Antonio Sales
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Quando Jesus (Mt 23:24 ) classificou como cegos os líderes judeus ele não se referiu a um estado de falta de conhecimento. Os escribas e fariseus liam a Bíblia com freqüência e conheciam as profecias messiânicas. Eram zelosos defensores da lei, defendiam hipocritamente a decência (Mt 23:14) e tinham os escritos sagrados na ponta da língua.
Em que consistia, então, a cegueira deles? Em primeiro lugar penso que a cegueira tinha a ver com as ideias preconcebidas. Toda pessoa que vai a uma fonte de informações com ideias preconcebidas perde a oportunidade de conhecer a verdade. Ela não lê o que o autor escreveu e sim o que ela gostaria de encontrar escrito. Vai ao texto em busca de “evidências” que confirmem o que pensa e não em busca da verdade. Se no texto não consta o que ela quer ler então pressupõe que foi deturpado. A verdade, para o cego descrito por Jesus, é aquela que foi produzida por ele mesmo.
Em segundo lugar penso que essa cegueira tem a ver com a falta de ética ou com o desejo de se parecer mais sábio e mais decente do que os outros. É uma cegueira porque não permite ao sujeito se dar conta de que as pessoas mais informadas estão percebendo a sua falácia.
Mas penso ainda que é uma cegueira por não querer enxergar. Muitas pessoas precisam manter a postura assumida, defender o discurso que fez, ainda que para isso tenham que seguir o caminho da perdição. Alguns sacrificam a credibilidade para dar garantia a uma bobagem proferida, a uma autopromoção ou para ter a alegria de se mostrar grande perante os, supostamente, pequenos.
De qualquer forma essa cegueira nada tem a ver com falta de conhecimento e tem tudo a ver com a falta de bom senso, com a mediocridade, com a pequenez moral.
Após essa introdução quero retomar uma fala que iniciei na edição de janeiro (nº 230) quando citava a preocupação da irmã Ydubina (de Asunción, PY) sobre a importância de se valorizar os músicos qualificados da igreja. Naquele texto fiz referência ao fato de, em algumas igrejas, o debate sobre a música estar aos cuidados de pessoas que, muitas vezes, nem sabem o significado das frases que citam. Penso que isso é um caso de cegueira porque uma pessoa não se dar conta das suas limitações para debater determinado assunto equivale a um cego (no sentido físico) querer discutir com um vidente se hoje está mais nublado do que ontem. É a dupla cegueira: o cego que não admite ser cego.
Mas eu afirmei que essas pessoas não sabem o significado das frases que citam. Fiz a afirmação com base no que ouço e leio. Repetem sempre as mesmas coisas não importando o contexto. Fazem afirmações genéricas, mas não aprofundam, não desdobram o assunto para que possamos entender o que querem dizer. As exposições são nebulosas, superficiais e interrompidas exatamente quando se esperava por uma conclusão ou definição. Às vezes falam o óbvio, mas não explicam porque esse óbvio lhes despertou a atenção e não dizem o que querem que se entenda desse óbvio. Portanto, são afirmações imprecisas e indicadoras de falta de domínio sobre o assunto.
Classifico tais pessoas como cegas, no sentido dado por Jesus. São dominadas pelo preconceito de achar que só o antigo, o clássico, é bom, que em nossos dias ninguém mais produz algo aproveitável.
Pressupõem, erroneamente, que quem canta uma música não clássica não está louvando a Deus. Cometem o equívoco de pensar que Deus espera de nós o mesmo estilo de vida que esperava dos nossos antepassados.
É certo que Deus espera de nós um maior compromisso com a ética e com a decência, mas, por certo, a nossa ética não deve ser a mesma de Abraão e Sara que usaram Agar como barriga de aluguel sem mesmo perguntar se ela estava disposta a isso. Em conformidade com a ética do seu tempo Abraão tinha várias concubinas (Gn 25:6) e, simplesmente, acrescentou mais uma a pedido de Sara. Suponho que a nossa deve ser outra ética, superior a essa.
A nossa decência hoje não deve ser a mesma “decência” de Salomão que tinha mil mulheres no harém apesar da sua sabedoria e ser autor de livros que foram incluídos no cânon sagrado.
O nascimento do cristianismo foi um rompimento com o passado (Mt 27:51) e o autor do cristianismo não está morto, isto é, não parou de atuar, não deixou de se atualizar, não cessou de acompanhar os problemas e progressos humanos e de repetir, com outras ênfases, os seus ensinamentos de que o passado serve como referência mas não como molde (Mt 5 a 7).
Nosso contexto é outro, nosso sentimento é outro, nossa compreensão é outra logo, nossa adoração não pode ser a mesma a menos que estejamos adorando um deus inerte. Não podemos servir a um deus intelectualmente morto semelhante a alguém que recebeu o diploma há muitos anos e nunca mais se atualizou. Deus também não pode ter o coração petrificado e olhares vazios voltados para o horizonte indefinido.
Escrito em março de 2010
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