Muitos pregadores cristãos investem pesadamente contra o “mundo lá fora”, classificando tudo o que é produzido por ele como impróprio para o uso do jovem cristão. A música, a arte de forma geral, as amizades e os livros são classificados como impuros; nada serve. Salvam-se dessa aguilhoada a tecnologia e a ciência porque não conseguem viver sem elas, mesmo assim há quem afirme que a ciência contém elementos perigosos.
Os jovens norteados por esse discurso ficam arredios, cheios de culpabilidade quando olham para um cartaz de cinema, assistem a um filme em casa ou jogam xadrez ou dama com os amigos. Aprendem que não devem perder tempo com jogos e que participando de movimentos políticos ou atividades culturais estão se colocando em terreno por demais escorregadio, afastando-se de Jesus e da presença dos Seus anjos.
Muitos parecem não questionar essa “verdade” que lhes é imposta e vivem tranquilos nessa bolha transparente. Outros, ao que parece, sentem a incoerência desse discurso e passam a viver numa certa “frouxidão espiritual” tentando conciliar duas verdades contraditórias. De um lado a verdade que lhes é ensinada pela pregação e, por outro, a que veem com os próprios olhos: a beleza de um romance, o encanto de uma música, a sabedoria de um filósofo, a desenvoltura de um político, a humanidade de um cientista, a cortesia de um motorista de ônibus, a inteligência de um enxadrista, as facilidades da tecnologia e assim por diante. Alguns se sentem culpados per terem uma impressão tão favorável do “mundo lá fora”.
Estive entre esses últimos por muito tempo. A transparência da bolha me incomodava. Ela não vedava o meu olhar para as coisas boas que existem fora dos muros. Minha crença tentava negar o que os meus olhos viam, o conflito se instalava e a culpa me fazia sofrer.
Reescrever a minha história, sem negar a fé em Jesus, não foi uma tarefa confortável. Consegui. Continuo crendo em Deus e confiando e Jesus, mas desconfio da honestidade dos seus pregadores. Tudo o que ouço deles coloco em suspensão como aprendi quando estudei Fenomenologia. Submeto o que dizem a um crivo de sensatez, coerência pessoal, lógica e racionalidade, antes de aceitar.
Hoje sou cristão. Escapei das amarras de uma religião que isola, que intimida, que vê maldade em tudo, que tenta escurecer a luz do dia, que coloca um “óculos” escuro em todos os fiéis. Uma religião centrada na culpa e que esquece a alegria de ser cristão, que tolhe a liberdade de ser cidadão de dois mundos, que procura ocultar as coisas boas que há no mundo (tolerância, conforto, saúde, cultura, amizade, ciência, beleza) ao mesmo tempo em que delas se beneficia.
Estava já convicto disso quando recebi, como presente de um amigo, o livro “Para que serve Deus: em busca da verdadeira fé” de Philip Yancey. O autor passou pela experiência de ter vivido numa bolha e escreveu um capítulo sobre isso. No capítulo intitulado “A Vida Numa Bolha” há este parágrafo:
“Temos modelos bíblicos de gente que se serve de recursos do mundo exterior. Por exemplo, os israelitas usaram o ouro dos egípcios para construir o tabernáculo. Vocês provavelmente também se lembram da história, narrada em 2Reis, do que aconteceu quando a cidade de Samaria foi sitiada e sofreu uma carestia mortal. Desesperados, os leprosos excluídos arriscaram a vida aventurando-se além dos muros da cidade em busca de comida. Eles tiveram uma visão surpreendente: as sobras de um exército que havia desaparecido, e assim voltaram com as provisões abandonadas ao encontro dos israelitas encolhidos de medo dentro dos muros. Às vezes precisamos sair da igreja para conseguir alimento - arte, beleza, conhecimento - que depois podemos trazer para dentro e apreciar de forma plena”.
E Yancey continua:
“Espero que deixem este ambiente artificial - e mesmo antes de o deixarem - vocês explorem o mundo lá fora. Cultivem amigos não cristãos e demonstrem-lhes que a beleza, o anseio, a curiosidade e a alegria são dons que Deus nos deu para serem corretamente explorados”.
Partilho do pensamento de Yancey e tenho me decepcionado menos com os amigos de “fora” do que com os amigos de “dentro”. Recebo muito apoio fora e sou visto com suspeita pelos de “dentro”. “Fora” confiam em mim, “dentro” desconfiam e eu sou o mesmo em ambos os lugares, me comporto da mesma maneira, transmito a mesma mensagem, trabalho com a mesma garra e uso o mesmo parâmetro de respeito às pessoas.
Dá para entender? A bolha intimida, produz uma “brancura” frágil e fácil de “sujar”. A bolha fragiliza, tira a liberdade de pensar e inibe o prazer de desfrutar a vida .
Gostei do teu texto. E sinto que compartilho de convicções semelhantes ou próximas.
ResponderExcluirparabéns..