estupidez?.
Muitas nuvens negras pairam sobre nossos horizontes. Dúvidas, questionamentos etc.. vemos que quando o homem comeu da maçã foi expulso. Quando se multiplicou sobremaneira foi afogado pelo um dilúvio. Quando criou uma torre, forte e poderosa, Deus interceptou. Em outras mitologias também há relatos de punição divina ao homem que busca e escolhe ousar. Você ousou, com certeza Deus não mandará um raio na sua cabeça, mas, a “menina dos olhos Dele”, a igreja, fará esse favor. Por que escolhestes isso? Estivestes no jardim do Éden, fostes doutrinado e ensinado a servir com amor! Entretanto, que amor é este que te fazia amargurar como um pássaro dentro de uma gaiola?
Lá tu tinhas ração, comida, água e proteção da tua igreja, mas escolhestes viver uma vida solta e avulsa. A tua liberdade terá um preço, preço do desprezo, do insulto, do preconceito, da discriminação, de ser um herege, apóstata, um agente pernicioso de semear discórdia entre irmãos. Em contrapartida, sentes o regozijo de não ter uma coleira no teu pescoço! E a luz própria que iluminará teu semblante, causando um descontentamento, ou quem sabe, uma pitada de inveja por partes daqueles que não ousaram sair da gaiola. Dos que tiveram seus pensamentos castrados.
Mesmo assim, o espírito livre desejará ser maltratado pela sua liberdade a ficar atrás das grandes. E os intelectuais (pseudos??) usarão um discurso forjado para convencer que tu estarás vivendo uma fantasia mundana e que fora dos braços de Cristo (da igreja). É uma ilusão. Ora, será que tua liberdade é mais ilusória do que quem está dentro das grades?
Por vezes, o colo da mãe parecerá aconchegante, pedindo para voltar. Liberdade não é para qualquer um, nem todos nasceram para ela. Ela é um dom dado apenas para os de alma livre.
Abraços. Continue assim sensato e ponderado nas tuas decisões. E sei ( espero) que Deus talvez não seja nada deste conceito formatado. Mesmo assim, acho valioso o processo de libertação.
César Augusto
O imperador
Olá Dr: Sales!
ResponderExcluirLi seu artigo, o que me chamou mais atenção foi "Liberdade"
Embora nossa liberdade não seja absoluta, pois no decorrer da vida vamos criando as amarras, mas ao mesmo tempo ela é a grandeza de podermos a fazer as nossas escolhas.
É com ela que traçamos o nosso caminho e nós nos definimos.
Não há excesso de liberdade para aqueles que são livres e responsáveis, o problema é liberdade sem responsabilidade.
Tenha uma excelente semana.
Abraço.
Sinete.
dr. Sales, tenho algumas grandes dúvidas existenciais, talvez o sr. me ajude com respostas:por que a liberdade deve ser conquistada, se já nascemos com ela? quem ou qual instituição nos roubou a liberdade? como encontrar a liberdade de novo? em que momento a perdemos?
ResponderExcluirSérgio,acredito que nascemos com direito à liberdade, mas não com a posse dela.
ResponderExcluirÉ algo como ter dinheiro na conta bancária mas ainda não ter a senha de acesso. O uso da liberdade é aprendido no contexto social. Alguns contextos dificultam esse aprendizado e outros favorecem-no. Certas condições de vida não permitem que usemos a liberdade ou que aprendamos a usá-la. Algumas nem mesmo contribuem para que saibamos que temos esse direito.
Sérgio, embora eu respeite a religião, acredite em Deus e saiba que o ser humano necessita dessa ligação com o eterno, penso que algumas instituições religiosas tolhem a nossa liberdade com os seus dogmas, com o seu fundamentalismo, etc.
Penso que alguns discursos religiosos (sermões)são carregados de preconceito, de excesso de preocupação de tal modo que geram culpabilidade, medo, insegurança, etc. São essas coisas que roubam a nossa liberdade ou que não nos ensinam a ser livres.
Sales